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Driblar o teto de gastos: desonestidade intelectual, populista ou os dois?

Com uma agenda neoliberal fundamentada na redução do Estado ao mínimo e na permanência do teto de gastos, Bolsonaro se elege presidente com apoio do mercado, que tinha como “salvador” Paulo Guedes

por João Gabriel de Araujo Oliveira em 27/10/21 15:43

Para entender a defesa do teto de gastos, primeiro devemos compreender o que é um neoliberal. De início, vamos acabar com essa história de “ultraliberal” (termo usado em notícias com relação ao Paulo Guedes), isso está longe de ser um termo correto, a escola econômica se chama neoliberalismo e, assim, seus defensores são neoliberais.
No Brasil, existem diversos expoentes e pensadores que defendem essa escola, entre eles Marcos Lisboa, Roberto Elery, Tiago Cavalcanti, Joaquim Levy, Pedro Malan, Gustavo Franco e outros. De forma simples, essa escola defende a intervenção mínima do estado na economia, laissez faire (que a oferta cria sua própria procura), todos os axiomas microeconômicos e microfundamentação da macroeconomia e, também, a mão invisível do mercado, onde o mercado se autorregula.

Dentro desta perspectiva, temos então a formação econômica da famosa Universidade de Chicago, que foi responsável pela formação econômica dos conhecidos “Chicagos Boys”, que transformaram o Chile em um laboratório para seus experimentos. Como resultado, a ascensão de Pinochet e a imposição de tais ideias levam hoje o Chile a ter diversos problemas sociais, especialmente no que se trata da previdência.

Contudo, onde o Brasil entra nesse caso? De onde surgiu o “salvador da pátria” Paulo Guedes? Qual a relevância de Guedes para a academia, ou até mesmo a política nacional antes de ser ministro? Por que esse drible do teto de gastos põe em cheque a formação e ideologia deste economista?

De modo geral, o Brasil teve, em seus anos iniciais pós-ditadura, uma forte influência do neoliberalismo. Como é historicamente ensinado, o primeiro governo legitimamente eleito foi o de Collor em 1989, tendo durado até 1992 quando o mesmo renunciou na certeza de ser impedido.

Neste governo, e especialmente após 1992, quando assume Itamar Franco, temos então a posse da pasta de Ministro de Estado da Fazenda o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que passa a organizar e orientar um grupo de economistas liderados por Pedro Malan, um dos expoentes do neoliberalismo brasileiro, para que fosse possível a estruturação do “Plano Real”.

Este plano tinha por objetivo não só mudar a moeda nacional, mas mecanismos para o controle da inflação que aterrorizou o país, tendo seu ápice o valor de 4.922% em junho de 1994, como mostra o Banco Central do Brasil. Desde então, a perspectiva dessa escola econômica tem tomado a frente das políticas econômicas brasileiras.
Este contexto segue até os anos de 2002, quando o então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) se elege presidente do Brasil e muito se tinha medo quanto a sua posse, especialmente por parte do mercado, na ilusão de que ele retiraria o poder das empresas e traria uma visão socialista para a economia brasileira.

Nada disso aconteceu e nem aconteceria, para vencer as eleições, Lula tem como vice-presidente José Alencar, empresário e político brasileiro, filiado inicialmente ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), depois ao PL (Partido Liberal) e então ao PRB (hoje conhecido como Republicanos). Todos esses partidos, que compõem o famoso “centrão”, estão muito longe de ser da ala da esquerda.

Assim, Lula com sua habilidade política, apoio popular e empresarial, governou o país entre 2002 e 2011 de um lado, sendo o “pai dos pobres”, onde via a necessidade de políticas sociais e trabalhistas para diminuição da desigualdade nacional e, por outro, a “mãe dos ricos”, onde necessitava diariamente de agradar o “mercado”.

Estes anos foram, com certeza, os mais rentáveis para a classe rica brasileira em todos os tempos. Assim, como continuação de sua política, elege Dilma, hábil economista e ex-ministra nos governos Lula, inicia como chefe do executivo tendo alta aprovação popular, mas certa preocupação do mercado, que se diluía com, novamente, a “parceria” do PMDB, elegendo assim, como seu vice, Michel Temer.

Dilma passa a tomar manobras da chamada “contabilidade criativa”, que são consideradas arriscadas e que descontentaram o mercado. Assim, para aliviar a pressão gerada por empresários, economistas neoliberais e afins, Dilma nomeia Joaquim Levy, já citado anteriormente como um neoliberal. Essa estratégia não se consolidou após o economista não conseguir controlar, nos seus 11 meses de pasta, a trajetória de crescimento do deficit orçamentário, gerando assim uma insatisfação do mercado com a presidenta eleita e uma decisão de que era necessário, para eles, “impeachar” Dilma.

Mesmo com a nomeação do pós-keynesiano Nelson Barbosa, que defende estímulo pelo lado da demanda que levariam a melhora nas contas públicas (caminho contrário ao neoliberalismo), temos a abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma e que o leva a solicitar sua exoneração.

Com isso, chegamos ao penúltimo presidente, Michel Temer, que através do impeachment toma o poder e nomeia, mais um dos filhos de Chicago, Henrique Meirelles. Como ponto central para controle das contas públicas, Meirelles apresenta a Emenda Constitucional nº 95, que impõe à economia brasileira um teto de gastos, teto este defendido até recentemente pelo Ministro de Estado da Economia, Paulo Guedes.

Esta iniciativa de Meirelles fortalece fortemente a visão neoliberal para a economia defendida pelo até então banqueiro e economista com formação em Chicago, Paulo Guedes, que se torna o “posto Ipiranga” do desconhecido deputado de segunda divisão, mas já com intenções à presidência, Jair Messias Bolsonaro.

Com uma agenda neoliberal forte, fundamentada na redução do Estado ao mínimo e na permanência do teto de gastos para conter o avanço do estado na economia, Bolsonaro se elege presidente da República com apoio do mercado, que tinha como “salvador” a nomeação de Paulo Guedes e por outro lado o “herói da pátria” Sérgio Moro, aqui não trataremos do segundo.

Este “salvador” tem como principal medida, adivinhem, reduzir o estado ao mínimo, através de grandes privatizações. Além disso, um dos desafios perseguidos é o famoso “teto dos gastos” criado em 2016 por Henrique Meirelles. Na academia, este economista nunca teve uma relevância, aparentemente, sem nenhuma ou muito pouca produtividade, não existem artigos que o levam a ser um expoente, com exceção à sua formação de doutoramento em Chicago.

Guedes foi professor na Faculdade de Economia e Negócios na Universidade do Chile, posteriormente sócio e docente do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Com relação ao primeiro cargo, continuou sem produtividade em pesquisa, apenas declinando a aprender como se davam as políticas implementadas pelos “Chicago Boys” e na segunda, também com nenhuma ou baixíssima produtividade em pesquisa, liderando uma escola de formação totalmente neoliberal. Ou seja, sua relevância acadêmica estaria muito próximo de zero.

Com relação à política, Cristian Bofil revela que: “quando Guedes voltou de Chicago para o Brasil com seu doutorado, sentiu-se marginalizado. Os economistas que tinham a hegemonia naquele momento não lhe deram nem as posições acadêmicas, nem os cargos no governo que ele sentia que merecia”. Não tendo, então, qualquer relevância até a chegada de Bolsonaro ao poder. Apesar disso, sua habilidade com o mercado levou a fundar o Banco Pactual e constituir sua fortuna, que coincidentemente o banco teve seu crescimento alavancado pela falha do Plano Cruzado.

Coincidência, os neoliberais ganharem quando a população no geral sofre com problemas sociais? Recentemente, foi apresentado pela mídia a existência de offshores milionárias de Paulo Guedes que geravam milhões em lucro quando o dólar subia, ou seja, enquanto o então Ministro de Estado ganha fortunas, a população sofre com diversos problemas econômicos e sociais, especialmente pela inflação gerada, diretamente associada a inflação dos alimentos e pelo aumento no valor dos combustíveis devido ao preço internacional de commodities e alta do dólar.

Paulo Guedes, até recentemente, defendia que o “teto de gastos” deve ser mantido a quaisquer custas, enriquecendo-se com essa medida, como visto anteriormente e fazendo a população sofrer com diversos problemas sociais e econômicos. Contudo, dias atrás, é anunciado o “furo do teto”, que seria necessário para implantar o novo programa social que substituirá o Bolsa Família, conhecido como “Auxílio Brasil”.

Na contramão de todos os seus ideais e ideologia neoliberal, mas com o apoio do “centrão” e a necessidade de melhorar a popularidade do presidente Bolsonaro, Guedes defende este “furo do teto”. Inicialmente com medidas que atrasem o pagamento de precatórios por parte do governo e, com certeza, um aumento no fundo eleitoral para que os partidos deem seu aval, estima-se que este furo pode chegar ao valor de R$ 100 bilhões. Esta manobra pouco agrada o mercado, que rapidamente sofre com quedas da bolsa de valores e felicita o Ministro da Economia com a alta do dólar, fazendo-o em apenas 4 dias, lucrar o equivalente a R$ 1,4 milhão.

Neste sentido, vamos relembrar então a última pergunta e buscar respondê-la: “Por que esse drible do teto de gastos põe em cheque a formação e ideologia deste economista?”. Primeiro, põe em cheque, pois toda a sua defesa ao longo da sua vida foi em razão de manter o teto para o controle das contas públicas e redução ao estado mínimo, mas gerando uma ascensão populista de si mesmo e melhorando a popularidade do presidente Bolsonaro.

Isso mostra que Paulo Guedes não se trata de um neoliberal fervoroso como se desenhava, mas uma pessoa apegada ao cargo que se sujeita a qualquer imposição da política para se manter como ministro.

No entanto, põe o que há de mais forte na formação econômica neoliberal em defesa, pois defende os direitos individuais do ministro sem se preocupar com o coletivo e a necessidade de ascensão social e econômica da maioria da população, mantendo quem é rico cada vez mais rico e quem é pobre cada vez mais pobre, aumentando assim a desigualdade social, andando na contramão do mundo. Fica agora, através desta coluna, a oportunidade dos leitores responderem a pergunta do título.


Quem é João Gabriel de Araújo Oliveira?

João Gabriel de Araujo Oliveira é doutorando em Economia Política pela Universidade de Brasília (UNB). Mestre em Economia Regional, com ênfase na pesquisa sobre “Distribuição de Renda e Orientação Política”

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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