Cerca de 47,6 milhões de brasileiros estão vinculados a planos de assistência médica e hospitalar, mercado onde atuam 709 empresas operadoras, que movimentaram uma receita de aproximadamente R$ 220 bilhões em 2020
por Rafael Robba em 09/05/21 09:14
A pandemia causada pela covid-19 mostrou ao nosso país a importância de zelar por um sistema de saúde organizado, capaz de executar as políticas de saúde de maneira eficiente, sem deixar de observar os princípios constitucionais de universalidade, equidade e integralidade nos serviços e ações de saúde.
Nesse contexto, é importante rechaçar a ideia que aponta a existência de dois sistemas não relacionados e distintos, ou seja, o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde. Os planos privados são componentes do sistema nacional de saúde e, assim, devem estar condicionados a uma política pública capaz de tratar o sistema de saúde como um todo.
Já na prática, observamos o subfinanciamento do SUS e a consequente escassez de recursos do sistema público para atender a grande demanda causada pela pandemia. Enquanto isso, notamos um cenário extremamente favorável às operadoras de planos de saúde.
Atualmente, cerca de 47,6 milhões de brasileiros estão vinculados a planos de assistência médica e hospitalar, mercado onde atuam 709 empresas operadoras, que movimentaram uma receita de aproximadamente R$ 220 bilhões em 2020 (mesmo na pandemia!), e que contam com estímulos fiscais expressivos.
Ainda conseguiram forte redução das despesas ao adiarem procedimentos eletivos, com os beneficiários evitando hospitais com receio de contaminação pela covid-19. No entanto esse resultado positivo para os lucros das operadoras de planos de saúde não refletiu, até o momento, em benefícios aos consumidores.
O movimento foi inverso. Os cofres dos planos de saúde engordaram na mesma velocidade com que os problemas para os usuários aumentaram. Entre as queixas registradas pelos consumidores de planos de saúde durante a pandemia permanecem as negativas de atendimentos, os reajustes abusivos das mensalidades, as rescisões de contratos de maneira unilateral pela operadora, e as recusas de operadoras em aceitar a portabilidade de carências dos beneficiários.
Em sua quase totalidade, as dificuldades enfrentadas pelos usuários são causadas por um agente – ou a ausência dele – que tem nome e sobrenome: ANS. A Agência Nacional de Saúde Suplementar possui como finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. A agência, no entanto, não foi capaz de atuar para defender interesses públicos relacionados à pandemia e impedir abusos contra os consumidores.
O impasse e a demora para tornar obrigatória a cobertura de exames sorológicos para a covid-19, e, ainda, a ausência de controle quanto aos reajustes abusivos aplicados pelas operadoras são exemplos do desserviço e omissão da agência durante a pandemia.
A saída tem sido a judicialização. Muitos desses problemas acabaram sendo levados ao Poder Judiciário, já que o entendimento dos juízes, em muitos casos, tem protegido os consumidores de práticas perversas e abusivas cometidas pelas operadoras de planos de saúde.
Torna-se controverso o papel dos planos de saúde durante a crise sanitária causada pela covid-19, além de ser questionável a relevância desse setor para o interesse público na assistência à saúde e para o bom funcionamento de todo o sistema de saúde.
Rafael Robba é advogado, mestre e doutorando em saúde coletiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.
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