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Creomar de Souza

Um Brasil que pensa seu lugar no mundo

A capacidade do sistema político de dar respostas e superar a polarização paralisante determinará em boa medida o êxito dos EUA no enfrentamento de desafios globais

por Creomar de Souza em 23/06/21 22:26

Em momento tão marcado pela ausência de debates de qualidade, é sempre alentador verificar espaços onde a reflexão de longo prazo se faz presente.  E este é o caso do movimento capitaneado pelos professores da UFMG Aziz Saliba e Dawisson Belém Lopes. Ambos vêm promovendo uma série de seminários virtuais sobre desafios globais das distintas regiões do mundo. Os eventos espelham o tema da Coleção Desafios Globais, que abrange seis volumes e mais de duas mil páginas, sendo cada tomo relativo à uma das macrorregiões do planeta: África, América do Norte, América Latina, Ásia-Pacífico, Europa e Índico.

O que chama a atenção não é apenas o debate de alto nível com pesquisadores, professores e diplomatas, mas a liderança exercida pela UFMG na discussão sobre desafios em um amplo leque de temas, como sustentabilidade, saúde, direitos humanos, novas tecnologias, governança e instituições, educação, cultura e arte. E é fato auspicioso que, apesar da crise em que nos metemos, ainda tenhamos centros de excelência que são capazes de liderar o debate de interesse internacional.

Aprofundando em um dos temas, o seminário sobre América do Norte, realizado em 15/06, tratou de temas importantes para o mundo todo, tendo em vista o peso e o efeito sistêmico das ações dos Estados Unidos da América – ali situados – sobre o globo. O evento contou com a participação de dois acadêmicos canadenses, uma professora norte-americana e um diplomata brasileiro com experiência de campo na região e serviu para corroborar a necessidade de aprofundar as discussões sobre os desafios globais para além das simplificações que tendem a sufocar o debate de alto nível.

Da perspectiva do atual governo dos EUA, como um dos painelistas assinalou, os desafios foram identificados na campanha e nos primeiros meses de governo: a pandemia como uma crise múltipla, com aspectos não apenas de saúde, mas também econômicos e sociais; as tensões raciais; a mudança do clima; e a ameaça aos interesses e valores norte-americanos representados pela ascensão da China, que passa a colocar em questão a liderança dos EUA, em particular no campo da alta tecnologia.

Biden na Cúpula do Clima. Foto: Casa Branca/Adam Schultz
Biden na Cúpula do Clima. Foto: Casa Branca/Adam Schultz

Um ponto de consenso no painel de que os EUA precisam superar a extrema polarização e os dilemas de seu sistema político com vistas a perseguir estratégias minimamente consensuais. A exceção em relação à polarização extrema é a China, tema em torno do qual há consenso suprapartidário. Não à toa o governo Biden acaba de proibir investimentos de norte-americanos em 59 empresas de tecnologia chinesas, inclusive a gigante de telecomunicações Huawei e a principal fabricante de semicondutores daquele país.

O outro tema global por excelência identificado como um dos principais desafios por Biden, a mudança do clima, é minimizado pela oposição republicana, que tende cada vez mais ao negacionismo. Do mesmo modo, a conversa pública sobre racismo nos EUA está cada vez mais carregada de posições extremas. Não foi diferente com a questão da pandemia. Prevaleceram, de início, no governo Trump, ideias exóticas que só não causaram estragos de maiores proporção, em semelhança ao que acontece no Brasil, pela força das instituições, que impediram desatinos maiores. No entanto, as soluções propostas por Biden para a retomada da economia americana diante da atual crise sanitária global e para seu eventual superaquecimento num cenário pós-pandêmico sofrem feroz contestação por parte da oposição republicana.

A eficácia na distribuição de vacinas e os eventuais resultados positivos do pacote econômico de Biden poderiam, em tese, ajudar a acalmar os ânimos, mas isso dificilmente será possível em meio ao aumento da tensão em outras searas, como nos debates sobre racismo, violência policial, leis eleitorais e redesenho de distritos, direito de portar armas, transição energética e economia de baixo carbono. Desafios nacionais e globais se sobrepõem em um contexto de extrema polarização que não diminuiu depois das eleições no ano passado.

A capacidade do sistema político de dar respostas e superar a polarização paralisante determinará em boa medida o êxito dos EUA no enfrentamento de desafios globais, com consequências para sua liderança e para os contornos da ordem mundial no século XXI. Convém acompanhar de perto esse processo e contar com instrumentos analíticos apurados para não sermos pegos de surpresa. Aí reside a contribuição fundamental da Coleção Desafios Globais da UFMG.

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