Adoção do distritão e mudança no modelo eleitoral podem ter reflexos na representatividade social no Legislativo
por Pedro Gouvêa em 05/08/21 18:19
Vamos a um dos assuntos do momento: a votação em deputados pelo chamado “distritão”. Afora a discussão sobre a constitucionalidade da proposta, que é questionável, vejamos em algumas linhas lógicas o que a adoção deste método de votação acarretaria.
Em primeiro lugar, o que é o distritão? Em uma eleição para deputado federal, seria eleger aqueles candidatos mais bem votados em um estado da Federação como ocupantes das vagas disponíveis. Em termo simples, das 70 cadeiras do estado de São Paulo seriam eleitos os 70 deputados mais bem votados. Parece ótimo, não?
Mas vejamos algumas consequências. Número um, acabaria com o sistema proporcional, ora vigente, em que as cadeiras no parlamento são alocadas de acordo com a quantidade total de votos de um partido, não de um candidato. A número dois é uma consequência que muita gente considera perversa do sistema atual: o fenômeno dos puxadores de voto. Hoje, basta um partido, por menor que seja, ter um bom puxador de voto que garante algumas vagas na Câmara dos Deputados. Em termos mais concretos, muitos deputados hoje eleitos somente pelo quociente eleitoral, e não pelo seu número de votos, não teriam mais acesso ao parlamento.
Nessa linha de raciocínio, os grandes puxadores de voto para deputado federal passariam a ser os candidatos a presidente, fenômeno que já acontece na base do “eu recomendo, vote em fulano”. Haveria mais competição para a indicação dos candidatos ao executivo. Um efeito imediato é que passaria a haver uma gravitação maior em torno dos partidos aos quais os presidenciáveis pertencem. Mas não só. Os candidatos a deputado com “luz própria”, como celebridades e políticos amplamente conhecidos, seja por voto de protesto, seja por voto ideológico, representariam tanto uma bênção quanto uma maldição aos partidos.
Para maximizar o número de membros do partido eleitos, já que puxadores de voto no sistema proporcional não funcionariam mais, sendo quase irrelevantes para a eleição de seus colegas de agremiação, haveria mais competição interna por fundos partidários e eleitorais, fortalecendo o papel dos “caciques” do partido. A tendência seria certa diminuição do número de candidatos, em que cada agremiação tentaria maximizar seu número de cadeiras concentrando-se nos seus postulantes mais viáveis.
Um Eduardo Bolsonaro, por exemplo, candidato mais votado à Câmara Federal por São Paulo em 2018, não comporia o quociente eleitoral, mas sabendo que terá muitos votos, teria muito mais poder junto à direção partidária para decidir quem seriam seus “candidatos auxiliares”. O mesmo vale para um nome como Marcelo Freixo, para dizer que não falei de um grande exemplo de puxador de votos para o Legislativo, da esquerda.
A consequência natural seria um enfraquecimento natural dos partidos e a destruição do sistema partidário como conhecemos hoje. O número de partidos com representação legislativa variaria ao sabor da popularidade e do peso político dos seus candidatos – a depender do que aconteça com a cláusula de barreira e a vedação às coalizões. Ué, diria alguém, mas já não é assim? Sim, em parte, nesse ponto específico precisaríamos de mais apurações porque as regras eleitorais terão de necessariamente ser alteradas para acomodar o voto por distritão.
Pelas regras atuais, haveria uma redução do número de partidos com representação? Sim. A confusão no sistema proporcional de representação em comissões na Câmara dos Deputados seria grande. Some-se a isso que partidos que vocalizam posições minoritárias em determinado momento ficariam reduzidos, muitas vezes, a um “one-man show”. A oposição ficaria mais fragmentada, havendo uma tendência a que tenha menos voz em comissões e iniciativas como CPIs, enfraquecendo mecanismos de controle. Outro efeito seria o encarecimento das campanhas eleitorais: uma única candidatura precisaria angariar votos em todo o seu estado, o que acirraria a já mencionada disputa por recursos eleitorais.
Muita gente da política tradicional (diga-se: parte do “centrão” e alguns coronéis muito locais do Brasil profundo, que hoje somente se elegem pelo quociente eleitoral) não seria mais eleita. Bom? Pode ser. Só que muita gente séria também ficaria de fora, pois suas posições minoritárias não teriam o condão de inflamar grandes massas de eleitores.
Quem isso beneficia? Eu arriscaria dizer que o distritão favorece vozes estridentes. Vivemos em tempos em que muita gente se dedica a buscar popularidade (e dinheiro) em redes sociais. Teremos candidatos “youtubers” e “tiktokers”? Eu diria que, mesmo sem alteração na forma de representação legislativa, sim, infelizmente. Multiplicaríamos isso por várias ordens de grandeza com o distritão.
A alteração trazida pelo distritão tem muito mais ramificações do que parece à primeira vista. Imagine agora a Câmara dos Deputados com parlamentares fazendo “lives” e dancinhas para seus públicos cativos. Ah, desculpe, isso já acontece… Será o triunfo do parlamentar “youtuber”. A pergunta que fica é: o filtro será de gatinho ou daqueles dólares voando?
Mezzo economista, mezzo advogado. Nada por inteiro, mas inteiramente independente. Estudou Ciências Econômicas na PUC-Rio, com passagem pela FEA-USP, e Direito no IBMEC-RJ. Apaixonado por política, políticas públicas, direito e economia. Curioso por literatura, jazz, filosofia, história e não declaradas frivolidades.
* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
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