O consumo da carne implica escravidão, tortura e morte de seres sencientes. E qual é o argumento em defesa da morte dos animais que sobrevive ao cabo das reflexões, quando imergimos no assunto?
por Dante Gatto em 27/10/21 20:34
No finalzinho do século passado, troquei uma carreira de bancário, que nunca assumi de fato, pela de professor que levei as últimas consequências, na medida das minhas possibilidades e limitações. É verdade que, agora, aposentado, me questiono sobre o que vim fazer no mundo, mas isto é outro assunto. O fato é que de bancário a professor mudei muito, em vários aspectos.
Recentemente, tive, meio que acidentalmente, contato com um ex-colega do Banco e conversamos longamente, principalmente, sobre o destino que nos levou a caminhos tão diferentes e, a certa altura das confissões memorialísticas, revelei, para completo espanto dele, que optei pelo frugivorismo. Bem, ele, em princípio, não sabia da significação do termo, penso que meu acidental leitor também não saiba. Não sei. Vou explicar e inserir outros termos correlatos à condição frugívora.
Os onívoros são aqueles que comem alimentos tanto de origem animal como vegetal, isto é, a grande maioria das pessoas. Quem se abstém apenas da carne são designados vegetarianos, e, por fim, há os que se abstém de todos os produtos derivados dos demais animais, os veganos ou vegetarianos estritos, se ficarmos reduzidos somente à dieta. É preciso lembrar às pessoas que peixe e frango são animais, portanto, veganos respeitam seus direitos. Mesmo o mel, cuja produção implica escravidão dos produtores, o consumo é condenado.
Dentre os veganos, temos, ainda, os crudívoros. Aqui, para muitos, a coisa começa a ficar assustadora. Crudívoros são aqueles que comem tudo cru, abstendo-se até do arroz com feijão. É o fim do fogão.
Há ainda uma última classificação na qual eu próprio cada vez mais me aproximo para espanto dos que me conheceram no século passado: o frugivorismo em que a alimentação fica restrita às frutas, verduras e legumes (dieta do Éden) que podem ser comido cru ou levemente aquecido a uma temperatura menor que 38 ºC (temperatura ambiente), em que os alimentos não sofrem perdas dos seus nutrientes. Esta é a alimentação dos bonobos, primatas antropoides, parentes dos chipanzés, cuja carga genética é 98,7 % semelhante a do homem.
Passei, portanto, para o universo das normais apreensões, por mudanças extraordinárias e questionáveis. O debate em torno de tais questões envolvem comentários da insuficiência de cálcio e proteínas que só seriam oferecidos pelos produtos de origem animal e, por mais que a ciência demonstre com dados que é perfeitamente saudável e preferível uma alimentação vegana, as pessoas, de uma maneira geral, permanecem impermeáveis, talvez, pela hipnose da massiva propaganda da indústria da morte: do porco feliz em se tornar bacon, da galinha que pula na panela ou da vaquinha sorrindo no pasto, isto é, a naturalização de um estado de coisas que esconde o holocausto animal.
Eu não sei, exatamente, como fui alertado para o veganismo, se foi a saúde ou a solidariedade aos animais. Foi um processo que envolve o conhecimento (consciência) de que não precisamos de carne para viver bem. O conhecimento, por sua vez, precisa da inteligência para promover a mudança (educação) e na inteligência há uma dose de sensibilidade muito particular de cada um.
Ora, conhecimento, inteligência e sensibilidade: pensar sentindo e sentir pensando como é próprio da nossa racionalidade.
Tal perspectiva não é absorvida pelos defensores do churrasco e, por vezes, não adianta nenhum argumento quando a sensibilidade não entra em campo. O consumo da carne implica escravidão, tortura e morte de seres sencientes, seres que sentem, que querem viver. E qual é o argumento em defesa da morte dos animais que sobrevive ao cabo das reflexões, quando imergimos no assunto? O paladar. Um prazer superficial se torna essencial para o especista.
Os defensores da causa animal, no qual eu me alinho, consideram que este especismo (prioridade da nossa espécie em detrimentos aos demais seres sencientes) será superado como já fizemos quando as vítimas foram as mulheres, os negros e os homossexuais. Ora, superamos a misoginia, o racismo e a homofobia, apesar da tensão que ainda permanece e haveremos de superar o especismo e alcançar a utopia do Éden com a harmonia de todas as espécies, além da dieta.
Dante Gatto é doutor em Letras pela UNESP de Assis/SP e professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)
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