Cultura

Análise – Creomar de Souza

Posse de Biden significa o fim do trumpismo?

Mais de 70% dos eleitores republicanos aceitaram a narrativa irresponsável e mentirosa de Trump

por Creomar de Souza em 20/01/21 20:03

Com a posse de Joe Biden na Presidência dos EUA, o extremismo populista de direita deixou de contar com importante plataforma para seguir sua cruzada contra o “globalismo”, a ciência e o meio ambiente. Trump sai mais do que chamuscado, tendo conseguido a inédita proeza de sofrer “impeachment” duas vezes, na segunda com apoio expressivo de políticos de seu próprio partido, que tentaram se afastar de um legado tóxico. Esse talvez não seja ainda o fim do trumpismo, afinal milhões votaram no candidato derrotado e a turba de elementos radicalizados mostrou que é capaz de causar estragos.

É por isso que qualquer juízo definitivo sobre o ocaso de Trump é prematuro. Internamente, a democracia americana, a mais longeva do mundo, mostrou que está fragilizada. As instituições acabaram funcionando, mas nunca a polarização foi tão extrema. Mais de 70% dos eleitores republicanos embarcaram na canoa furada da ideia de eleição fraudada, ou seja, aceitaram a narrativa irresponsável e mentirosa de Trump. Alguns desses eleitores começaram a sair de sua realidade paralela apenas quando as imagens de apoiadores do ex-presidente invadindo o Capitólio se tornaram fortes demais para serem ignoradas.

Trumpismo: Capitólio, sede do Congresso dos EUA, durante a invasão
Capitólio, sede do Congresso dos EUA, durante a invasão por apoiadores de Donald Trump, em 6 de janeiro.
(Foto: Redes sociais)

Se a saída de Trump não resolve tudo, qual é o futuro da democracia norte-americana? Tudo vai depender da capacidade do novo governo de estender pontes, apagar incêndios e mostrar, com resultados, que políticas baseadas em fatos, na racionalidade e na ciência são mais eficazes. Mais do que a legitimação pelo procedimento (o respeito às normas e rituais do Estado de Direito), a situação requer legitimação pelo resultado: a superação da crise econômica, o aumento do bem-estar da população e uma estratégia bem-sucedida para lidar com a pandemia. Se a sensação de segurança se enraizar e for atribuída a um governo que dialoga, negocia e não busca aniquilar adversários, então talvez o trumpismo se veja sem o terreno fértil para vicejar.

No cenário internacional, a mesma lógica se aplica com as devidas adaptações. A saída de cena de Trump enfraquece seus aliados incondicionais e subservientes. Alguns se deram conta disso rapidamente, raposas que são na arte da política. É o caso de Boris Johnson e Benjamin Netanyahu, que se apressaram em reconhecer a vitória de Biden e tecer loas à experiência e amizade tradicional do novo presidente com seus países. Com a lamentável exceção de nosso presidente e de seu chanceler trumpista, os líderes de tendência direitista já puxaram o freio de arrumação, buscando acomodação com a provável nova política externa dos EUA, que vai retomar participação na OMS, Acordo de Paris e órgãos de direitos humanos, além de recompor a Aliança Atlântica e reformular a estratégia para lidar com a China.

A valorização do multilateralismo pelos EUA (legitimação pelo procedimento via respeito aos ritos diplomáticos) é importante, porém insuficiente para debelar a ameaça populista à ordem mundial. É preciso também que essa nova atitude resulte em progresso concreto na prevenção de conflitos, criação de ambiente favorável ao comércio, construção de instrumentos adequados para enfrentar pandemias, fome, mudança do clima e crises humanitárias. Apenas assim as teorias conspiratórias perderão transitividade, dando lugar ao mundo real das relações de competição e cooperação, cuja administração racional pelos diversos países deve buscar o fortalecimento da paz e da prosperidade mundiais.


Quem é Creomar de Souza

Creomar de Souza é historiador, Mestre em Relações Internacionais e Doutorando em Política Comparada. Consultor de risco político e CEO da Dharma Politics, é também colunista fixo do MyNews

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