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“Sou comunista, mas não sou doido”

Se trocarmos comunista por liberal a frase dita por Gilberto Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC e um político do PSOL, poderia ser de André Lara Resende, um liberal, ex-banqueiro, que também não é doido. Em comum, além de pilotarem aviões e planadores, os dois trazem ideias novas para destravar o crescimento brasileiro: as décadas perdidas

Em 05/02/24 15:00
por Mara Luquet

Jornalista, fundadora e CEO do canal MyNews, considerado pelo Google referência mundial em jornalismo no YouTube. Foi colunista de finanças pessoais da TV Globo e CBN, editora do Valor Econômico e criadora do caderno Folhainvest, da Folha de S.Paulo.

Gilberto Maringoni

Os dogmas à esquerda e à direita têm impedido um debate sério sobre este que é o maior problema do país: as décadas perdidas de crescimento econômico. “Sou comunista, mas não sou doido”, diz Maringoni. “Sou liberal, mas sem o Estado não há como ter um programa inteligente e ambicioso de crescimento”, diz Lara Resende. Os dois não são doidos, mas os dois são exceções nos seus respectivos espectros políticos. 

Lara Resende e Maringoni não se deixam empolgar com notícias como a subida do Brasil no ranking de maiores economias ou aprovação de arcabouço fiscal, só para citar dois exemplos que são alvos de festejos. Por não serem doidos sabem que estamos cada vez mais distante de conseguir resgatar o orçamento público brasileiro sequestrado ao longo das últimas décadas pelo corporativismo, seja ele de sindicatos (de patrões e de empregados), do judiciário, do funcionalismo e de emendas parlamentares de políticos.

O debate brasileiro para esta questão importantíssima que é o bom uso do meu, do seu, do nosso dinheirinho tão duramente conquistado com o suor do nosso trabalho, o dinheiro público, aquele que chega no caixa do governo por meio dos impostos, não avança e o dinheiro para políticas públicas e investimento se esvai numa velocidade assustadora.

Faltam ideias. Há muitas notícias que têm o papel de animar, mas pouca coisa prática que alimente um crescimento sustentável que nos tire da pobreza. A subida no ranking das maiores economias, por exemplo. O Brasil, vimos recentemente, saiu da 11ª economia para a 9ª economia mundial e deve chegar a 8ª posição até 2026, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas o que isto significa de fato? O Brasil continua a ter uma baixa inserção internacional.  Somos a 25ª economia em importação de produtos e a 26ª em exportação de produtos, apesar do nosso tamanho. Apenas 1,5% de todas as startups são no Brasil. “A exportação que significa 40% do PIB brasileiro é representada apenas por um grupo de cinco a seis produtos. Existe uma oportunidade enorme de avançar nesses indicadores”, diz Cláudio Garcia, professor da New York University e titular da coluna Conexão Global aqui no MyNews (veja aqui mais informações sobre a inserção brasileira no mundo )

São muitas oportunidades. Mas onde está o planejamento? O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esforça-se para entregar ao mercado financeiro as métricas de rigor fiscal que fazem a bolsa, os juros e o câmbio, subir e descer conforme seus avanços ou retrocessos. Para tentar juntar esse objetivo liberal ao perfil de esquerda do governo que quer, e precisa, gastar, envia-se ao Congresso medidas para aumentar a arrecadação e fazer esta conta fechar. Para conquistar a boa vontade dos deputados e senadores, mesmo os de oposição, o governo abre a carteira das emendas parlamentares. 

Assim, o dinheiro público irriga projetos que dão votos, mas não são catalisadores de crescimento. 

Uma reforma política, portanto, seria necessária para por fim à orgia com recursos públicos, mas parece utópica, não se discute. “Afinal a proposta teria que ser aprovada pelos mesmos deputados e senadores que se beneficiam com as atuais regras. Veja coluna Conversas dom Cid aqui 

O professor Raul Velloso, reconhecido estudioso em contas públicas, tem alertado para a falência em sucessivos governos de promover o desenvolvimento brasileiro de longo prazo. A média anual do crescimento do PIB brasileiro de 2014 a 2022 segundo estudo de Velloso, foi negativa em 0,6%. Se aumentarmos o período de analise podemos enxergar nos gráficos os chamados voos da galinha brasileira (veja a entrevista na íntegra aqui )

Velloso é enfático, sem investimento em infraestrutura não há como crescer. Os investimentos públicos no setor desabaram nas últimas décadas. E o investimento do setor privado no mesmo período mantém-se estagnado ao redor de 1% do PIB. 

“Devemos ter um trimestre ainda com o impulso do crescimento do ano passado, mas a partir daí, sem investimentos de monta é possível que tenhamos uma desaceleração. O governo conta com uma chuva de PPIs para alavancar a economia e algum efeito que os precatórios possam ter. Tenho dúvidas”, diz Maringoni.

Em suma, uma proposta de políticas públicas para a próxima década, cujo objetivo é a formulação de uma estratégia de retomada do crescimento, sustentável e socialmente inclusiva, deve partir da constatação de que as políticas públicas são responsabilidade do Estado. Sem governo e Estado competentes não há como formular e implementar políticas públicas.  Como diz estudo coordenado por Lara Resende no Cebri (veja a íntegra aqui

“O Brasil precisa de um Estado inteligente com programas ambiciosos de crescimento poderia estar crescendo de 7 a 8% ao ano” , diz Lara Resende. “ A repetição de dogmas e falta de ideias da esquerda e da direita é uma vergonha”, acrescenta.

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