Creomar de Souza

Com pandemia e crise, estamos perdidos em meio a uma tempestade perfeita

“Como resultante destas dificuldades, crescerão o número de mortos pela Covid-19, os destituídos e os desiludidos com a política”

por Creomar de Souza em 19/01/21 15:05

O debate sobre temas de interesse coletivo é uma pedra angular de uma sociedade democrática. Em termos históricos, existem inúmeros exemplos em que o debate plural e democrático gerou resultados positivos para diversas sociedades ao redor do globo. Fazendo uma reflexão apenas em termos de passado recente, é possível encontrar discussões que transformaram paisagens políticas, tais como a Assembleia Nacional Constituinte no Brasil ou o Pacto de Moncloa na Espanha. 

Um traço comum desses processos que colocaram o debate democrático no centro da construção de novos pactos foi a construção de consensos mínimos. Isto quer dizer o que? Basicamente, a sociedade, diretamente ou via seus representantes eleitos, consegue avançar na direção de estabelecer quais são as condições ou interesses fundamentais em determinadas pautas. Exemplo: a sociedade brasileira nos anos 1980 conseguiu avançar na percepção de que o Estado Nacional deveria buscar o objetivo de fornecer serviços públicos básicos para a maior parcela possível da sociedade. 

Esta tarefa, que ainda está em construção — vide, por exemplo, o debate recente sobre alteração do marco legal do saneamento básico — sempre se faz acompanhar de algumas armadilhas. A principal delas é a dificuldade de distinguir entre o principal e o acessório nos objetivos comuns que se pretende alcançar.

Na tentativa de lidar com essa dualidade, proponho a seguinte alegoria: “Se fundação de uma casa está rachada, as rachaduras afetam o fechamento das portas e das janelas, porém, não há solução eficaz para portas e janelas sem o reestabelecimento das fundações”. 

Creio que a imagem ajuda a entender a atual conjuntura política nacional, sobretudo, pelo fato de que há um enorme gasto de energia com o debate acerca das “portas e janelas”. Para entender o argumento, substitua fundações pelos termos vacinação e auxílio aos mais pobres. Estes são os pontos principais do debate na atual conjuntura, sobretudo, pelo fato de que a Covid-19 possui maior capacidade de devastação sobre as vidas dos menos favorecidos.

Com pandemia e crise, estamos perdidos em meio a uma tempestade perfeita
Bandeira nacional rasgada na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
(Foto: Lula Marques/Fotos Públicas)

Caso você leitor concorde com os elementos até aqui levantados, cabe um outro ponto de reflexão, se de fato são tão claras as prioridades. Por que todos nós estamos discutindo outras questões (tais como, o passaporte e a eficácia da vacina)? Na verdade, estamos perdidos em meio a uma tempestade perfeita, a junção de crise econômica, sanitária e de confiança tem tornado o exercício de separação do acessório e principal muito difícil.

Como resultante destas dificuldades, crescerão o número de mortos pela Covid-19, os destituídos e os desiludidos com a política. Sendo que estes últimos poderão passar a aceitar soluções simples para questões complexas. Partindo da constatação trágica que algum ator político, por interesse próprio, deseje esta equação, torna-se imprescindível que aqueles que valorizam a liberdade do debate defendam a retomada do principal para seu lugar de origem. Sob pena de que o despertar se processe apenas depois que a situação seja efetivamente irreversível, tanto do ponto de vista político, quanto humanitário. 

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