Cultura

Covid-19 e desigualdade de gênero

Amanda Costa: Mulheres na pandemia: sobrecarregadas e nervosas… mas com todo respeito

Quando meu marido faleceu, aos 38 anos, vítima de um câncer, meu filho tinha seis anos. As pessoas diziam que ele passaria a ser “o homem da casa” e, então, “precisava ser forte”

por Amanda Costa em 11/03/21 14:21

Me posto diante das teclas que me servem de ferramenta para escrever este texto depois de encarar uma pia cheia de louças sujas, de descer com o lixo orgânico e os recicláveis e de quase obrigar meu filho de 13 anos a recolher roupas no varal, limpar as cacas da cachorrinha e arrumar a própria cama. Confesso que o momento de escrever para mim se confunde com o de descansar – e este é meu trabalho. Isso sempre foi muito prazeroso para mim em comparação com o serviço da casa, para o qual – hoje não tenho mais vergonha de falar – nunca tive talento. “Ah você precisa fazer uma comidinha para quando o maridinho chegar do trabalho”, me ensinava a sogra. Ela, que deixou a profissão de professora para “cuidar da casa” e dos filhos, não entendia que a nora não faria o mesmo.

Isso sempre me deixou com sentimento de culpa. Me sentia incompetente por não dar conta de tudo. Hoje, viúva, e morando com meus dois adolescentes – a menina tem 17 – tento criá-los de modo a não reproduzir esse conceito construído cuidadosamente em nosso subconsciente.

Quando meu marido faleceu, aos 38 anos, vítima de um câncer, meu filho tinha seis anos. As pessoas diziam que ele passaria a ser “o homem da casa” e, então, “precisava ser forte”. E então esses “papéis construídos” agora afetavam também meu filho. Não o deixei cair na armadilha. “Você é um dos seres humanos da casa, meu filho.” Somos três. Desde então, eu trabalho, tomo as decisões junto com eles e o trabalho doméstico estamos aprendendo a dividir. Ainda é difícil.

A pesquisa “Por ser menina”, da Plan International Brasil, mostra o abismo que existe no trabalho doméstico realizado por meninas e meninos em casa. 81,4% das meninas arrumam a própria cama, 76,8% lavam louça e 65,6% limpam a casa. Entre os meninos, 11,6% ajeitam a cama, 12,5% ficam com a louça e 11,4% arrumam a casa. Ou seja, virar o jogo da falta de equidade é algo que começa dentro de casa. Não só da minha…

Em uma pesquisa informal que realizei com 296 mulheres do meu círculo de relacionamento esta semana, vi que a pandemia tornou isso ainda mais evidente. Mais de 70% das mulheres disseram que o problema, antes escondido “debaixo do tapete” veio à tona com a Covid-19 e as outras respostas confirmaram: 54,8% das mulheres declararam fazer a maior parte ou todo o serviço da casa. 71,9% se sentem sobrecarregadas. 61% ouviram de algum homem que estão nervosas. E 75,5% disseram se sentir respeitadas. Achei esta última resposta tão paradoxal… Vamos lá… A falta de equidade estava escondida debaixo do tapete, elas fazem a maior parte do serviço doméstico, estão sobrecarregadas e nervosas e se sentem respeitadas? Algo de errado não está certo… Bom, chega de descansar. Vou ali preparar almoço.


Quem é Amanda Costa

Amanda Costa é jornalista, mãe da Laís e do Paulinho, empresária nos setores de Educação Corporativa e Materiais Recicláveis, pesquisa, escreve e fala o tempo todo sobre liderança e empoderamento feminino.

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