Nos últimos anos, uma reforma trabalhista, aprovada e “discutida” em tempo recorde, foi apresentada como a panaceia que promoveria a geração de 6 milhões de empregos
por Christiane Vieira Nogueira em 30/04/21 19:27
O primeiro de maio de 1886 imortalizou não só o direito à greve, mas uma gama de direitos, entre os chamados sociais, que representam a dignidade nas relações de trabalho e são fruto da luta de mulheres e homens nos séculos XIX e XX.
Estas lutas, e os direitos que com elas foram conquistados, permitiram o aprofundamento da democracia e de maior igualdade e equilíbrio nas tão desproporcionais relações entre capital e trabalho.
Em 2000, a ONU estabeleceu as metas do milênio, um conjunto de objetivos cuja consecução é necessária e imperativa para a construção de um mundo mais justo, materialmente mais igualitário e social e ambientalmente sustentável. Especificamente quanto ao trabalho, o objetivo 8 prevê a promoção do crescimento sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todas e todos. Além disso, estão entre metas a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, sem as quais não é possível se falar em pleno emprego e trabalho digno. Inclusive a própria ONU aponta a absoluta necessidade de integração e indivisibilidade entre as metas da Agenda 2030.
Mas neste primeiro de maio de 2021 temos motivos para comemorar?
Esta resposta depende da avaliação sobre o quanto estamos rumando ao encontro de tais objetivos conclamados pela ONU.
Nos últimos anos, uma reforma trabalhista, aprovada e “discutida” em tempo recorde, foi apresentada como a panaceia que promoveria a geração de 6 milhões de empregos.
Na perspectiva da malsinada reforma e do contexto social, econômico e político no qual ela foi aprovada, os direitos, especialmente aqueles pelos quais mulheres e homens em outros primeiros de maio morreram, seriam privilégios e geradores de amarras que impediriam o pleno e livre desenvolvimento do mercado e a redentora recuperação econômica.
Quanto mais se avança (ou se retrocede) na implementação deste discurso, o esperado pote de ouro do desenvolvimento sustentável mais se afasta. Talvez esteja logo ali, no final do arco-íris nada colorido da próxima reforma…
Neste 2021 somos informados de que a fome aumentou, a renda diminui abruptamente e o mercado formal de trabalho encolhe. De acordo com o IBGE, em 2020 o desemprego médio no Brasil atingiu 13,4 milhões de pessoas. Assistimos atônitos à pandemia que ceifa vidas aos milhares, nos relembrando o quanto nossa saúde é frágil, assim como a nossa democracia. Tememos o vírus e os tanques anacrônicos que ameaçam desfilar novamente por nossas ruas.
Mas igualmente ameaçadores são o trabalho escravo, a exploração laboral de crianças e o trabalho sem direitos, ainda que enaltecido como modernidade algorítmica.
A sociedade brasileira precisa reafirmar seu compromisso democrático, lembrando que a justiça social é condição material imprescindível para tanto. É necessário recompor os pactos fundantes da Constituição Federal, reabilitar atores (como os sindicatos), reorganizar as relações de trabalho e reconduzir a nação à trilha da concretização dos objetivos do milênio, da justiça social e da democracia plena.
Se assim fizermos, é possível que tenhamos motivos para comemorar os futuros primeiros de maio. Por ora, este nos servirá apenas para lamentar e recordar que a conquista e a manutenção de direitos dependem sempre de mobilização, luta e resistência.
Christiane Vieira Nogueira é Procuradora do Trabalho no Ceará e integrante do Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, da PFDC/MPF (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão); Rafael Garcia Rodrigues é Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro.
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