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OPINIÃO

Precatórios e a desigualdade jurídica entre Estado e cidadãos

Não parece justo que a União possa exigir descontos ou protelar a dívida por mais tempo do que aquele que o credor aguardou durante um longo processo na Justiça, sobretudo se analisarmos que qualquer cidadão deve quitar dívidas contraídas com o Estado prontamente

por Ricardo Godoy em 24/11/21 18:30

O Auxílio Brasil, programa do governo federal que vai substituir o Bolsa Família, está programado para entrar em vigor em novembro, com um reajuste de 20% em cima dos atuais valores do programa. Além disso, será criado um benefício temporário, com validade até dezembro de 2022, para que todos os benefícios subam para pelo menos R$ 400.

Sabemos da importância dos programas sociais em um momento em que o país enfrenta uma das maiores recessões de sua história, com a taxa de desemprego chegando à casa dos 14,1% no segundo trimestre de 2021, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, a forma como estes benefícios serão custeados vem sendo motivo de preocupação para todo o mercado de compra e venda de precatórios.

Os precatórios são dívidas contraídas pelos governos nas esferas federal, estaduais e municipais quando são condenados pela Justiça a fazer um determinado pagamento após o trânsito em julgado de uma ação. Com a aprovação da PEC dos Precatórios, que limita o pagamento destes títulos, haverá mudanças nas regras fiscais e nos prazos de pagamento das dívidas da União.

Segundo a PEC, o pagamento de precatórios fica limitado ao valor pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões), reajustado pelo IPCA. Ficarão de fora deste limite o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, de até R$ 600 mil, que terão prioridade no pagamento. Os precatórios que não forem expedidos por causa do teto terão prioridade para pagamento nos anos seguintes, reajustados pela taxa Selic, acumulada mensalmente. Atualmente, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a correção depende da natureza do precatório, podendo ser a Selic ou a inflação medida pelo IPCA mais 6% ao ano.

Para permitir o abatimento da dívida, o novo texto oferece aos credores a possibilidade de fechar acordo para receber o valor até o final do exercício seguinte, caso concordem com um desconto de 40%. Os valores necessários à sua quitação serão providenciados pela abertura de créditos adicionais em 2022. Além disso, há a possibilidade de “encontro de contas” quando se tratar de precatórios e dívida ativa. Assim, um contribuinte com direito a precatório poderá usá-lo para quitar obrigações com a União, sendo que a regra também vale estados, Distrito Federal e municípios.

O problema de tudo isso é que a maioria dos credores passaram 20, muitas vezes até 30 anos aguardando uma decisão da Justiça para receber estes pagamentos. No momento em que a União é compelida a pagar, ela tem a licença de negociar 40% de desconto no valor total da dívida. E caso os credores não concordem, terão que esperar ainda mais tempo para receber o que lhe é devido.

O artigo 100 da Constituição Federal determina a quitação das dívidas do governo para com os cidadãos via precatório, que deve ser pago em ordem cronológica de apresentação, depois de incluída no orçamento público, até dia 1º de julho do ano corrente. Isso é para que entre na proposta orçamentária do ano seguinte e o pagamento seja realizado até o final do exercício seguinte, com seus valores atualizados.

Não me parece justo que a União possa agora, com o advento da PEC, exigir descontos ou protelar a dívida por mais tempo do que aquele que o credor aguardou durante um longo processo na Justiça, sobretudo se analisarmos que qualquer cidadão deve quitar suas dívidas contraídas com o Estado prontamente – sob pena de sofrer confisco. Qual seria então a lógica desta PEC, diante da desigualdade nas relações jurídicas entre Estado e cidadãos?

Agora, mais do que nunca, quem quiser ingressar no mercado de compra e venda de precatórios precisa compreender as novas nuances impostas pela PEC, já que muitos ofertantes apresentam deságios sem calcular a correção de valores, ou deixam de esclarecer detalhes da forma de pagamento, da responsabilização no caso do cancelamento do precatório, dos valores de correção monetária que ainda podem ser cobrados num segundo precatório, entre outras questões.

A expectativa é que o mercado se adeque à nova realidade, mas até lá, o melhor conselho é recorrer a ajuda profissional. Afinal, com tantas mudanças à vista, ter conhecimento é sempre a melhor saída.


Quem é Ricardo Godoy?

Ricardo Godoy é diretor comercial da Precavida

* As opiniões dos artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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