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DITADURA MILITAR

Sessão de tortura ‘terapêutica’

Em entrevista, Eduardo Bolsonaro desdenhou de tortura sofrida durante ditadura militar no Brasil nas décadas de 60 e 70.

por Conrado Micke Moreno em 22/04/22 10:28

Ilustração: Conrado Micke Moreno (Membro MyNews)

É uma sexta-feira do mês de setembro na cidade de São Paulo. Corre o ano de 1970. Apesar da chegada da primavera, esse é um dia característico da cidade, temperatura baixa e uma garoa fina que congela até os ossos. Wagner entra no prédio do Doi-Codi na Rua Tutoia carregando excepcionalmente uma maleta.

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Se dirige à recepção e pergunta:

– Eu tenho o horário das 10:30h com o sargento Olegário, ele já está atendendo?

– Sim, responde a recepcionista. Vou separar sua pasta e logo ele chama. Pode aguardar na sala de espera.

Ele então olha para a sala que está cheia e diz:

– Mas todas essas pessoas estão na minha frente?

– Não. Essas pessoas vão passar com o chefe, o Dr. Tibiriçá. O sargento Olegário está terminando de atender e logo chama o senhor.

Logo a porta da sala se abre, uma pessoa sai e Wagner é chamado.

– Bom dia senhor Wagner, como tem passado? Pergunta o sargento Olegário.

– Bem. E o senhor? Responde Wagner.

– Bem também, graças a Deus. Trouxe uma maleta hoje, o que tem nela?

Wagner um pouco constrangido revela a ideia que teve:

– Então sargento, eu trouxe aqui uma câmera de super 8. Peguei emprestada de um amigo porque queria gravar nossas sessões de tortura. Minha família quer saber como tudo acontece, me fazem muitas perguntas e pensei em gravar para compartilhar com eles e com meus amigos. Além disso eu fiquei pensando, vai que algum dia alguém duvide desses fatos. Tendo isso gravado eu posso provar. O que o senhor acha?

– Ótima ideia! Como não pensamos nisso antes. Vai montando o equipamento enquanto eu preparo o material. O senhor trouxe tripé? Posso chamar o cabo Casmurro para filmar com a câmera na mão. Ele pode aproximar e mostrar um pouco mais de realismo. O que o senhor acha? Ele é meio tonto mas acho que consegue fazer isso.

– Supimpa! E o que nós vamos fazer hoje? Na semana passada eu fiquei no pau de arara.

Depois de berrar no corredor chamando o cabo Casmurro o sargento responde:

– Hoje iríamos esmagar suas bolas com uma morsa, mas isso não vai ficar bem na filmagem. Podemos arrancar suas unhas com alicate ou dar choque nos mamilos…

– Ahhh! Vou preferir o choque nos mamilos hoje. Amanhã vou ser padrinho de casamento de um amigo do partidão e quero estar nos trinques.

– Sério! E quem vai se casar?

– Um maluco que foi passar uma temporada em Cuba. Vai casar-se com aquela atriz que fez a peça Roda-Viva.

– Por falar nisso, o senhor gravou a fita cassete com as músicas do Chico Buarque pra mim?

– Claro sargento! Está na minha maleta. E pra não dar xabú coloquei o nome Dom & Ravel.

– Nota 10! Vou poder escutar sozinho em casa no final de semana. Bom, isso se eu não for com a patota pro Guarujá! –

Casmurro entra na sala. Tudo está preparado para a filmagem. Wagner já está sem camisa e com as mãos amarradas. Os cabos de choque estão ligados à uma grande bateria, prontos para serem usados. O sargento Olegário então avisa:

– Olha senhor Wagner, pra ficar bem realista eu vou gritar mais alto que o normal e talvez dê uns tapas no senhor. O senhor então resistirá dizendo que não sabe de nada. Aí eu entro com os cabos de choque nos mamilos. Pode gritar mesmo. Assim o filme vai ficar bom. Tá ok? Vamos lá!

Casmurro, pegue a filmadora e presta bem atenção! Veja se está gravando pra não perdermos nenhuma cena. Sabe mexer nessa coisa?

– Sei sim senhor! Vou inclusive filmar na vertical porque algo me diz que esse formato vai ser moda daqui alguns anos, responde o cabo Casmurro deixando o sargento Olegário e Wagner com expressão de dúvida.

– Não disse que ele é meio tonto…Pronto senhor Wagner? Pergunta o sargento Olegário.

– Prontinho da Silva! Começa então na sala fechada e iluminada apenas por uma luz fraca uma legítima sessão de tortura. Digna de governos autoritários, genocidas e cruéis.

O sargento grita perguntando nomes e endereços, eventos e reuniões do partido comunista, da UNE, dos sindicatos. Wagner aos prantos responde que não sabe de nada e que é apenas um trabalhador e estudante noturno, que vem de uma família pobre e busca apenas melhorar de vida para dar uma mais confortável aos pais.

Ele leva alguns sopapos do sargento, que exige um nome ou algo para apresentar aos superiores. Mas Wagner resiste e pede clemência. Cabo Casmurro filma tudo com a agilidade de um verdadeiro influencer.

Até que o sargento pega os cabos elétricos e ameaça Wagner que pede por favor para que ele não use aquilo. Mas o sargento, firme em seu propósito de arrancar informações prende os cabos nos mamilos de Wagner e dá uma descarga de eletricidade. Wagner desmaia. O sargento então desliga a energia. Acende a luz e ordena que cabo Casmurro pare de gravar.

Dá uns tapinhas no rosto de Wagner que acorda meio zonzo mas logo vai melhorando. Aparentemente tudo está terminado. Wagner é desamarrado e começa a se vestir. Os dois então retomam a conversa:

– Deve ter ficado bom esse filme, diz Wagner

– Deve mesmo. Acho que a dramaticidade foi boa. Eu caprichei. Vou querer uma cópia, você faz uma pra mim? Aliás, onde você manda revelar? Estou precisando de um laboratório de confiança, você tem?

– Sim. Revelo em um laboratório clandestino do lado do Mackenzie, na Rua Maria Antonia. É de um sujeito batuta que foi presidente do Partidão e nunca foi pego. Pô! Olhe lá sargento, não vai dar com a língua nos dentes e cortar a onda dele porque senão suja pra mim, hein!!!?? O sujeito é pedra 90!

– Que é isso senhor Wagner! Aqui é na confiança. Ninguém vai saber! Por falar em confiança, o chefe teve a ideia de fazer umas celas escuras com alguns bichos dentro pra deixar os comunistas presos por uma noite ou mais. Se o senhor topar o senhor acaba o seu tratamento mais cedo. Cada noite na cela escura elimina cinco sessões. Estás a fim?

– Quais são os bichos?

– Cobra, aranhas, escorpiões…

– Escorpião pode até ser, mas cobra nem pensar. Responde Wagner.

– Deixe seu nome com a Suzete na recepção que ela agenda. Diz o sargento amistosamente já se despedindo de Wagner com um abraço e um aperto de mão e desejando um bom final de semana. Nos vemos em duas semanas.

– Para o senhor também. Responde Wagner cordialmente, mas logo ele se lembra de algo importante e diz:

– Ah sargento, já ia me esquecendo, pode me dar um atestado da sessão de tortura de hoje? Meu chefe me pediu e quero também guardar uma cópia. Nunca se sabe se no futuro teremos que provar que fomos torturados.

– Claro meu amigo! Vou preencher em um papel assinado pelo Dr.Tibiriçá.

Pela entrevista que deu ao canal do youtube “Expressão Brasil”, essa deve ser a forma como pessoas de pouco intelecto e nenhum respeito ao sofrimento alheio, de nenhuma humanidade como o deputado federal Eduardo Bolsonaro veem os casos de tortura ocorridos durante a ditadura militar no Brasil pós 1964. Lamentável, é tudo o que posso dizer.

Conrado Micke Moreno é ilustrador

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews.


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