Coronel José Vicente da Silva Filho: A polícia que os policiais querem é a mesma que a sociedade precisa? PL das Polícias

Coronel José Vicente da Silva Filho: A polícia que os policiais querem é a mesma que a sociedade precisa?


As polícias deveriam ter plena autonomia para se organizar e tocar seus difíceis trabalhos técnicos sem interferência do governo? Não. As polícias constituem o braço armado do Estado e, no limite, podem até matar e, por isso, essas organizações são estritamente controladas em todo o mundo, principalmente pelo governante. As polícias têm muitas peculiaridades técnicas a serem respeitadas em suas estruturas organizacionais e na maneira com que trabalham, preparam e administram seus policiais. Mas e quando se avolumam os crimes nas ruas e a violência da polícia parece não respeitar as leis? E quando são feitos investimentos em contratações, novas instalações e viaturas, mas os resultados de redução dos crimes não aparecem? Problemas do governo, isto é do governador.

Mas como as polícias em geral não gostam de controle, comandantes das PMs, juntamente com representantes de entidades e políticos oriundos dessas corporações, fizeram um projeto nacional de lei orgânica para definir normas de sua organização e funcionamento. E a solução para o incômodo controle dos governadores foi colocar algumas regras para eles. As PMs, para começo de conversa, teriam autonomia administrativa, funcional e financeira, algo que só o Ministério Público tem. Ainda colocaram na lei que o governador somente poderia escolher o chefe da polícia a partir de uma lista tríplice escolhida pelos próprios policiais e que ficariam pelo menos dois anos no cargo e só poderiam ser demitidos “por motivo relevante e devidamente justificado”.

Coronel José Vicente da Silva Filho: reformado da Polícia Militar, é ex-secretário nacional de segurança e ex-consultor do Banco Mundial.

Esses são os principais problemas para decidir quem manda na polícia, tanto nas PMs, como nas Polícias Civis. Mas há outros, principalmente para as PMs, e a principal questão é: o que essas corporações policiais pretendem ser quando crescer, ou seja, o que se está desenhando para o futuro delas como instituição? Como a Constituição Federal pediu uma lei para regular os órgãos policiais – está lá no parágrafo 7º do artigo 144 – e nada foi feito nesses 32 anos, as PMs ainda são reguladas por um decreto lei de 1969 assinado pelo presidente Costa e Silva. Parece brincadeira, mas não é.

Esperava-se que a nova regulamentação apontasse para a evolução da polícia, com novos arranjos que consolidassem e ampliassem as conquistas obtidas desde a redemocratização. Mas não foi o que aconteceu, pois resolveram recrudescer o militarismo e enfraquecer sua vocação policial. A impressão é que os PMs preferem ser chamados de militares e não de policiais, nem valorizam o policiamento. O projeto de lei orgânica das PMs tem mais de 11 mil palavras, mas policiamento, o que devem fazer, aparece apenas três vezes; polícia, o que eles deveriam ser, aparece 17 vezes e militar, o que parece que mais gostariam de ser, tem 274 registros. Em alguns pontos do projeto a militarização se salienta quando falam em “simetria com as forças armadas”. Não deveriam falar em simetria com outras polícias e valorizar a especificidade de sua própria profissão?

No final das contas tudo que a sociedade brasileira mais precisa é que as polícias entendam que elas precisam se organizar melhor para controlar o crime e garantir o sossego nas ruas.


Quem é coronel José Vicente da Silva Filho

*José Vicente da Silva Filho é coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, ex-secretário nacional de segurança e ex-consultor do Banco Mundial. É professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar.

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