Arquivos Creomar de Souza - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/creomar-de-souza/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Thu, 28 Jul 2022 23:45:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quando abrimos a Caixa de Pandora? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/caixa-de-pandora/ Thu, 16 Dec 2021 15:53:10 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/caixa-de-pandora/ Toda reflexão sobre o atual estado da política nacional deve passar pelo seu ponto de origem. Uma vez que não há até responsabilização pelos equívocos cometidos no passado, cabe um olhar meticuloso sobre os riscos que estes lançam sobre o nosso futuro.

O post Quando abrimos a Caixa de Pandora? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Democracias são a pior forma de governo, com exceção de todas as outras. A frase de Winston Churchill serve para ilustrar o dilema que se enfrenta cotidianamente na vivência em um regime democrático. De um lado, tem-se a necessidade do cidadão de participar e de construir consensos bem-informados sobre temas de interesse comum. De outro, a necessidade dos políticos de colocarem à prova suas concepções e ideias de mundo em um ambiente competitivo, marcado por eleições periódicas.

Em termos ideais, esse dilema teria como resultado a construção de um sistema de convivência tendencialmente harmônico, que possibilitaria a construção de soluções coletivas para problemas vistos como coletivos. Porém, olhando em perspectiva, parece que em algum momento as coisas pararam de fluir e se perderam dos marcadores originalmente desenhados. E isto nos leva a pergunta: onde nos equivocamos?

Pensando no passado recente brasileiro, e no processo de degradação da regra do jogo, é possível estabelecer um ponto de partida no ciclo eleitoral de 2014. Naquele momento, a assunção do candidato derrotado de questionar os resultados e a validade da regra adubou uma semente dormente de contestação e inconformidade.

Compreenda, este texto e este autor não condenam o direito legítimo à indignação e ao inconformismo, porém, quando se contesta sem provas consistentes um determinado evento, isto abre espaço para a criação de uma tempestade cujos resultados são imprevisíveis. O fato é que por mais que seja dolorida uma derrota, ou que haja questionamentos à forma pela qual as políticas públicas devam ser construídas, a lógica democrática prescinde que isto seja feito dentro de determinados marcadores.

Imagine, por exemplo, o que aconteceria se os jogadores de um time de futebol diante de uma derrota em uma final, passassem a usar as mãos para tentar alterar o placar. Sem a interferência de um árbitro firme e comprometido com a regra, o que pareceria insanidade, tornar-se-ia usual e mudaria profundamente o resultado do jogo. O ponto, portanto, é que uma vez que a Caixa de Pandora foi aberta se perderam os pudores e constrangimentos para contestar os elementos de base do jogo, passamos a caminhar sem direção.

Como resultado direto deste processo, se verificou uma erosão consistente do debate público, da capacidade dos governos de produzirem políticas públicas e da sociedade em separar o principal do acessório. Os exemplos desta entropia cognitiva podem ser identificados com facilidade a partir de uma verificação rápida em sites de busca. E, neste aspecto, o ano de 2021 foi pródigo em transferir do imaginário popular para as páginas dos jornais as situações que não ocupariam espaço nem mesmo nas crônicas diárias de Macondo.

Da ação deliberada de um grupo em desligar o disjuntor de energia de um posto de saúde em Santa Catarina – destruindo todo o estoque de vacinas lá armazenado – à realização de uma disputa de “Vale-Tudo” entre dois políticos no Amazonas, trocam-se as ideias pelas agressões e as palavras pelos pontapés. E diante da entropia que afeta o debate político e a nossa capacidade de realizar e inovar na solução de problemas comuns, não deixa de ser preocupante pensar naquilo que o futuro nos reserva.

O ponto é que para além do contexto eleitoral, que será marcado por muito embate, imprevisibilidade e tensão, é possível compreender que quem quer que seja o ocupante do Palácio do Planalto em 2023, terá vida muito difícil. Este contexto, portanto, exige a responsabilidade daqueles que de fato se importam com a democracia de construir soluções e consensos para além de suas próprias agendas de preferência. A falha na construção deste processo, certamente resultará em um cenário trágico onde, sobretudo, os mais pobres serão vítimas preferenciais dos equívocos e da mesquinhez dos donos do poder.

O post Quando abrimos a Caixa de Pandora? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O apequenamento do Brasil aos olhos do mundo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-apequenamento-do-brasil-aos-olhos-do-mundo/ Sat, 11 Dec 2021 18:38:12 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-apequenamento-do-brasil-aos-olhos-do-mundo/ O apequenamento da participação do Brasil em diálogos internacionais de alto nível é fruto de uma dinâmica que atende interesses eleitorais de curto prazo. Contudo, os custos desta postura podem afetar interesses e negócios até mesmo daqueles que hoje apoiam o governo Bolsonaro

O post O apequenamento do Brasil aos olhos do mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil de 2021 é uma referência política desglobalizante. O esforço empreendido pelo governo em desconstruir as estratégias de inserção internacional que linearmente foram conduzidas desde o início da Nova República foram bem-sucedidas. Diante desta constatação, cabe a pergunta: qual o impacto disto perante a vida de milhões de brasileiros? Aqueles menos afeitos ao cotidiano das relações internacionais podem dizer que esta correlação é inexistente; porém, se o olhar for um pouco mais atento, uma resposta distinta pode aflorar como fruto desta reflexão.

Em primeiro plano, parece ser importante lidar com alguns preconceitos que rondam um número considerável de formadores de opinião no Brasil acerca do impacto de alguns temas sobre tomadores de decisão estrangeiros. Aqui, do ponto de vista explicativo, a ausência do Presidente da República na COP26 é um bom ponto de partida. De saída, é importante considerar que Presidentes não decidem nada sozinhos, e que uma decisão como esta – de não participar de uma conferência bastante relevante – é fruto de um processo de aconselhamento daqueles que cercam a liderança política.

Se de um lado, a decisão resguarda um componente ideológico de rejeição às estruturas de governança global, de outro, ela beira a ingenuidade ao considerar que a não presença diminuiria o tom de crítica reservado ao governo brasileiro. A saída de cena de Bolsonaro não só facilita a criação de constrangimentos ao país, como passa a mensagem de que o Brasil é o inimigo a ser combatido nos temas ambientais. A omissão acaba sendo punida com a transformação do país e do seu Chefe de Governo em tudo aquilo que é visto como errado por uma parcela crescente do eleitorado em países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos.

Em reunião do G20, Bolsonaro é isolado e ironizado pela mídia internacional.
Em reunião do G20, Bolsonaro é isolado e ironizado pela mídia internacional. Foto: Alan Santos (PR)

O crescimento do voto ambiental em democracias de alta qualidade e o próprio amadurecimento da agenda em países não democráticos, coloca o Brasil em uma situação que talvez não seja vista desde meados dos anos 1980. Naquele momento, graças ao arrefecimento dos embates da Guerra Fria, constituiu-se uma verdadeira onda de debates ambientais. Assim, o Brasil recém redemocratizado, viu-se acuado diante de uma conjuntura marcada pelo amadurecimento de uma temática em que os dados e as políticas públicas davam indicações negativas acerca do status do país no mundo.

Graças ao esforço louvável do corpo diplomático brasileiro e de respostas efetivas em políticas públicas, o país conseguiu reverter essa imagem e entrou nos anos 1990 – mais precisamente a partir da ECO-92 sediada no Rio de Janeiro – como um campeão nas pautas ambientais. O ganho de relevância veio acompanhado de boa vontade de outros atores e de créditos internacionais que viabilizaram programas de combate à degradação ambiental. A transformação da imagem internacional do país neste tema permitiu que olhares positivos fossem lançados sobre outras pautas e necessidades nacionais.

Este engrandecimento facilitou créditos, negociações, e avanços também em outras áreas. É possível, inclusive, estabelecer uma relação causal entre a boa reputação do país em termos ambientais e o controle de ofensivas e ameaças ao agronegócio nacional. Não por acaso a transformação do agronegócio e o avanço de nossos produtos em mercados com crescente preocupação ambiental está diretamente relacionada à tese aqui descrita. E em sentido contrário, o crescimento de restrições comerciais e sanitárias, certamente irá se apoiar nos equívocos negociais e de gestão que possamos cometer daqui por diante.

Nesse sentido, é fundamental entender que a ausência em debates internacionais ou a tentativa de circunscrevê-los a uma lógica meramente eleitoral é um erro que tenderá a afligir até aqueles que hoje apoiam o Presidente. Se o apequenamento do país em termos internacionais é útil como plataforma eleitoral pensando em 2022, os efeitos concretos deste processo terão impactos fortíssimos na condução do país a partir de janeiro de 2023.

O post O apequenamento do Brasil aos olhos do mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Simone Tebet e as Mulheres nas Eleições de 2022 https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/simone-tebet-e-as-mulheres-nas-eleicoes-de-2022/ Thu, 09 Dec 2021 16:06:09 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/simone-tebet-e-as-mulheres-nas-eleicoes-de-2022/ Até aqui Simone Tebet é a única pré-candidata ao Palácio do Planalto. Política competente e com um legado de serviços prestados ao seu Estado de origem, o desafio da Senadora é romper uma lógica de apagamento às mulheres que tem caracterizado o atual estágio do debate político nacional.

O post Simone Tebet e as Mulheres nas Eleições de 2022 apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
As mulheres correspondem à 52,50% do eleitorado. Alguns anos atrás, uma mulher foi ocupante do Palácio do Planalto. E em eleições recentes ao menos uma mulher era, normalmente, bastante competitiva em termos eleitorais. Este diagnóstico do passado recente é ilustrativo para compreender e realçar uma preocupação com a diminuição do protagonismo feminino no próximo ciclo eleitoral.

Em algum momento nos próximos meses, alguma das principais candidaturas pode vir a fazer um movimento de acomodação de algum nome feminino para compor seu ticket. Mas o fato é que, na caminhada da redemocratização iniciada nos anos 1980, a sociedade, o sistema político e os homens eleitores têm falhado na criação de condições minimamente seguras para as candidaturas e os exercícios de mandatos das mulheres. Isto é importante de ser dito, sobretudo quando os elementos de crítica às mulheres partícipes da vida política transpõem de maneira muito fácil os limites do aceitável.

De imagens ofensivas ao assédio sexual em Plenário, não há limites para as formas como mulheres são acossadas no exercício de seus mandatos. E diante deste diagnóstico aterrador, a indicação de Simone Tebet à Presidência da República é um marcador importante. A Senadora sul-mato-grossense é reconhecida pelos seus pares como uma política preparada, articulada e capaz de construir consensos. Nesta legislatura, por exemplo, foi uma das principais responsáveis pelo reconhecimento regimental da bancada feminina como um bloco parlamentar no Senado Federal.

Tais credenciais vão ao encontro daquilo que o ambiente político nacional mais precisará em futuro próximo, bom-senso e diálogo. Porém, é importante fazer um exercício de realismo político. O Brasil de 2021, e possivelmente o de 2022 também, parece bem distantes do sonho de que o debate político e eleitoral será marcado pela troca saudável de ideias. Ao contrário, o risco de que as eleições se tornem um turbilhão de ofensas, mentiras e confusão é alto. Sobretudo pelo fato de que alguns dos principais atores envolvidos no processo sabem que sem a disseminação de medo e diversionismo, suas chances de vitória são fortemente amainadas.

Se em tempos normais este cenário reforçaria a ideia de que Tebet é um excelente nome para a construção de um diálogo em novos termos, a realidade atual permite traçar um prognóstico menos otimista. Pensando que a eleição será encaminhada em direção à uma polarização entre Lula e Bolsonaro, com Moro e Ciro correndo por fora, percebe-se pouco espaço de ação para que Simone Tebet avance competitivamente. Outro dado importante é pensar em quão disposto o MDB estará em apoiar de corpo e alma a campanha da Senadora.

Historicamente, o partido de Ulysses Guimaraes não tem problemas em lançar candidatos ao Palácio do Planalto. O problema é que com a mesma facilidade que os indica, os correligionários do Movimento Democrático Brasileiro os abandonam à própria sorte. Foi assim com o Ulysses, foi assim com Quércia, e não há garantia nenhuma que isso não será feito com Tebet. Pragmáticos por natureza e dependentes do tamanho de sua bancada no Legislativo, o cenário mais provável é que haja uma desidratação do ímpeto em torno da candidatura na eventualidade das pesquisas não indicarem um avanço consistente em intenções de voto.

Porém, se de um ponto de vista estritamente partidário a candidatura possui fragilidades, a simples presença de Simone Tebet entre os presidenciáveis é uma sinalização importante daquilo que estamos deixando de fazer em termos de lógica democrática. A sociedade brasileira tem falhado cotidianamente em tornar a política um lugar convidativo para nossas mulheres. E pensando em um país diverso e marcado por heterogeneidade, este tipo de ação tem como resultado fundamental o espalhamento de uma percepção de que a política não é espaço para as brasileiras. Mas ao remar contra esta corrente, Simone Tebet, por meio de suas ações e palavras, poderá ser uma figura diferencial no debate político em uma eleição que, até aqui, é mais caracterizada por arroubos e tumultos do que por ideias.


Leia também: E o Estado, é Laico?

O post Simone Tebet e as Mulheres nas Eleições de 2022 apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
E o Estado, é laico? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/e-o-estado-e-laico-andre-mendonca/ Thu, 02 Dec 2021 23:12:57 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/e-o-estado-e-laico/ Historicamente, o Senado Federal é mero validador das indicações dos Chefes de Governo ao Supremo. Porém, questões políticas outras tornaram a validação do nome de André Mendonça uma procissão que trazem à baila a necessidade de uma discussão sobre a laicidade do Estado

O post E o Estado, é laico? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O processo de sabatina de André Mendonça ao STF foi moroso. A insistência do Senador Davi Alcolumbre em utilizar suas prerrogativas para retardar ao máximo possível a sessão que escrutinaria o futuro Ministro da Suprema Corte chegou a levantar dúvidas entre aqueles que não acompanham a política nacional em termos da aprovação do segundo indicado por Bolsonaro ao órgão máximo do judiciário nacional. Em meio a enorme procissão que se tornou a jornada do futuro Ministro à cadeira que outrora foi de Marco Aurélio Mello, um sem-número de argumentos e reflexões foi levantada acerca de quais seriam os motivos e preocupações que cercariam o nome do postulante a um cargo tão importante.

Dentre estas, sem sombra de dúvidas, a que mais levantou diálogos tinha a ver com as filiações religiosas de Mendonça. Declaradamente evangélico, ou como o descreveu em certo momento Jair Bolsonaro, “terrivelmente evangélico”, André Mendonça abraçou a ideia do Chefe do Executivo ao declarar após a sua aprovação que esse “é um salto para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil, um salto”.

andré mendonça

Este posicionamento, que possivelmente cause espécie em alguns setores da sociedade nacional, revela, por si, algo bastante importante em termos de conjuntura política e acesso aos recursos de poder simbolizados pelas instituições. Ora, em primeiro olhar, não é necessária muita perspicácia para compreender que a ideia de uma laicidade estatal é muito mais um desejo do que uma realidade. No caso específico do Brasil, esta percepção não resiste a uma mera abertura de carteira. Cabe lembrar que em todas as cédulas de real – que andam escassas para a população – há a inscrição “Deus seja louvado”.

Ora, se o dinheiro que é fruto do monopólio estatal de dar valor a transações comerciais está marcado com uma expressão religiosa, onde de fato está essa laicidade? Esta pergunta, propositalmente retórica, serve para convidar você leitor para um elemento importante desta reflexão, que é a disputa por poder e espaço político que grupamentos evangélicos neopentecostais têm conduzido ao longo dos últimos anos. Do início dos anos 2000 até o presente momento, nenhum outro grupo social nacional foi objeto de maior escrutínio por parte da ciência política que os evangélicos.

A tentativa de compreender seus interesses, olhares e posicionamentos, levou à elaboração de teses, livros e outras reflexões. Ao passo que a academia tentava entender este fenômeno por meio de um olhar que em alguns momentos beirava os primórdios da antropologia, estes assumiram de maneira muito madura a ideia e a convicção de que possuíam um projeto de país e que este deveria ser levado adiante. E aqui, em específico, merece atenção o fato de que André Mendonça, diferentemente de outros indicados para vagas ao Supremo, não está em uma jornada solitária.

Ao contrário, Mendonça é fruto de um projeto político que visa alterar a balança de poder nacional. Ao menos em termos de declarações, o novo Ministro é consciente disto e se assume como parte deste movimento. E aqui, é importante ter em mente que não se pode incorrer no erro de colocar todos os evangélicos na mesma caixa analítica. O que se pode verificar é que há uma corrente majoritariamente conservadora, esta sobremaneira preocupada com um afastamento da sociedade de valores angulares, tais como a preservação da família em um recorte visto como tradicional.

Isto posto, os atores políticos envoltos neste circuito agem de maneira a buscar legitimamente por espaço. E o fato é que, agradando ou não outros eleitores, estes atores estão em disputa e precisam ser reconhecidos como legítimos. Do contrário, se tornam presas de extremismos e discursos de confrontação, que atendem obviamente àqueles que desejam seus votos, ao mesmo passo que diminuem a qualidade do debate público.

O fato é que o Estado Brasileiro nunca foi laico. Do dinheiro aos tribunais, há uma enorme simbologia cristã e católica para marcar os limites da laicidade de Terra de Vera Cruz. O ponto é que à medida que este debate não é feito de forma inclusiva, grupos com maior tração política podem ser levados a crer que há uma guerra santa em torno do futuro do país. E assim como o poder judiciário não significa a atribuição de justiça equânime, a ideia de laicidade é constrangida pelas escolhas individuais e coletivas, que no caso brasileiro são significativamente religiosas para muitos.

O post E o Estado, é laico? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Pista escorregadia até as eleições de 2022 https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/pista-escorregadia-ate-eleicoes-2022/ Thu, 25 Nov 2021 18:47:59 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/pista-escorregadia-ate-eleicoes-2022/ Corridas eleitorais são disputadas, normalmente, em terrenos bastante desafiadores. No caso específico das eleições no Brasil em 2022, o cenário é uma pista sinuosa e muito escorregadia para aqueles que sonham em morar no Palácio do Planalto

O post Pista escorregadia até as eleições de 2022 apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Candidatos competitivos são enormes vidraças de cristal. E como tal, seus concorrentes e desafetos estão sempre aptos a arremessarem tijolos em suas direções. Se vivêssemos em tempos normais, tais eventos seriam vistos como uma atividade a ser administrada dentro das quatro linhas do marketing político. Contudo, tendo em vista que os anos vinte do século XXI são muitas coisas, menos tempos normais, torna-se importante compreender quais são os riscos que os principais proponentes ao Palácio do Planalto irão enfrentar do ponto de vista narrativo e imagético.

Inicialmente, é importante compreender que as ilações aqui construídas vão levar em consideração os quatro principais proponentes à Presidência até o presente momento. Comecemos, então, pelo atual presidente da República, que muito provavelmente será um candidato com discurso de questionamento ao processo eleitoral como um todo. Este simples elemento dá à eleição uma diferença em relação a arranjos precedentes pelo fato de que o principal ator político do jogo será ao mesmo tempo alvo de críticas e franco-atirador.

Esta dinâmica tende a empurrar o pleito para uma direção tendencialmente perigosa, em que a ideia de tumulto pode ser vista como uma estratégia de ação. Neste aspecto, os principais concorrentes do presidente Bolsonaro possuem diante de si uma série de escolhas muito difíceis. A primeira delas diz respeito à calibragem dos discursos e da transformação de agendas em mensagens que efetivamente possam dar ao eleitor a garantia de que escolher quaisquer um deles em detrimento ao atual mandatário é uma boa escolha.

Tal reflexão resguarda alguns dilemas. Sobremaneira quando se pensa em cada um dos três principais concorrentes de Bolsonaro e em como suas imagens possuem fragilidades que certamente serão exploradas dentro da lógica do tumulto e dissenso que será parte importante do pleito. Lula, Moro e Ciro, cada um a seu turno, serão continuamente fustigados e testados em seus compromissos, coerência e percepções da realidade. E neste aspecto, tendo em vista que uma parcela cada vez maior da sociedade não espera encontrar tais atributos no candidato à reeleição, paradoxalmente, os principais concorrentes serão muito mais cobrados nisto.

Em termos práticos, Lula certamente será alvo de questionamentos frequentes sobre o não ‘mea culpa’ do PT e eventuais declarações de apoio a ditadores de esquerda ao redor do globo. Ciro, de outro lado, será castigado pelos apoiadores de Lula por não ter apoiado Haddad em 2018, ao passo que a pecha de destemperado deve retornar ao centro das reflexões sobre ele. Moro, o candidato em ascensão no presente momento, por sua vez, tende a ser alvo preferencial de lulistas e bolsonaristas. Em uma lógica – ressalvadas as diferenças – que se assemelha ao esmagamento de Marina por Dilma e Aécio em 2014.

O fato é que diante de um cenário em que potencialmente estas e outras fragilidades estão em processo de mapeamento pelas campanhas citadas, abre-se espaço para uma reflexão acessória, que é a necessidade de construir falas em ambientes controlados. No contexto em que deep fakes e outros subterfúgios serão usados de maneira consistente na campanha eleitoral, caberá às estruturas de campanha entender que é virtualmente impossível impedir o espalhamento de percepções negativas sobre o candidato.

De qualquer maneira, será importantíssimo construir estratégias de contenção de danos que permitam a sobrevivência em uma conjuntura marcada por incerteza e tumulto. A percepção que se matura a cada dia é a de que o próximo ciclo de eleição presidencial se assemelhará e muito a uma corrida de Fórmula 1 com pista chuvosa, e o vencedor será aquele que conseguir manifestar ao longo das voltas a maior capacidade de se manter no trilho seco com o menor número de infortúnios.


O post Pista escorregadia até as eleições de 2022 apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Candidatos em viagem e Brasil à deriva https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/candidatos-em-viagem-brasil-a-deriva/ Thu, 18 Nov 2021 00:29:58 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/candidatos-em-viagem-brasil-a-deriva/ Enquanto alguns dos principais atores institucionais e políticos do país estão no exterior, uma série de temas urgentes se apresentam em compasso de espera. Tal qual uma donatária medieval sem senhor, o país padece nas suas próprias vulnerabilidades

O post Candidatos em viagem e Brasil à deriva apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil é uma capitania hereditária sem donatário. Em um ato de sincronicidade bastante peculiar, de súbito os principais atores políticos do país estão alhures simultaneamente. Enquanto o Presidente Bolsonaro dispende alguns dias em uma turnê pelo Oriente Médio – em busca dos “petrodólares” que Paulo Guedes procura -, seu principal antagonista está na Europa. Em um misto de salamaleques e produção de material de campanha, Lula dialoga e tira fotos com simpatizantes do Velho Mundo, em um vislumbre muito claro do estágio atual de prestígio do governo federal com parceiros políticos.

Os militantes, por sua vez, de lado a lado, se dividem em uma espécie de preparação para a maior das batalhas. Entre aqueles que apoiaram Bolsonaro em 2018 começam a surgir dois movimentos que merecem atenção. O primeiro deles é o crescimento de vozes que lenta e continuamente querem dar a pecha de traidor do movimento antipolítica ao presidente da República. Ainda sem saber qual caminho estes assumirão, é possível dizer que o interesse de órfãos do bolsonarismo é o de conseguir mandatos a partir do reavivamento da narrativa da eleição anterior.

O segundo destes movimentos é o compasso de espera daqueles que permanecem fiéis ao presidente em termos de suas escolhas eleitorais. O ensaio até aqui malfadado de aproximação ao Partido Liberal e a indefinição de momento acerca de futuro mostram o empenho dos votantes resilientes em manter viva a chama da narrativa antipolítica. Portanto, da escolha de um partido, sendo o Progressistas ou uma legenda menos expressiva, passando pelos elementos que constituem o momento em que nos encontramos, o panorama de reeleição é bastante desafiador.

Em contraposição, os ensaios lulistas e o efeito gravitacional que se tenta construir no entorno da candidatura de Sérgio Moro geram uma dinâmica bastante complexa em termos das necessidades do país neste exato momento. Em específico, o excesso de atenção direcionado ao processo eleitoral drena as atenções acerca das necessidades presentes e coloca um número considerável de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

A Nau de Pedra em que o país se transformou, navegando pelo Atlântico aparentemente sem leme ou timoneiro, mostra a necessidade de resolver questões imediatas com celeridade e qualidade. E aqui é importante reafirmar ambos os adjetivos, sobretudo quando se observa a perda considerável de capacidade de atores institucionais em construírem soluções de políticas públicas ancoradas em dados e premissas que permitam seu aprimoramento no tempo.

Tendo a erradicação do Bolsa Família como exemplo mais recente e levando em consideração a forma pouco robusta e coesa com que seu substituto – o Auxílio Brasil – tem sido construído. O prognóstico não é o da mera retirada dos pobres do orçamento da República, mas o seu apagamento como cidadãos portadores de direitos e dignidade.

Não se trata, portanto, de negar a importância do processo eleitoral. Mas, sobremaneira, da necessidade que cada um de nós possui de fazer um exercício de reflexão bastante crítico acerca de como chegamos até aqui e de quais são as possíveis soluções para os dilemas do nosso tempo. Este processo, que ultrapassa as armadilhas do debate falacioso proposto por gurus de internet ou demagogos de primeira ordem, obriga a cada cidadão com o privilégio de exercer escolhas conscientes em assumir um papel de transformação da nossa realidade.

A negação do enfrentamento deste desafio gerará como resultado a perpetuação de um ciclo que nos condena ao atraso cognitivo e material. E se o desinteresse de compreender esta dinâmica pode ser disfarçados com cercas, subterfúgios ou viagens internacionais, o fato irrefutável é que a navegação sem bússola, timoneiro e leme lançará a nau de pedra e toda sua tripulação rumo a um curso de perdição de difícil reversão.

Este texto apela, portanto, ao bom senso e a responsabilidade do leitor para que o país abandone sua condição de capitania hereditária e se transforme em uma república de cidadãos livres e responsáveis por seus atos e decisões.


O post Candidatos em viagem e Brasil à deriva apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Toda previsão será castigada https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/toda-previsao-sera-castigada/ Thu, 11 Nov 2021 17:19:39 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/toda-previsao-sera-castigada/ O processo eleitoral se iniciou com precocidade. Isto posto, o impacto sobre os atores políticos e os eleitores leva a uma explosão de paixões e olhares que muitas vezes se perdem em emoções e tentativas de compreender um futuro incerto

O post Toda previsão será castigada apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
As eleições já começaram. Apesar do fato de que, formalmente, o processo eleitoral só terá seu pontapé inicial em 2022, é nítida a velocidade com que as articulações se constroem até aqui. E neste cenário marcado por uma enxurrada constante de pesquisas e especulações, todos aqueles que possuem a observação de cenários políticos como ofício são cotidianamente desafiados a construir ilações sobre o futuro. Em um mix de metodologia científica, diálogo com fontes e alguma parcimônia, o que se apresenta ao final do dia é a tentativa de oferecer à sociedade uma visão mais clara desta paisagem cada vez mais desafiadora.

Diante disto, é importante considerar o fato de que, com os dados que possuímos até aqui, alguns elementos se destacam. O primeiro deles é a prevalência de Bolsonaro e Lula como principais atores e antagonistas do processo. E aqui cabe lembrar duas questões importantes: a primeira é que desde que a reeleição foi aprovada nenhum presidente foi derrotado em sua campanha para segundo mandato. A segunda é que, desde a redemocratização, o líder das pesquisas um ano antes da eleição, não necessariamente foi o vencedor do pleito no ano seguinte.

O fato é que a fotografia do momento tem alimentado a transposição de alguns desejos pessoais em análise de cenário. E estes desejos, por sua vez, têm alimentado comportamentos que podem ser vistos com soberbos. Por exemplo, qual outro sentimento que não soberba explicaria o lançamento de uma nota do Partido dos Trabalhadores apoiando a forma autoritária como Daniel Ortega conduziu o processo eleitoral na Nicarágua? Ou, em termos de comparação, o que explica o fato de que Jair Bolsonaro tentará emplacar um discurso anticorrupção estando filiado ao Partido Liberal – cujo presidente foi o principal ator político do escândalo do mensalão?

Os principais candidatos e muitos de seus assessores parecem atuar de modo a fazer com que a eleição tenha apenas dois polos – Lula e Bolsonaro –, e a possibilidade mais alta é a de que ambos se digladiarão ao longo de 2022. Ao desconsiderarem a possibilidade de que outros possam de fato lhes criar problemas, parece até aqui cultivar-se uma lógica em que uma peça importante da equação é ignorada, o eleitor. As maquinações, reflexões e ilações construídas em pequenos grupos ou desmembradas em correntes de aplicativos parecem subestimar a capacidade dos cidadãos de acolherem novas ideias, propósitos e expectativas em termos da eleição vindoura.

Neste aspecto, chamaram atenção dois movimentos de atores ainda secundários na agenda eleitoral. De um lado, o ato de suspensão da campanha de Ciro Gomes – tratado de maneira jocosa por outros eleitores de esquerda – deu a este a possibilidade de ocupar espaço central no debate político por um exercício em algum sentido esquecido, que é a coerência. Ao parar sua atividade eleitoral para forçar uma mudança de comportamento da sua legenda, Ciro lançou luz sobre o quanto partidos e bancadas partidárias funcionam em tabuleiros distintos.

Em paralelo, Moro lançou sua candidatura com um discurso muito bem amarrado naquilo a que ele se propõe a ser, o antagonista das velhas elites políticas. Até aqui, Moro e Ciro, cada um a seu modo, tendem a ser atores muitíssimo importantes para o jogo eleitoral. Não necessariamente pela sua capacidade de construir agendas, mas pela possibilidade de causar constrangimentos para os dois protagonistas do pleito até este momento. De um lado, teremos Ciro, constantemente tentando levantar as incongruências de Lula e do PT. De outro, Moro tenderá a lançar sobre Bolsonaro a pecha de “traidor” do movimento de 2018.

Diante de um cenário marcado pela confluência de uma tempestade perfeita, a única previsão de fato acertada em termos de futuro é a de que o cenário está mais aberto do que os números das pesquisas eleitorais possam nos mostrar. Caberá, portanto, aos candidatos e aos interpretes do processo eleitoral, buscar a compreensão de quais tendências de fato se manifestarão de maneira robusta e continuada de agora até a realização do pleito em outubro de 2022.


O post Toda previsão será castigada apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A militância e suas paixões https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-militancia-e-suas-paixoes/ Thu, 28 Oct 2021 14:56:06 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-militancia-e-suas-paixoes/ A República Federativa do Brasil não se encerrará em dezembro de 2022 e dito isto, é de fundamental importância alertar aqueles que trocam a avaliação racional do voto pelo mero exercício de paixões de ocasião acerca do risco que se cria para o dia seguinte do processo eleitoral

O post A militância e suas paixões apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A antecipação do debate eleitoral é uma realidade. A partir dessa premissa, bem iniciada no primeiro dia da administração Bolsonaro, é importante ter em mente o impacto disto sobre a qualidade do debate público. Em primeiro plano, é possível afirmar com alguma clareza que o estímulo de paixões desenfreadas e a transformação de representantes políticos em ídolos de bronze, gerou como resultado um enorme empobrecimento da capacidade da sociedade de estabelecer consensos e debates qualificados.

A ausência de consensos, muito bem alimentada por aqueles que confundem propositalmente liberdade de expressão com estímulo ao dissenso e rancor, gera o risco claro de tornar o processo eleitoral futuro em uma arena de gladiadores. Nesse cenário, um elemento importante que reforça o argumento é o fato de que um número crescente de representantes deseja a erosão de consensos. Afinal, quando não há consenso, o debate público pode ter seu foco facilmente alterado.

E esta parece ser a principal característica da política nacional no biênio 2020-2021. Na mesma proporção que a tempestade perfeita foi se agravando no horizonte, maior foi se tornando a disposição de mandatários em diversos níveis em estimular o diversionismo. Ao mesmo passo que o foco é jogado para o lado, com o apoio velado ou explícito de uma série de atores políticos importantes, temas importantes para o presente e para o futuro do país são colocados de lado ou tratados como mera casualidade eleitoral.

Militantes bolsonaristas protestam contra ato adverso ao governo do presidente.
Militantes bolsonaristas protestam contra ato adverso ao governo do presidente. Foto: Reprodução (Redes Sociais)

Nos últimos dias, as negociações para a resolução dos dilemas do Governo Federal para o ano de 2022 levam a uma constatação bastante alarmante: não importando quem seja o Presidente da República em janeiro de 2023, a herança recebida será digna dos trabalhos de Hércules.  A explosão do teto de gastos, a liquidação de uma política pública bastante eficaz em termos de combate à pobreza e o retorno da inflação são mais que fantasmas no horizonte, apresentam-se como ameaças e riscos potenciais ao legado civilizacional construído pela democracia a partir da Constituição de 1988.

Se há pouca resistência em termos político-institucionais ao processo de erosão de políticas públicas em curso, é ainda mais preocupante a naturalização da militância política do estado de coisas presentes. A normalidade com que os fãs dos políticos encaram o preço dos combustíveis ou do botijão de gás, ou a forma como alguns extratos ditos mais esclarecidos caem em cantos da sereia de promessas infundadas – tais como a eterna promessa de privatizações – só leva a crer que mais do que apoio, há um exercício de fé quase messiânico que torna a reflexão crítica e a percepção de que políticos devem oferecer soluções para problemas concretos.

A observação de que o debate público empobrece a cada dia, alimenta a hipótese de que o debate eleitoral também será bastante pobre. Com o desenho atual, a conjuntura eleitoral futura certamente trará, entre outros elementos, uma substituição do debate pelo insulto. E o fato é que uma vez que haja mais interesse pela ofensa do que pela proposição, o prognóstico não tem como ser otimista.

A encruzilhada que se coloca para o país, portanto, não é a mera revisão do legado da Constituição de 1988, mas, sobretudo, as escolhas que marcam o futuro. Não há desenvolvimento que se sustente sem políticas públicas baseadas em evidências, e não há liberdade econômica sem liberdade política. E, certamente, não há crescimento econômico sem previsibilidade decisória. Aos militantes, portanto, fica o alerta de que o seu apego a lideranças ditas iluminadas afasta seus compromissos para com a realidade – e, como consequência, afasta a todos de soluções reais para problemas concretos.

O post A militância e suas paixões apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Qual o legado da CPI da Pandemia? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/qual-o-legado-da-cpi-da-pandemia/ Thu, 21 Oct 2021 00:01:53 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/qual-o-legado-da-cpi-da-pandemia/ A CPI da Pandemia foi a novela de maior audiência da TV Brasileira em 2021. Porém, diferentemente de outros folhetins midiáticos, seu final abriu espaço para interpretações dúbias acerca de vencedores e perdedores do debate político em torno do fracasso coletivo que envolveu o enfretamento à Covid-19

O post Qual o legado da CPI da Pandemia? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil é um país em plena erupção. A lógica de embate e rancor que marca o debate público, aliada à confluência de crises de todas as ordens, faz com que o ano de 2021 seja uma espécie de segunda temporada do ano de 2020. Diante deste cenário marcado pela dificuldade robusta da sociedade nacional em construir um processo de diálogo honesto consigo mesma acerca das aflições mais urgentes do tempo presente, não deixa de ser importante uma reflexão acerca dos impactos de curto, médio e longo prazos resultantes dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia sobre o horizonte político brasileiro.

É importante fazer uma reflexão sobre as expectativas construídas acerca do trabalho dos senadores desde o nascedouro da Comissão. O próprio movimento de ação do STF – via decisão do ministro Barroso – para que o presidente do Senado autorizasse o início dos trabalhos do colegiado – é revelador de algumas características do momento político atual. Em primeiro plano, destaca-se o fato de que tanto o governo quanto a oposição chegaram despreparados ao colegiado.

A articulação que resultou na criação do grupo oposicionista ao governo – chamado pela imprensa de “G7” – careceu de um caminho investigativo claro. Em paralelo, os apoiadores do Palácio do Planalto adotaram a estratégia simplista de tentar tumultuar as atividades, tendo em vista que seu número era insuficiente para a construção de uma estratégia legislativa mais eficaz.

Estes dois movimentos revelam um sintoma profundo do atual debate político nacional, que é a carência de nomes que efetivamente compreendam seus papéis institucionais e a importância do debate político como momento de construção de soluções para problemas coletivos.

De outro lado, parte considerável de senadores importantes no dia a dia dos trabalhos – tanto na oposição, quanto na situação – foram surpreendidos pela capilaridade e pelo sucesso midiático das sessões. E aqui há outro indicativo importante: pela primeira vez após a realização das primeiras eleições massivamente vencidas com uma estratégia formatada para redes sociais, um evento legislativo foi acompanhado por meses por uma grande quantidade de pessoas.

E ao se observar a construção de audiência sobre os trabalhos da CPI, tem-se o vislumbre de um problema fundamental da democracia brasileira em momento atual, que é o fato de que uma parte considerável das pessoas não conhece os atributos e as responsabilidades dos atores institucionais e das instituições que eles representam.

A identificação deste processo criou como consequência direta uma verdadeira montanha-russa de expectativas e frustrações acerca da CPI. A aderência e o eventual tédio de partes consideráveis da população com os trabalhos da Comissão estão diretamente vinculados às dificuldades dos parlamentares em entenderem o momento em que estavam inseridos.

E obviamente, ao serem homens – o colegiado perdeu a oportunidade histórica de fazer diferente neste aspecto – de seu próprio tempo, os parlamentares diminuíram o escopo e a profundidade dos debates em favor da escolha fácil pelo clique.

A CPI nasceu sob os auspícios de permitir o país passar a si mesmo a limpo no que diz respeito aos eventuais equívocos das autoridades nas ações de enfrentamento à pandemia do Covid-19. Mas, como resultado, surgiu um dilema político-narrativo.

Ao final do dia, como reflexo objetivo do monólogo que marca o atual debate público, se tem a percepção clara, por cada um dos lados em disputa, de que o produto do colegiado é pouco relevante para a compreensão de algo muito importante, que são as causas reais e as forças profundas que levaram a sociedade brasileira a fracassar peremptoriamente com mais de 600 mil famílias enlutadas pelo coronavírus. Provavelmente, a crise da pandemia será descartada no mesmo contêiner em que estão guardados cada um dos grandes dilemas históricos nacionais.

Que o tempo, senhor da razão, permita que a sociedade escape da esquizofrenia em que se encontra e construa uma lógica nova de ação. Baseada na percepção de que a vida é um valor inalienável e de que os representantes públicos são responsáveis diretos em construir políticas públicas que resolvam problemas coletivos e urgentes.


O post Qual o legado da CPI da Pandemia? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A República do deboche https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-republica-do-deboche/ Tue, 19 Oct 2021 14:44:53 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-republica-do-deboche/ O espetáculo nonsense em que se transformou o depoimento do Sr. Luciano Hang à CPI da Pandemia é apenas sintoma de um processo mais profundo de degradação continuada das estruturas, percepções e simbolismos das instituições democráticas

O post A República do deboche apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O que move a democracia no século XXI? Esta pergunta é bastante importante para compreendermos alguns dos desafios que se colocam para a sobrevivência do sistema democrático em uma realidade marcada por infodemia, fakenews e autoritarismo narrativo. A resposta mais objetiva possível é a compreensão de que democracia é sustentada por apoio popular, que se expressa, basicamente, em duas ações – o voto e o engajamento cotidiano do cidadão.

A partir deste pressuposto é possível dizer que a democracia como conhecemos é um desenho institucional montado para atender uma dinâmica social de espaços civilizatórios do século XVIII e XIX. Naquele momento, sobretudo em sociedades industriais, se construiu uma lógica, emulada por variados experimentos democráticos ao redor do mundo, de que para fazer parte do jogo político se fazia necessário incorporar determinados códigos e tradições. A adesão aos simbolismos e marcadores de conduta passaram a ter a função de civilizar o diálogo e ordenar a apreciação de demandas, gerando em muitos casos, um fortalecimento da crença de que as instituições e o sistema funcionavam.  

A espiral positiva de maturação do debate público se manifestaria concretamente na forma como os atores respeitariam uns aos outros e reforçariam a importância da autoridade construída dentro de uma regra de consenso e diálogo regulatório. Se, em termos práticos, o desenho desta prerrogativa ao longo do tempo sempre encontrou desafios, era possível dizer que mesmo em democracias de média qualidade, como a brasileira, existia um consenso mínimo entre os atores políticos acerca da necessidade de respeito a determinadas regras e procedimentos.

Trajado com as cores da República, Luciano Hang chega à CPI para prestar depoimentos aos senadores.
Trajado com as cores da República, Luciano Hang chega à CPI para prestar depoimentos aos senadores. Foto: Edilson Rodrigues (Ag. Senado)

Porém, como tudo na vida, as situações pessoais e compromissos mudam sempre que há um esvaziamento na crença de sua funcionalidade. E, no Brasil, em específico de meados da última década até o momento, se consolida uma percepção de que o respeito às regras, aos foros e aos ritos das instituições é perda de tempo. Aos que defendem este posicionamento, a ideia de que se faz necessária a devida cerimônia para com aqueles que estão investidos em cargos públicos só é válida se cabe em suas conveniências cotidianas.

Neste sentido, a presença do Sr. Luciano Hang na CPI da Pandemia foi um retrato exato de como o deboche passou a ser parte do jogo político e institucional. Que se faça justiça antes de tudo ao fato de que os Senadores deram palco a quem o buscava e com raríssimas exceções não conseguiram ao menos compreender o jogo que o Sr. Hang foi disputar. Este, por sua vez, entendendo que o debate político se faz cada vez mais nas redes sociais baseadas na internet, vestiu-se como uma caricatura daqueles que criticava.

Do terno em verde e amarelo a rejeição expressa de usar os pronomes de tratamento adequado aos Senadores, o Sr. Hang implodiu a bússola que guiava os trabalhos da CPI durante seu depoimento.  Suas falas e ações, verificadas e esquadrinhadas por agências de checagem a posteriori, passaram a sensação de que aqueles que deveriam ouvi-lo não estavam preparados para o desafio. E aqui reside uma ameaça clara para o aprimoramento da qualidade de nossa democracia, a construção de uma percepção coletiva de que os representantes não possuem as condições necessárias para a execução das tarefas para as quais foram designados.

Para aqueles, portanto, que temem tanques e policiais nas ruas fechando o Congresso e os Tribunais, fica o aviso. O maior risco para a qualidade da democracia vem da descrença, do escárnio institucionalmente consentido para com os ritos e o decoro. A leniência para com o deboche e o escárnio é um veneno que corrói a República de forma lenta e consistente. E seus resultados são potencialmente mais devastadores do que os medos inconscientes que permeiam os corações daqueles que ainda acreditam em debate público analógico. O jogo mudou e a única forma de efetivamente proteger a democracia é compreender os dilemas que uma sociedade aberta enfrenta e construir posicionamentos efetivamente firmes que garantam a sua existência.

O post A República do deboche apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Bestializados https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/bestializados/ Mon, 18 Oct 2021 14:04:54 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/bestializados/ Diante de uma situação marcada pelo crescimento da ideia de que o caos é uma forma de fazer política, partes cada vez maiores da sociedade observam o desdobramento dos fatos abismada. Quase dois séculos após a independência, o povo segue observando os desdobramentos políticos bestializado

O post Bestializados apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O sistema político brasileiro vive um impasse. De um lado, aqueles que apoiam a interrupção do processo democrático, apesar das capacidades de mobilização popular, e ainda não possuem os meios de força para fazê-lo. De outro, aqueles que teoricamente fazem oposição aos primeiros se baseiam em uma premissa arrogante de que é possível compor e construir diálogo com aqueles que reiteradamente demonstram que só há conversa quando esta se inicia com um ato de submissão à sua vontade. Em meio a este processo, a parcela da população que mais sofre com a incapacidade do sistema em resolver seus problemas cotidianos assiste a tudo bestializada.

A referência à obra seminal de José Murilo de Carvalho se faz fundamental para que se possa abordar um problema basilar da lógica política nacional, o fato de que decisões importantes são tomadas por um pequeno grupo de pessoas que se arrogam intérpretes das vontades do todo. Todos os processos de interrupção abrupta da regra do jogo de 1889 até 1964 possuem como traço comum o fato de que se antes de tudo nos interesses de pequenos grupos travestidos de retórica universalista. E o povo normalmente é um mero detalhe na equação do cálculo estratégico que se segue.

Obra 'Os bestializados' (2019), do autor José Murilo de Carvalho
Obra ‘Os bestializados’ (2019), do autor José Murilo de Carvalho. Foto: Divulgação

O 07 de setembro de 2021 não é um ponto diferencial neste aspecto. Não se trata aqui de negar a realidade ou de usar gírias do mundo virtual para descaracterizar o que se viu nas ruas. O fato é que a narrativa do Presidente colocou uma quantidade considerável de pessoas nas ruas. Talvez, menos do que os sonhos daqueles que desejam uma versão tropical da Marcha sobre Roma ansiavam, porém, certamente mais do que se desejaria quando os olhares se colocam em direção de uma série de problemas urgentes que são insistentemente postos de lado em favor de uma cruzada contra moinhos de vento.

O fato é que o atual jogo de forças caracteriza um dilema. Bolsonaro ainda não possui os meios para avançar sobre o STF e o STF não possui o suporte do legislativo, nem do Ministério Público Federal para se proteger dos ataques do Presidente. Diante desta situação, que pode lembrar uma bang bang italiano ou mesmo uma cerimônia de suicídio coletivo, os atores institucionais parecem incapazes de apontar soluções aos problemas. Ao seguirem, portanto, em posições inamovíveis, abre-se espaço para dois vetores perigosos, o medo e a violência.

Estas características, sempre muito bem utilizadas por aqueles que querem se colocar como lideranças superiores à regra do jogo possuem um ponto pouco explorado. À medida que uma liderança estimula continuamente a ideia de que o radicalismo é um instrumento válido, qualquer ação ao movimento feito por ela em sentido contrário pode ser interpretada pelos seguidores como um sinal de traição a causa e aos seus princípios. Neste sentido, a lógica implementada até aqui pelo Presidente e seus apoiadores, com a anuência de seus aliados institucionais, de que só há democracia quando suas vontades são cumpridas gera um risco ao todo.

E o risco está na ideia de que ao alimentar na turba a ideia de que há um inimigo inconteste de seu destino idílico, crie-se uma espiral de quebra de compromissos. Uma quebra forjada, sobretudo, por novas lideranças que construam seu próprio caminho e que enxerguem inclusive em Bolsonaro apenas mais um, um mero fantoche de uma causa que não é dele e sim do “povo”. Afinal, se há algo que processos de terror conseguem construir com grande qualidade são candidatos a Robespierre e estes, nada mais são do que oportunistas que em um dia inflam as massas contra seus rivais, mas, que no dia seguinte, podem simplesmente estar a dois passos do cadafalso da história.

O dilema do tempo presente, portanto, tende a cobrar seu preço em vidas, responsabilidades e grandeza. E, provavelmente, ao final do dia pouco iluminado que estes tempos representam, aqueles que recolherem os cacos da erosão do pacto institucional de 1988 terão a árdua tarefa de contar aos seus filhos e netos os motivos que justificaram um avanço tão abrupto da ignorância e do egoísmo. Na ausência de mulheres e homens de estado, o futuro do país recairá nas mãos daqueles que melhor se utilizarem dos impulsos mais primitivos de uma massa turbinada pela ideia de que o amanhã reside na escolha de um novo Dom Sebastião.

O post Bestializados apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Não se deve subestimar o Bolsonarismo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/nao-se-deve-subestimar-o-bolsonarismo/ Thu, 14 Oct 2021 13:17:56 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/nao-se-deve-subestimar-o-bolsonarismo/ Em um ambiente político marcado por crise e uma eventual fragilidade do governo, a maior ilusão para aqueles que fazem oposição a Bolsonaro e seu projeto é a percepção de que isoladamente cada um pode derrotar o Presidente em sua reeleição

O post Não se deve subestimar o Bolsonarismo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O professor Dawisson Belém certa vez definiu que o Bolsonarismo é o Trumpismo com dois dias de atraso. Tal reflexão, fruto de observações empíricas e de uma métrica refinada, tornou possível compreender os impactos de Trump e de sua narrativa política sobre o jogo de forças eleitorais no Brasil em 2018. Porém, para além disto, o processo de emulação de uma forma de fazer política resultou em outra característica bastante particular do atual governo brasileiro, a campanha cotidiana.

Desde o seu primeiro dia de governo, Bolsonaro sempre buscou reproduzir de maneira tropicalizada o esforço construído por Trump de fazer cada ato de governo um ato de campanha. Na América, Trump se utilizava de redes sociais como o Twitter e o Facebook para alimentar seus seguidores com todo tipo de informação que tivesse a capacidade de gerar engajamento e repulsa aos rivais.

No Brasil, por sua vez, Bolsonaro, com ao auxílio prestimoso daqueles que estão em seu entorno, conseguiu criar algo mais eficaz; grupos de Telegram e WhatsApp que criaram um canal paralelo de comunicação entre o Presidente e seus seguidores. O envio constante de mensagens, vídeos e outras informações dão ao Chefe do Executivo a base de apoio e o respiro necessários para cumprir dois objetivos: sobreviver a quaisquer ações ou intenções de impeachment e manter-se minimamente competitivo em termos eleitorais.

Presidente Jair Bolsonaro utiliza grupos de mensagens como um canal paralelo de comunicação com seus apoiadores.
Presidente Jair Bolsonaro utiliza grupos de mensagens como um canal paralelo de comunicação com seus apoiadores. Foto: Reprodução (Redes Sociais)

O “nó górdio” para Bolsonaro, contudo, não está na manutenção dos votos de seus apoiadores, e sim na aquisição de votos entre aqueles que hoje avaliam o governo de forma negativa. Para estes, sobretudo aqueles que se declaram órfãos de uma terceira via, o Planalto aposta que o caminho é um mix entre entregas de agendas importantes em âmbito econômico e uma diminuição no tom do Presidente. Não se trata aqui de moderação, afinal, no terceiro ano de mandato já está claro que Bolsonaro não irá assumir nenhum tipo de comportamento com vernizes institucionais.

Diante desta constatação, surge uma pergunta: o que cabe ao núcleo de apoio do Presidente para atrair votos que hoje não estão em sua cesta? Basicamente, a construção de uma agenda mínima de resultados econômicos com um silêncio obsequioso do Presidente em temáticas importantes. Além disso, a peculiaridade do momento que o país atravessa mostra que é mais fácil a obtenção de resultados em agendas que diminuam o estresse econômico do que a realização de ações individuais do Chefe da República em evitar confrontos.

E a resposta a isto está ligada à lição apreendida pelos Bolsonaristas com ideólogos de Trump: a ideia de capturar o debate político custe o que custar. Diferentemente de outros políticos, a Bolsonaro não importa que se fale bem ou mal, o importante é que se fale dele. Esta capacidade de monopolizar o debate político dá ao Presidente e ao seu grupo a possibilidade de retirar voz, minutos, espaços e cliques de quaisquer adversários. E como isto tem sido feito de maneira eficaz até aqui, não importando o que se fala, se tem falado de Bolsonaro o tempo todo.

A resultante disto é que, ao mesmo tempo em que a rejeição ao Presidente é muito alta, a sua resiliência eleitoral não é desprezível. E diante de um cenário em que aqueles que apoiam Bolsonaro tendem a não mudar de opinião até o dia da eleição, a questão reside em saber se o Presidente terá a capacidade de reverter as avaliações negativas que recebe. E aqui, dois elementos são importantíssimos, o primeiro é a distância temporal do pior momento da pandemia para o momento da eleição.  E o segundo, a possibilidade de que, a partir de um avanço na vacinação, a economia apresente sinais de recuperação que entusiasmem aqueles que não querem um retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder.

O fato, portanto, é que se de um lado não é possível menosprezar a rejeição que Bolsonaro sofre, de outro, não se deve deixar de lado o potencial de sua estratégia de comunicação via redes sociais de aumentar sua capacidade de angariar votos. E soma-se a isto o fato de que não se percebe entre os antagonistas do Presidente, até aqui, nenhum movimento concreto de construção de um compromisso mínimo em derrotar Bolsonaro. Os sonhos hegemônicos dos rivais são a melhor oportunidade do Presidente.

O post Não se deve subestimar o Bolsonarismo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Paraísos fiscais e suas implicações para a democracia https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/paraisos-fiscais-implicacoes-democracia/ Thu, 07 Oct 2021 03:52:56 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/paraisos-fiscais-implicacoes-democracia/ A legitimidade é um dos motores da democracia. Atitudes transparentes na definição de políticas públicas alimentam a crença continuada de que o representante político pensa no todo, antes de que em si mesmo. Essa crença é fundamental para o girar das engrenagens de um sistema político democrático

O post Paraísos fiscais e suas implicações para a democracia apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Esta semana, jornalistas investigativos divulgaram o resultado de vazamento de quase 12 milhões de documentos que jogam luz sobre o obscuro mundo das chamadas “offshores”, empresas que mantêm sede formal e contas em paraísos fiscais, em geral com proteção de dados e outros benefícios como isenção de impostos. Os dados revelados indicam que inúmeros líderes mundiais, políticos poderosos, bilionários e outros personagens são beneficiários de contas quase secretas. Entre os usuários desse tipo de instrumento estaria o Rei Abdullah II da Jordânia, que teria gastado mais de US$ 100 milhões em propriedades de luxo nos EUA e na Europa.

O uso de “offshores” não é necessariamente ilegal. Muitas empresas utilizam esse recurso, inclusive para proteção cambial e para ter mais flexibilidade na hora de realizar pagamentos no exterior. No entanto, o mecanismo também facilita o uso ilegal de recursos e a evasão fiscal, daí o efeito de escândalo que os “Pandora Papers” geraram em diversas partes do mundo. No Brasil, figuras públicas como o Ministro da Economia, o Presidente do Banco Central e o empresário Luciano Hang, dono da Havan, estão entre os controladores de contas de propriedade de “offshores”, segundo os dados publicados na esteira dessa mega-investigação jornalística.

Ainda é cedo para avaliar a legalidade, mas o fato é que, se a titularidade de contas e a propriedade de ativos tiverem sido declarados à Receita Federal e os impostos estiverem devidamente pagos, é bem possível que a normativa brasileira tenha sido observada. A questão, então, caso realmente se confirme que as regras foram respeitadas, deixaria a esfera da legalidade e adentraria o campo de legitimidade, igualmente importante no caso de pessoas que exercem função pública ou participam do debate com o objetivo de influenciar os rumos da nação.

No caso de Ministros, caberia uma reflexão sobre a existência ou não de potencial de conflito de interesses. Pode ser incômoda, para dizer o mínimo, a situação de altos funcionários proprietários de somas vultosas em moeda estrangeira no exterior, ao mesmo tempo em que têm responsabilidade de condução da política econômica e/ou cambial. Ainda que suas decisões não sejam motivadas por qualquer interesse pessoal, o fato é que suas escolhas podem gerar lucros fabulosos, seja pelo efeito de desvalorização da moeda nacional, seja pelo impacto regulatório em matéria fiscal, para ficar em duas áreas óbvias.

Como diz o velho adágio romano modernizado para o século XXI, na política não basta ser honesto, é preciso parecer honesto. Nesse sentido, é fundamental que nossas normas sejam atualizadas para impedir um potencial conflito de interesses, exigindo, por exemplo, que eventuais ministros e altos funcionários encarregados da economia coloquem seus ativos num “blind trust” ou se desfaçam de suas propriedades, de modo a dissipar a nuvem de dúvida e suspeição que se instala naturalmente nesses casos. Isso daria paz de espírito aos próprios funcionários, que não se veriam envoltos em uma bruma de suspeição que pode minar sua capacidade de formular políticas públicas. Enquanto a norma não é atualizada, a legitimidade é reduzida e o dano se torna inevitável.

No caso de grandes empresários, a questão não seria tão delicada se não se tratasse de pessoas com influência, com acesso às altas esferas de poder e que possuem interesses concretos na condução da economia e na obtenção de empréstimos em bancos públicos. isso sem falar daqueles que se banham no mar da política na defesa do governo de plantão. Mais uma vez, a questão pode ser legal, caso os impostos tenham sido pagos e os recursos utilizados de maneira regular. Resta, porém, um problema de credibilidade para aqueles que dizem apostar no Brasil, mas preferem investir seu dinheiro alhures e, além disso, podem em tese usar seu relacionamento privilegiado com a liderança política do país para defender agendas próprias e interesseiras.

Em algumas partes do mundo, as revelações causam terremoto político, protestos e investigações para apurar eventuais ilícitos. Aqui, ao que parece, algumas declarações esparsas parecem ter o condão de desviar o foco para outros temas, como se a questão das “offshores” fosse desimportante, apenas uma “intriga da oposição”. Entre outros fatores, a qualidade de qualquer democracia se mede pela capacidade das instituições e da sociedade civil de exigir a prestação democrática de contas e a transparência nos negócios públicos. Mais um sinal de que nossa democracia fraqueja.


O post Paraísos fiscais e suas implicações para a democracia apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Código de Conduta https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/codigo-de-conduta/ Thu, 23 Sep 2021 13:14:12 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/codigo-de-conduta/ Uma análise do modus operandi de figuras-chave do governo Bolsonaro permite construir a premissa de que há um padrão de comportamento, que se transforma em código de conduta. A confrontação e a agressividade constantes são parte de um movimento permanente de defesa do governo e do seu líder contra todos os inimigos, sejam eles reais ou imaginários

O post Código de Conduta apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Expectativa é uma palavra marcante desde os eventos do último 7 de Setembro. De uma tentativa de captura do feriado da Independência, envelopada com um ensaio de putsch tupiniquim, passando por um rascunho de impeachment à construção de um acordo costurado por Michel Temer, a situação política do presidente da República é uma peça teatral digna de nota. Se de um lado o apaziguamento dos atores institucionais deu sobrevida ao chefe do Executivo, este, por sua vez, segue se considerando acima das regras do jogo democrático e não deixa de chamar atenção a repetição deste padrão de conduta cada dia mais agressivo entre seus auxiliares mais próximos.

A fácil identificação de um padrão de conduta agressivo por parte de um número considerável de ministros do Governo permite vislumbrar que, mais do que mera repetição, há uma espécie de competição estimulada pelo modelo de gestão de pessoas da Presidência. Isto significa dizer que há o estímulo pessoal do chefe de Governo no sentido de colocar seus ministros em posição de confronto com outros atores políticos ou opositores. Esta lógica de confrontação como um elemento de diversionismo tira dos atos agressivos perpetrados por distintos auxiliares o ar de coincidência e demonstra uma lógica de embate com fins de erosão do diálogo político em ambiente democrático.

Partindo desta premissa, alimentada com os acontecimentos observados em Nova York e em Brasília nesta semana, é possível, com o auxílio de autores que se propõem a construir análises cognitivas de processo decisório, compreender que a lógica de embate constante promovida discursivamente pelo presidente tem sido comprada entusiasticamente pelos seus ministros. Tal processo, que em momentos anteriores do governo estava restrito aos representantes daquilo que se convencionou chamar de ala ideológica, ganha tração à medida que dois fatores convergem: as limitações impostas ao presidente via processo de acomodação até aqui em curso e a necessidade de defender um governo com claras dificuldades de dar respostas eficazes a problemas concretos.

Estes dois elementos permitem retornar atenção para o último feriado da Independência. Em determinado sentido, é possível dizer que toda a comoção e mobilização gerada pelos apoiadores do presidente tinha como objetivos principais mostrar a viabilidade político-eleitoral de Bolsonaro, ao mesmo tempo que daria dimensão da capacidade de expansão da bolha de suporte ao presidente. Segundo esta premissa de interpretação da realidade, a maioria silenciosa que dá suporte ao chefe do Executivo invadiria as ruas e daria o combustível necessário ao nascimento de uma democracia direta em que o líder seria o único intérprete legítimo da realidade política.

Passado o momento apoteótico e sobrando apenas a ressaca de respostas institucionais e articulações até aqui não vistas contra si, restou ao governo recorrer a Michel Temer para ganhar tempo. E se esta prorrogação do período de jogo deu ao presidente a possibilidade de seguir sua ambição de desgaste dos outros atores institucionais, ela também tornou evidente o risco de que este assuma para si esta tarefa de maneira exclusiva. E como decorrência direta desta conclusão, em um processo que se assemelha à construção de uma confraria, os ministros parecem tomar para si a responsabilidade de serem mártires da causa do presidente.

Ao assumirem, portanto, um posicionamento que é visto de maneira perplexa por alguns, mas que é efetivamente louvado pelo núcleo duro do governo, é possível conjecturar que estes se colocam em posição de destaque diante da liderança. A questão que cabe, portanto, é saber se tal movimento é motivado por pura fidelidade personalista ou se há uma crença na ideia de que a confrontação tem um fim em si mesma. Caso a resposta esteja na primeira das hipóteses, a capacidade de aderência e liderança do presidente criou um núcleo de seguidores que possivelmente não irá esvanecer após o mandato. Porém, se a resposta se encontrar no segundo ponto, possivelmente se desenhará no horizonte um futuro permeado pelo crescimento de tumulto e desordem.

E, neste sentido, quaisquer que sejam os caminhos a serem tomados, de fato se requererá daqueles que desenham o fortalecimento da democracia nacional uma retomada de hábitos mais civilizados. Afinal, como a própria literatura de democratização demonstra, não há estabilidade política que sobreviva a um processo constante de desgaste e incivilidade.


O post Código de Conduta apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Sobre a Democracia e seus inimigos https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/sobre-a-democracia-e-seus-inimigos/ Thu, 16 Sep 2021 13:09:20 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/sobre-a-democracia-e-seus-inimigos/ Na semana em que se comemora o dia da Democracia, se faz importante construir uma reflexão acerca dos ganhos, desafios e, sobretudo, daqueles que se colocam como inimigos do prédio democrático no Brasil e no mundo

O post Sobre a Democracia e seus inimigos apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Um governo do povo, pelo povo e para o povo. A definição de Abraham Lincoln acerca do que é uma democracia é amplamente conhecida. E se de maneira muito objetiva as características levantadas pelo décimo sexto presidente dos Estados Unidos da América dão um bom ponto de partida para esta reflexão, é importante também ter em conta que o século XXI tornou a construção e o aprimoramento de governos democráticos em grande desafio. De um lado, a infodemia e a sobrecarga sensorial por ela provocadas abrem espaço para todo tipo de distorção acerca do que é soberania popular.

De outro lado, o populismo turbinado pelas facilidades da hiperconectividade ganhou uma enorme capacidade de tirar do foco questões importantes e lançar luz sobre miragens conspiracionistas de toda ordem. O impacto dos grupos de mensagem sobre as interpretações da realidade do cidadão comum é algo estudado por antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, e se em determinado sentido já se consegue compreender os impactos destas ações sobre as engrenagens da democracia, ainda há uma dificuldade no avanço prático de medidas que impeçam a degradação do prédio democrático.

A  tecnologia vem sendo utilizada por grupos antidemocráticos como instrumento de ataque à soberania popular política
A tecnologia vem sendo utilizada por grupos antidemocráticos como instrumento de ataque à soberania popular política. Foto: Reprodução (Shutterstock)

O conceito de degradação, por sua vez, é peça fundamental na compreensão dos desafios de uma democracia representativa no século XXI e o papel dos seus inimigos. O primeiro ponto a ser levado em consideração é o fato de que, especificamente em um país como o Brasil, onde o curso da história republicana sempre foi marcado por soluções de força e autoritarismo, há uma relação dúbia da sociedade com o autoritarismo. Em um plano, encontram-se aqueles que romanceiam as soluções de força, como se estas em nenhum momento pudessem tirar deles suas próprias liberdades.

Esta percepção, se mostra equivocada em todos os âmbitos, e, sobretudo, em termos empíricos quando se observa que quanto mais autoritário é um regime político, maior é sua sanha para a arbitrariedade e a perseguição gratuita. Neste aspecto, mesmo em situações nas quais o autoritarismo permite ganhos econômicos de alguns grupos, não há garantia de que o indivíduo que prosperou terá o direito de usufruir de sua riqueza, tendo em vista que esta passa a ser tutelada pelos amigos de posse do poder político. Tal percepção é importante, sobretudo em um país como o Brasil, onde a desigualdade e a ineficácia das políticas públicas geram a sensação de falta de pulso e ordem para que a nação alcance seu destino.

No caso brasileiro, é possível afirmar categoricamente que a democracia nos tornou consistentemente mais prósperos que períodos autoritários. Por uma razão muito simples, os experimentos democráticos, sobretudo, a partir de 1988 introduziram uma lógica civilizatória que permitiu ao longo das últimas décadas a construção de uma base de estabilidade econômica e política que oferece aos investidores aquilo que eles mais desejam: previsibilidade regulatória. Isto é importante de ser colocado em perspectiva, sobretudo, pelo fato de que contrariamente aos democratas, autoritários adoram reificar uma ação como sendo o símbolo de transformações que normalmente possuem um escopo limitado.

A compreensão desta dinâmica leva, obrigatoriamente, à reflexão de onde se encontram os amigos da democracia. Ao barulho que aqueles que flertam com o autoritarismo costumam fazer, se contrapõe o silêncio daqueles que acreditam na validade da regra democrática. E talvez este seja no atual momento o maior inimigo da democracia brasileira, o fato de que aqueles que a apreciam não conseguem de fato erguer sua voz e construir consensos em sua defesa. Em um mundo onde as ameaças à ordem democrática saem de telefones celulares e não de tanques, é fundamental compreender que a defesa da democracia deve se fazer de maneira ativa e consistente, sob o risco de que o silêncio alimente nos defensores do arbítrio a percepção de há um salvo conduto para suas ações desarrazoadas.

O post Sobre a Democracia e seus inimigos apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Por quem os sinos dobrarão no 07 de setembro? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/por-quem-sinos-dobrarao-07-de-setembro/ Thu, 02 Sep 2021 13:52:01 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/por-quem-sinos-dobrarao-07-de-setembro/ Não há nada mais perigoso para um ambiente de liberdades individuais plenas que assunção de crenças políticas como uma verdade absoluta. O risco de transformar um posicionamento em profissão de fé é a banalização da ideia de que vale o uso de qualquer artifício para se derrotar o rival político, transformado em inimigo em um campo de batalha

O post Por quem os sinos dobrarão no 07 de setembro? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Qual o limite da crueldade humana em nome de uma causa? Que tipo de barbaridade pode ser justificada a partir de uma crença ferrenha em uma ideologia? Muitas são as tentativas de responder tais questionamentos, de Erich Fromm à Hannah Arendt, não foram poucos os pensadores que buscaram compreender a construção do arbítrio ideologicamente justificado. Entretanto, dentre os vários caminhos possíveis para compreender o peso da violência justificada e a imbecilidade que envolve instigar a guerra, ninguém parece ter sido tão feliz quando Ernest Hemingway em seu retrato literário da Guerra Civil Espanhola intitulado “Por Quem os Sinos Dobram”.

Ao narrar a trajetória de Robert Jordan como um voluntário nas brigadas republicanas durante o conflito espanhol, Hemingway se presta a dois serviços: o primeiro é o exercício autobiográfico de expiação dos demônios encarnados por ele visualizados durante seu tempo de engajamento na luta fratricida. O segundo, mais importante para este texto é o de tecer um retrato bastante cru dos impactos negativos que homens empoderados por causas podem causar na vida de cidadãos comuns.

Obra 'Por quem os sinos dobram?', de Ernest Hemingway.
Obra ‘Por quem os sinos dobram?’, de Ernest Hemingway. Foto: Reprodução (Divulgação)

Neste sentido, a descrição da crueldade e da violência perpetrada tanto por franquistas quanto por republicanos é um alerta importante àqueles que a espada é possível construir um cenário de paz sobre um exército de cadáveres. Esta reflexão em específico parece bastante importante para o Brasil atual. Sobretudo quando homens públicos que buscam se travestir de figuras míticas convocam seus fiéis para demonstrações de força que podem se transformar em verdadeiros abatedouros de vidas humanas.

O fato é que se a democracia permite a expressão de ideias e a concorrência destas em prol de angariação de preferências, é necessário também compreender que esta liberdade pode ser utilizada para destruir direitos. O país hoje se encontra diante de uma série de encruzilhadas e, tal qual a Espanha pré-guerra civil. A instabilidade política, a falta de confiança na capacidade das instituições em solucionar problemas e, sobretudo, a tentativa de lideranças autoritárias de se colocarem como focos exclusivos de solução de problemas criam um precedente perigoso que alimenta sentimentos negativos e banaliza a ideia do direito de existência do diferente.

A confusão que propositalmente se estabelece entre liberdade de expressão e irresponsabilidade de expressão tem um propósito, a ideia de incutir medo, instabilidade e banalização da violência como instrumento de pacificação. Neste sentido, Popper definiu de maneira bastante precisa a necessidade de que as sociedades democráticas têm de reconhecer com facilidade seus inimigos e criar mecanismos dentro da lei para que eles sejam cerceados na sua tarefa de destruir liberdades e provocar o caos social.

Aqui faz-se importante compreender que a questão não é de posicionamento progressista ou conservador. O cerne está no compromisso feito de respeitar as regras do jogo democrático e compreender que nenhum individuo é superior a elas. Porém, se os indivíduos investidos de funções institucionais, sobretudo aqueles em posição de deter o arbítrio e a erosão do prédio democrático se omitem, o risco de excessos justificados em salvacionismos de ocasião cresce na mesma velocidade que o exercício repetitivo de propagação da falácia e da transferência de ônus causados por omissões.

Diante do fato irremediável de que não haverá moderação ou bom senso dos indivíduos envolvidos na convocatória ao conflito, fica aqui o apelo àqueles que são indivíduos comuns e que, por consequência, serão os mais diretamente afetados pela violência das grandes causas libertadoras. Não se torne uma presa fácil daqueles que propagam o caos sob a justificativa de que será alcançado um paraíso na terra. Afinal, para aqueles que mandam os jovens e incautos à morte, a vida já é um elísio terrenal desde que seu poder seja mantido ao custo da vida e dos sacrifícios alheios.


O post Por quem os sinos dobrarão no 07 de setembro? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
As instituições são pessoas https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/as-instituicoes-sao-pessoas/ Thu, 26 Aug 2021 00:49:22 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/as-instituicoes-sao-pessoas/ O maior dilema da crise política que vivemos está manifesto na realização de que os entes institucionais, ao serem pessoas como nós, estão submetidos a paixões e apegos pouco nobres

O post As instituições são pessoas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Como os ponteiros de um relógio, o debate acerca da democracia no Brasil toca no papel das instituições ao menos duas vezes ao dia. Porém, o quanto deste diálogo está livre de juízos de valor ou de preconcepções eivadas de idealismo ou desejo? O fato é que sempre que se faz uma reflexão acerca dos níveis de ameaça ou do compromisso que determinados atores têm ou deveriam ter com as regras do jogo, se avança no sentido de dialogar acerca do funcionamento ou não das instituições nacionais. Este diálogo, que pode tornar-se muito abstrato em determinados momentos, parece escapar propositalmente de um componente bastante importante: as instituições são as pessoas que nelas estão investidas.

Partindo desta premissa, é possível, portanto, construir e responder a uma série de perguntas estruturantes que motivam esta reflexão. Em primeiro lugar, por qual motivo a adesão às regras do jogo democrático parecem ser tão frágeis na terra brasilis? Em segundo plano, como os indivíduos lidam com o dilema da relação entre seus próprios interesses e seu papel institucional? E, por fim, mas não menos importante, qual é o gatilho que leva um indivíduo em uma posição de poder a silenciar ou agir em defesa da instituição que representa?

Muito provavelmente, as três perguntas acima merecem uma coletânea. Contudo, diante da rapidez com que os eventos transcorrem e que a instabilidade toma conta do cenário político, vale a tentativa de resposta de forma sumarizada. Na resposta ao primeiro questionamento, cabe ressaltar que, historicamente, há uma relação de descompromisso do brasileiro com as regras do jogo. Partindo-se desta premissa, trabalhada intelectualmente por pensadores como DaMatta e Faoro, é possível compreender que os períodos de estabilidade institucional são escassos e que tendem a ser interrompidos de maneira abrupta por soluções de viés autoritário.

Este autoritarismo personalista, por sua vez, é uma tendência de longo prazo no curso da história política nacional. E aqui parece residir uma diferença importante entre uma democracia de média para baixa qualidade como a brasileira, em comparação a outras com maior resiliência institucional. No Brasil, para o nosso infortúnio, ao fim e ao cabo, diante de uma realidade em que se enxerga a regra como um inimigo comum, a melhor forma de sentir-se especial diante da vida é construir ações de quebra do combinado.

A regra do jogo pode sim ser injusta. Regras que impedem mulheres de serem livres em suas escolhas, ou que permitam que um indivíduo tenha propriedade sobre outro, devem ser erradicadas. Contudo, se partimos do princípio de que a Constituição de 1988 criou um modelo de base comum que permite que a disputa de poder seja jogada dentro das quatro linhas da Constituição, a pergunta é: por que tamanha vontade de mudar a regra do jogo a todo instante?

E aqui se faz importante um exercício de honestidade intelectual e histórica: este não é o momento em que a regra começou a ser alterada. Na verdade, as regras e processos de alteração à Constituição estão vinculados à sua promulgação. As centenas de alterações distorceram a regra do jogo em vários sentidos e alimentaram um sistema cujas criaturas hoje enxergam-se como portadores do direito divino de alterarem o campo de jogo com o objetivo de se perpetuarem no poder. Neste sentido, a ideia de que o jogo como um todo é bastante frágil e sujeito a paixões individuais é uma construção intelectual que encontra respaldo na realidade.

Esta percepção de que o “eu” vem antes do “nós”, acaba gerando em indivíduos em posição de poder um inconformismo com sua própria sazonalidade. Afinal, pensam eles, se a letra da lei não me fornece a perenidade que eu almejo, basta simplesmente que eu altere a lei. E complementam: ora, se a concepção de que a posse da pena é o atributo necessário para mudar o seu próprio destino da forma que melhor lhe aprouver, não há necessidade clara de seguir uma regra que é anacrônica ao me afastar daquilo que é exclusivamente meu por direito.

O hedonismo reinante que cria o anacrônico hábito do indivíduo de confundir-se com a cadeira que ocupa é o cavalo de batalha que desconstrói as colunas que sustentam o templo da democracia. A solução, contudo, parece longe de se encontrar. Afinal, se as instituições são as pessoas, é preciso que os cargos institucionais estejam ocupados por entes que desejem soluções consensuadas aos problemas. Sobretudo, pelo fato empiricamente provado de que em sociedades complexas como a brasileira, não há solução fácil para problemas de difícil solução.


O post As instituições são pessoas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O que o futuro nos reserva? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-que-o-futuro-nos-reserva/ Thu, 19 Aug 2021 19:50:35 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-que-o-futuro-nos-reserva/ É importante lembrar que vivemos um momento político derivado de uma enorme desilusão com a realidade. O produto desta desilusão se materializou em uma lógica antissistema.

O post O que o futuro nos reserva? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Tenho reservado algum tempo da minha agenda para dialogar com jovens estudantes ao redor do país. Mais do que um exercício de responsabilidade corporativa, é a oportunidade de aprender mais sobre os medos, anseios e desejos de uma juventude intelectualmente efervescente. Cada uma dessas conversas tem sido ricas em aprendizados, visões e perspectivas, porém, a parte mais importante e a pergunta mais recorrente que me fazem é: o que o futuro nos reserva?

E diante do fato de que a incerteza é um elemento importantíssimo em qualquer exercício de análise, este texto busca oferecer um panorama de futuro passado. Esta expressão, cunhada pelo pensador alemão Reinhardt Kosseleck, permite construir um panorama de futuro a partir daquilo que o passado nos traz até o presente. Em termos didáticos, o objetivo é projetar um cenário para o nosso amanhã a partir daquilo que o ontem nos apresentou até agora.

É importante lembrar que vivemos um momento político derivado de uma enorme desilusão com a realidade. O produto desta desilusão, que é o divórcio entre a cidadania e o sistema político, se materializou em uma lógica antissistema. Representantes foram eleitos e alçados ao poder com a missão de desconstruir o prédio erigido pela Constituição de 1988, e mesmo que uma parte considerável das pessoas não tivesse ideia concreta daquilo que seria colocado em seu lugar, fez a aposta de que o amanhã seria melhor.

E o amanhã trouxe desafios maiores do que aqueles previstos em quaisquer cenários. Para além dos embates políticos tradicionais, que se tentou aplacar com discursos e narrativas, a Covid-19 serviu para lembrar a todos o quão vulnerável é a existência. A implacabilidade da pandemia para além do estigma de morticínio global, serviu na Terra Brasilis para realçar as fragilidades de nossas escolhas governamentais e dos desenhos institucionais até aqui constituídos.

Negacionismo, narrativas e frases de efeito foram incapazes de disfarçar a ineficácia das estruturas de governo e de estado em lidarem de maneira eficaz com a tragédia humanitária que se abateu sobre todos nós. A resultante, realçada pelos discursos desfocados da realidade junto a uma incapacidade de demonstração de humanidade gera espécie em alguns ao mesmo passo que alimentam nos que passam fome a certeza de que os políticos, as instituições e a lei não se importam com seus destinos.

Essa descrença, por sua vez, é o veneno que tende a lentamente consumir o tecido social que nos une. Enquanto as atenções do mundo se voltam para a tragédia afegã, não deixa de ser crítico pensar no baixo nível de compadecimento com a nossa própria tragédia. Esta, por sua vez, não vinculada apenas a um mandatário ou representante político de ocasião, mas, fruto de uma tragédia coletiva, bem amarrada e arquitetada ao longo de nossa trajetória histórica, social e política.

A construção de um futuro que escape da tragédia é, portanto, um exercício de ruptura com algumas características que têm marcado fortemente o debate público atual. E aqui se propõe que o abandono do radicalismo, do rancor e do confronto são fundamentais para abraçar o novo. Se isto, por sua vez, não for possível no atual momento, caberá à cidadania se organizar e construir uma lógica de demandas o mais cedo possível para que os representantes compreendam que são servidores públicos. E como tal, por mais que tenham interesses particulares, possam atender às demandas do público. Afinal, se o passado é uma lembrança e o futuro é uma miragem, cabe aqueles que vivem o presente construir um amanhã mais auspicioso se aproveitando das lições recebidas e projetando uma lógica nova de interação com a realidade.


O post O que o futuro nos reserva? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A Vitória Pírrica da Democracia Brasileira https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-vitoria-pirrica-da-democracia-brasileira/ Thu, 12 Aug 2021 16:34:01 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-vitoria-pirrica-da-democracia-brasileira/ O Rei Pirro de Épiro legou à história o ensinamento de que algumas derrotas são travestidas de vitórias. E ao pensarmos sobre os últimos dilemas e embates da democracia no Brasil, é impossível não fazer essa analogia

O post A Vitória Pírrica da Democracia Brasileira apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Nos idos da Grécia Antiga, o Rei Pirro de Épiro venceu os exércitos romanos por duas vezes. Essas vitórias, entretanto, custaram caro ao Rei. O resultado das batalhas travadas foi o aniquilamento quase que completo de suas forças, e uma visão mais panorâmica deste momento histórico nos mostra as lições que foram dele derivadas. Sobressaiu-se como espólio de guerra a cunhagem da expressão “vitória Pírrica” que, atualmente, faz referência às derrotas travestidas de vitórias. Esta breve introdução serve para ilustrar uma reflexão importante sobre os caminhos da democracia nacional e suas encruzilhadas.

Ao se fazer o necessário aprofundamento desta reflexão, torna-se lugar comum refletir sobre os acontecimentos das últimas semanas em Brasília. De um lado, pela primeira vez em muito tempo construiu-se uma vocalização quase uníssona por parte do Judiciário contra os arroubos autoritários do Chefe do Executivo. De outro lado, o Legislativo, num misto de acomodação de interesses e reforço de suas prerrogativas, assumiu para si a tentativa de colocar um ponto final nas discussões sobre o voto impresso.

Busto de mármure do Rei Pirro de Épiro, de Carlsberg Glyptotek
Busto de mármore do Rei Pirro de Épiro, de Carlsberg Glyptotek. Foto: Reprodução (Commons)

A vitória dos defensores da urna eletrônica surpreendeu alguns, não pelo fato da Proposta de Emenda à Constituição 135/2019 ter sido rejeitada, mas, sobretudo, pelo número de votos favoráveis ao texto. 229 votos, este é um número importante para compreender os desafios do país e a forma como a polarização política tomou de assalto o debate político nacional. Pressionados por um grupo da sociedade que a cada dia confia menos nas instituições, estes parlamentares assumiram a prerrogativa de que apoiar um projeto bastante peculiar era o melhor caminho para assegurar uma sobrevivência político-eleitoral.

Este movimento de sobrevivência de vários representantes e o impacto de suas necessidades sobre espíritos desacostumados com o pragmatismo da política, permite a construção de um diagnóstico acerca da realidade. E esta se impõe ao permitir o vislumbre de que, em uma situação de guerra, a verdade parece ser a primeira vítima. E, para esclarecimento, é importante lançar um questionamento: qual é a verdade na questão do sistema eleitoral? Em termos de dados e evidências, é possível afirmar que, apesar de vídeos e correntes de WhatsApp, até o presente momento não foram apresentadas evidências concretas de fraude nos processos eleitorais realizados no Brasil desde a implantação massiva do voto eletrônico em 1996.

De toda maneira, todo cidadão politicamente engajado possui o direito de solicitar um aprimoramento do sistema político e das regras eleitorais. O problema, contudo, está no fato de que, em meio a esta solicitação legítima e democrática, há um número considerável de atores que não necessariamente se importam com o aprimoramento das regras do jogo. Ao contrário, preferem que o jogo seja terminado e que o resultado de suas ações permita o avanço de ações e estratégias que nada tem a ver com o aprimoramento do sistema político.

Diante deste cenário de bastante confusão e agressividade, portanto, é natural que ambos os lados comemorem vitória. O ponto, porém, é que diante daquilo que foi visto pela cidadania na noite da última terça-feira, a democracia encarna o papel do Rei de Épiro. Afinal, com a evidente falência da capacidade de uma série de atores institucionais em compreender seu papel e responsabilidade, a marcha de empobrecimento da qualidade das instituições parece ser um curso sem volta.

Ao observar o campo de batalha, que parece manifestar uma breve trégua antes do próximo embate, é possível perceber que o cenário de terra arrasada que empurra os mais pobres ao abismo da incerteza é uma verdade concreta. E diante da insensibilidade daqueles que deveriam colocar as paixões de lado para resolver problemas, corre-se o risco de ver aquilo que importa, a democracia, ser sepultada antes mesmo de atingir sua plena maturidade.


O post A Vitória Pírrica da Democracia Brasileira apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O cinema, a política e a morte https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-cinema-a-politica-e-a-morte/ Thu, 05 Aug 2021 12:14:18 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-cinema-a-politica-e-a-morte/ Em momento que as atenções se dividem entre o incêndio na Cinemateca e a incandescente troca de farpas entre Bolsonaro e Barroso, vale refletir sobre as similitudes entre o clássico “O Sétimo Selo” e aspectos da ainda atual realidade pandêmica no Brasil

O post O cinema, a política e a morte apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A sétima arte oferece instrumentos singulares de interpretação dos desafios da existência humana. Vários são os filmes que ao longo do tempo foram percebidos como experiências inequívocas de interpretação de dilemas dos mais diferentes matizes. Dentre estes, chama atenção o clássico “O Sétimo Selo”, do magistral Ingmar Bergman. Nesta obra, derivada de uma peça teatral bastante consagrada, vemos a jornada de dois homens, o cavaleiro Antonius Block e seu escudeiro, Jons.

Ao retornarem para casa após a participação em uma das Cruzadas, os protagonistas são surpreendidos por uma Europa devastada pela Peste Bubônica. A estupefação diante do fato de que a morte os persegue, dá espaço para o vislumbre das formas distintas com que cada um deles enxerga suas existências e o possível final de jornada na Terra. Aqui, ressaltam-se dois elementos importantes de contraste. Enquanto Jons tem um olhar cético sobre a vida e o pós-vida, encarando-a apenas como um vazio que decorre do sofrimento encarnado, Block é atormentado pelas incertezas de suas escolhas e de um certo desespero contido no fato de que o único ente sobrenatural que se manifesta para si é a morte.

Clássica cena representativa da obra 'O Sétimo Selo' (1957), do diretor sueco Ingmar Bergman.
Clássica cena representativa da obra ‘O Sétimo Selo’ (1957), do diretor sueco Ingmar Bergman. Foto: Reprodução (Redes)

Diante de todo o poder e majestade com que um cavaleiro é criado, Block assume uma atitude de aferrar-se à vida com unhas e dentes. Esta posição, manifesta na partida de xadrez entre o Cavaleiro e a Morte, não deixa de demonstrar uma certa covardia diante do futuro. O desalento que caracteriza Jons é uma demonstração do estado de desamparo em que o subordinado se sente diante da realidade. Traçando um paralelo com o país que vivemos, é possível dizer que uma parte considerável da sociedade, principalmente os mais pobres, sente-se conformada e desamparada diante da morte que se tornou uma variável cada dia mais forte no cotidiano nacional.

O Brasil mata muito e a mãe gentil dos filhos deste solo é pródiga em prover meios para que seus frutos possam viver em prosperidade. A percepção desta prodigalidade em momento de tempestade perfeita, tem transformado o cidadão médio brasileiro em uma caricatura mixada de Antonius e Jons. Pois, ao mesmo tempo que busca apoio do Leviatã diante das monstruosidades representadas pela pandemia, a fome e o desemprego, internaliza que este não se preocupa com nada que não sejam seus próprios interesses.

Neste aspecto, não deixa de ser interessante observar os últimos desdobramentos da cena política. Ao mesmo tempo em que se desenvolve a passos largos uma série de elementos críticos para o futuro da República e da democracia nacional, questões prioritárias são postas em segundo plano, tais como o aceleramento da vacinação, a criação de uma lógica de doses de reforço contra a covid-19 e a retomada econômica. Com o debate público permeado por enorme confusão, resta aos cidadãos apelarem a si mesmos e rogarem ao universo a melhoria de seus destinos.

Diante da inércia da tomada de decisão em focar suas energias no principal, percebe-se uma enorme dificuldade destes de compreender os desafios que a realidade impõe para milhões que estão neste exato momento sendo vitimados por fome, desemprego, ou pela pandemia. Cabe ressaltar que este imobilismo é fruto do choque de vaidades de homens preocupados em jogar xadrez com a morte alheia e a tempestade perfeita em que estamos inseridos resguarda um futuro sombrio. A incapacidade dos cavaleiros da pós-modernidade, investidos de poderes políticos, de compreender o verdadeiro sentido de sua missão, é, portanto, prenúncio do aprofundamento de uma tragédia que se consolida a cada dia.

A partida de xadrez sem fim que este país joga com a morte, cujo diagnóstico até aqui soma mais de 550 mil derrotas para cada um de nós, é o sinal de que é necessário iniciarmos agora aquilo que desejamos. Caso contrário, o resultado de nossos esforços será, em futuro próximo, apenas aquele de tentar cobrir nossos rostos da vergonha de termos falhado não apenas com aqueles que se foram de maneira fútil, mas, sobretudo, com aqueles que sobreviveram à covid-19, mas foram consumidos pela sua onda de choque.


O post O cinema, a política e a morte apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Quem manda? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/politica-quem-manda/ Thu, 29 Jul 2021 17:53:57 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/politica-quem-manda/ Refletir acerca do poder e de suas atribuições é um desafio que se coloca para a Ciência Política e para a literatura. Usando João Ubaldo Ribeiro como referência, buscamos responder quem manda no governo Bolsonaro pós-reforma ministerial

O post Quem manda? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Quem manda, por que manda, como manda é uma obra do romancista João Ubaldo Ribeiro. O título expressa de maneira consciente os desafios de compreensão das relações de mando na mais intensa das atividades humanas, o relacionamento político. E se em largo escopo, a política já é por si desafiante, quando colocamos a lupa sobre um horizonte confuso e polarizado como o brasileiro, tal tarefa se torna ainda mais dramática.

Ao mesmo tempo que se faz a devida deferência ao autor, este texto se esforça em compreender uma característica marcante da Presidência da República em tempos modernos. A necessidade da repetição frequente de expressões que remetam à posse de poder político pelo Chefe do Executivo. Do exercício de marketing simbólico que se remete à posse da caneta, ao uso de termos menos elegantes, tornou-se lugar comum a evocação do mantra de que o poder é exercido de maneira exclusiva pelo presidente. Contudo, uma observação em perspectiva dos últimos movimentos políticos da capital permite a internalização de componentes distintos desta lógica ao longo do tempo.

Bolsonaro colocando em evidência sua caneta, marketing simbólico do poder.
Bolsonaro colocando em evidência sua caneta, marketing simbólico do poder. Foto: Marcos Corrêa (PR)

Se em 2019 víamos um presidente endossado por uma vitória eleitoral, bastante reticente em fazer concessões aos grupos políticos tradicionais, 2021 coloca uma nova dinâmica em jogo. A chegada do senador Ciro Nogueira (PP-PI) à Casa Civil endossa não apenas um renascimento do presidencialismo de coalizão, mas coloca de súbito o poder nas mãos do Centrão. Em uma digressão de um grito de guerra muito popular em outros tempos, é possível dizer: “Todo poder aos políticos profissionais”.

Este giro pragmático de Bolsonaro é a prova cabal que política não é espaço para amadores. Se os teóricos da conspiração, negacionistas e ideólogos do caos foram bastante úteis ao presidente em sua marcha em direção ao Planalto, fica público e notório a cada giro do relógio, que a capacidade de entrega de resultados destes, inversamente proporcional à capacidade de produzir sofismas, é a maior responsável pela colocação do governo em uma situação de degradação de popularidade bastante aguda.

A chegada de Ciro Nogueira, portanto, constrói uma espécie de triunvirato político em que o novo Chefe da Casa Civil se une ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Ministro das Comunicações no esforço de dar governabilidade a um governo que perde tempo precioso em questões bizantinas. O fato é que diante da tragédia humanitária que envolve o país em uma tempestade perfeita – pandemia, desemprego e fome em larga escala – o Palácio do Planalto precisa reagir rapidamente para que Bolsonaro seja minimamente competitivo em 2022.

E a reflexão sobre competitividade leva necessariamente à pergunta inicial deste texto: Quem manda? Uma resposta óbvia a este questionamento está na observação da regra constitucional, onde fica claro que a Chefia do Executivo está a cargo do presidente da República. Contudo, ao observarmos os desdobramentos da história da República Constitucional de 1988 é perceptível a construção de um padrão em que, quando maior a capacidade do mandatário de distribuir poder, maiores são suas chances de sobrevivência.

Bolsonaro, político profissional eleito sob a promessa de refundar o sistema, até aqui não conseguiu de fato construir uma lógica de governo que reinventasse a roda. Ao contrário, aparte os arroubos autoritários, que vocalizam entre os fiéis de uma causa irrealizada, o governo se esforça desde algum tempo em distribuir poder sem colocar aliados indesejados na primeira fila das fotografias oficiais. E se esta tática funcionou até o início de 2020, a pandemia e a degradação da lógica de governança baseada em confronto, faz com que a realidade assuma função de um rolo compressor que obriga Bolsonaro a fazer concessões para sobreviver.

Ciro Nogueira é, portanto, o mais recente capítulo do esforço dos aliados sistêmicos do presidente de convencê-lo da necessidade de mudança. Dará certo? Difícil dizer. O fato é que o movimento não deixa de guardar semelhanças com o esforço do governo Dilma em contar com um articulador hábil com o objetivo de impedir uma tragédia. A diferença está no fato que Ciro Nogueira possui mandato no Senado Federal até 2027 e, caso Bolsonaro assuma uma postura de fogo amigo, o futuro Chefe da Casa Civil pode simplesmente recuar e reencontrar pouso seguro no Senado.

O elemento central é saber se Bolsonaro conseguirá partilhar responsabilidades com outros atores diante de uma necessidade urgente, a de ser competitivo eleitoralmente. Neste caminho, o sonho acalentado pelo presidente de ser candidato pelo Partido Progressista, depende da forma como seus novos camaradas irão interpretar sua predisposição ao diálogo em comparação ao afeto anterior pela truculência. O Presidente pragmático terá que vencer o personagem de internet a fim de conseguir aquilo que mais deseja, manter a posse da caneta.


Leia também – A política, a linguagem e o vício de conduta

O post Quem manda? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil Entre Gigantes https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-brasil-entre-gigantes/ Thu, 22 Jul 2021 21:12:15 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-brasil-entre-gigantes/ O tempo presente reserva um grande desafio para a diplomacia brasileira, a retomada de uma inserção internacional pragmática e descomprometida com interesses ideológicos de ocasião. Somente isto permitirá a retirada de vantagens comparativas do crescente embate entre os Estados Unidos e a China

O post O Brasil Entre Gigantes apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A disputa hegemônica no século XXI tem se acirrado e o seu principal campo de batalha é a tecnologia. O governo Biden já declarou a China como a adversária mais formidável pela liderança mundial, constituindo-se, na visão norte-americana, na principal ameaça à segurança e à prosperidade dos Estados Unidos. Os chineses estão sendo acusados de promover ataques cibernéticos, inclusive o que afetou a empresa Microsoft e usuários de seus produtos. O atual governo americano também proibiu investimentos em 59 empresas chinesas de alta tecnologia, tais como as maiores fabricantes de equipamentos de telecomunicações e de semicondutores.

O tempo presente reserva um grande desafio para a diplomacia brasileira, a retomada de uma inserção internacional pragmática e descomprometida com interesses ideológicos.
O tempo presente reserva um grande desafio para a diplomacia brasileira, a retomada de uma inserção internacional pragmática e descomprometida com interesses ideológicos. Foto: Reprodução (Flickr).

Nesta semana, o embaixador da China no Brasil, em entrevista a um órgão de imprensa brasileiro, acusou os EUA de praticarem “bullying” tecnológico. No entender do diplomata chinês, o governo americano vem usando da desculpa da segurança nacional para pressionar pelos seus interesses econômicos na disputa tecnológica mundial. Astuto como é, o embaixador não perdeu a oportunidade de recordar episódios de espionagem praticadas pelas agências de inteligência dos EUA, em particular os que tiveram como alvos autoridades brasileiras e de outros países “aliados”.

O analista Gideon Rachman, do Financial Times, publicou artigo interessante em que pergunta se a China realmente quer se tornar uma superpotência. Ele nota que, para a administração Biden, não há dúvida de que os chineses querem esse status e pretendem deslocar os EUA, inclusive de maneira agressiva, da posição de líderes mundiais. Mas Rachman também observa que há custos imensos em assumir uma posição de superpotência e que a China tem sido relutante em assumir certos ônus relacionados a manter presença e bases militares mundo afora, intervir em assuntos que não afetam diretamente seus interesses, bancar o policial do mundo, entre outros quesitos.

De fato, a retórica oficial do Partido Comunista Chinês tem sido a ascensão pacífica da China. O embaixador, na citada entrevista, ressalta que seu país não pretende exportar seus sistema e ideologia, busca convivência harmônica com o Ocidente e respeita a soberania dos parceiros. Claro que isso tudo tem de ser tomado com grão de sal, mas o fato é que os chineses costumam reservar a demonstração de força para o seu entorno, em questões que tocam diretamente a questão territorial e atiçam o nacionalismo chinês, como Taiwan, Hong Kong e as disputas que mantêm no Mar do Sul da China, inclusive com o Japão, além da disputa na fronteira com a Índia.

A China já é a segunda economia mundial e em breve será a primeira. Apesar disso, os EUA seguem sendo a primeira potência, porém com a sensação de declínio relativo. Do padrão de interação e do grau de animosidade entre EUA e China dependerão, em grande medida, os contornos de ordem internacional nas próximas décadas. Em geral, grandes mudanças no sistema internacional derivam de redistribuição de poder na esteira de conflitos armados, mas talvez hoje a disputa, sem excluir a dimensão militar e estratégica, tenha adquirido facetas distintas, com o predomínio da alta tecnologia, em particular “big data”, inteligência artificial, pesquisa quântica, 5G e Internet das coisas. Em todas essas, a China tem capacidade de disputar liderança.

Interessa ao Brasil que a disputa entre titãs não saia do terreno administrável e nem gere rupturas que possam desestruturar cadeias de valor inteiras, produzir desorganização econômica e impactar negativamente o comércio e a economia mundial, já abalados pela epidemia da covid-19. Ainda que o conflito não degenere em algo mais grave, tampouco interessa ao país ser forçado a optar por um dos lados. Com o aumento da tensão, porém, a manutenção de boas relações com ambos os parceiros vai exigir boa dose de pragmatismo e habilidade negociadora. Nada mais urgente, portanto, do que recuperar a boa e velha tradição da diplomacia universalista, vilipendiada nos últimos dois anos pela política externa ideológica que vinha sendo implementada.

O post O Brasil Entre Gigantes apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A política, a linguagem e o vício de conduta https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-politica-a-linguagem-e-o-vicio-de-conduta/ Thu, 15 Jul 2021 14:03:56 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-politica-a-linguagem-e-o-vicio-de-conduta/ George Orwell alertou, no século passado, para as distorções na linguagem política para a defesa do indefensável. No entanto, o autor não imaginou a degradação do discurso político na defesa nua e crua da brutalidade

O post A política, a linguagem e o vício de conduta apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Em um ensaio de 1946, intitulado “A Política e a Língua Inglesa”, George Orwell afirmou que o discurso político consistia na defesa do indefensável. A continuidade do controle britânico da Índia, os expurgos e deportações na Rússia, o bombardeio atômico no Japão poderia em tese ser defendidos, mas, para Orwell, somente com argumento por demais brutais para serem encarados de frente pelas pessoas. Por isso, a linguagem política, ao tentar tornar palatável o que de outra maneira seria intragável, empregava largamente o eufemismo.

George Orwell e sua obra 'A Política e a Língua Inglesa', de 1946.
George Orwell e sua obra ‘A Política e a Língua Inglesa’, de 1946. Foto: Reprodução (Flickr).

A fraseologia permitia promover políticas questionáveis sem constrangimento. Vilarejos arrasados com bombas incendiárias? Chame isso de pacificação. Camponeses roubados de suas terras e deslocados sem ter para onde ir? Chame isso de transferência de população e retificação de fronteiras. Pessoas presas sem direito a julgamento ou enviadas para morrer em campo de trabalho forçado? Isso pode ser chamado de eliminação de elementos indesejáveis.

As palavras de Orwell possuem ainda atualidade, porém não exatamente como o autor talvez fosse capaz de antecipar. A diferença hoje, inimaginável nos anos 1940, é que estamos deixando de lado os pruridos e adotando, muitas vezes, a defesa nua e crua dos argumentos brutais, que passam a ser tragados sem qualquer dificuldade. Quando se quer evitar o argumento brutal de forma direta, usa-se cada vez mais o deboche no lugar do eufemismo. É o caso da defesa da eliminação, sem direito a julgamento, de suspeitos e criminosos, que passou a ser chamada em certos círculos de “cancelamento de CPF”.

Talvez Orwell tenha tido a ilusão de que, ao desmascarar a linguagem vaga, ambígua e eufemística, os receptores das mensagens não suportariam a brutalidade dos fatos, o que teria um efeito liberador e de transformação. Após o trauma da Segunda Guerra, ele provavelmente não conseguiria imaginar uma sociedade que não se escandalizaria com o uso do deboche ou da defesa aberta de métodos bárbaros: da eliminação física e simbólica de opositores à adoção do negacionismo, da rejeição da ciência ao endosso de práticas que colocam em risco a vida das pessoas em meio a uma pandemia.

Se, na época de Orwell, a linguagem política tinha de usar expedientes para mascarar a defesa do indefensável, hoje parece que algumas sociedades – como a nossa – normalizaram, em grande medida, o indefensável, a ponto de encará-lo sem artifícios de apaziguamento da consciência, aceitando-o não apenas como um fato da vida, mas como um objetivo de vida. Se a hipocrisia era a homenagem que o vício prestava à virtude, hoje o vício tem livre curso em seu afã desabrido por ditar os rumos de nossa política, com amplo apoio de estratos brutificados da sociedade, explodindo qualquer resquício de virtude que porventura encontrasse pelo caminho.

De certa forma, a crítica orwelliana pode até parecer ingênua e risível numa época de regressão e colapso de padrões civilizatórios. A linguagem política, despida do eufemismo e da vagueza, assumiu seu caráter brutal sob o aplauso de uma claque que perdeu a vergonha de promover o racismo e a necropolítica, deixando o rastro de jovens negros pobres mutilados e mortos em nossas periferias, mais de 500 mil cadáveres de uma pandemia que não passaria de uma “gripezinha”, instituições de Estado se vergando diante de avanços antidemocráticos, grupos políticos trocando apoio no Congresso por benesses de maneira escancarada.

No lugar de hipocrisia da época de Orwell, temos hoje não uma linguagem política que desmistifica a opressão para promover a justiça e a solidariedade. Estamos no pior dos mundos. Sem os eufemismos de então, a linguagem política assumiu o deboche e a crueza como seu léxico e sua gramática, promovendo a exclusão e a injustiça de maneira aberta, desavergonhada. Ou recuperamos a capacidade de nos indignar diante da barbárie ou teremos de aceitar, resignadamente, a viver num país distópico, não o que existe na literatura, mas o real, feito de famílias destroçadas, desigualdade pornográfica e injustiças viscerais.

O post A política, a linguagem e o vício de conduta apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Por uma luz no fim do Túnel https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/por-uma-luz-no-fim-do-tunel/ Thu, 08 Jul 2021 00:22:51 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/por-uma-luz-no-fim-do-tunel/ Faz sentido pensar um Brasil que há muito deixou cair a máscara de uma democracia racial, de um país que se considera modelo de tolerância e que oferece, pela chamada meritocracia, oportunidades a todos seus filhos que trabalham e lutam?

O post Por uma luz no fim do Túnel apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A sensação crescente é de que estamos à deriva. E, exatamente, por isto, este texto não quer tratar de um fato específico da deprimente realidade que nos cerca. Esses fatos, sejam eles políticos, sociais ou econômicos, são conhecidos, e apesar das tentativas, cada vez mais infrutíferas, de distorcer a realidade por meio de fake news nas redes sociais e grupos de WhatsApp, esta se impõe a cada minuto como uma parede intransponível.

Diante desta constatação, portanto, aqui se propõe um exercício distinto. Será exercitada a negação de repetir os lamentos em forma de mantra, ao mesmo tempo em que se buscarão os elementos que apontem uma saída, uma luz no fim do túnel. E nesta jornada, a primeira pergunta a ser feita é se tal exercício vale a pena diante de tanta desilusão, vidas perdidas e retrocessos civilizatórios. Faz sentido pensar um Brasil que há muito deixou cair a máscara de uma democracia racial, de um país que se considera modelo de tolerância e que oferece, pela chamada meritocracia, oportunidades a todos seus filhos que trabalham e lutam?

O mito desfeito, que colocou o gigante nu diante dos seus filhos e pares no mundo, nos tira o chão. E isto posto, a nossa identidade como Nação e a imagem que tínhamos como visão coletiva de país contrastam com o espelho da concretude, onde vemos refletida uma figura muito diferente, em que prevalece a indiferença, a intolerância e a mesquinharia. Um lugar onde a corrupção faz escola e laivos autoritários de corporativismos de ocasião contaminam a sociabilidade e a política.

Nesse contexto, vale a pena insistir na construção de um país mais próximo da imagem idealizada ou a melhor saída é o aeroporto? Caso a escolha seja pela montagem de um paraíso na terra, o país do futuro de que falava Stefan Zweig, é bom que a aspiração sirva de estímulo, e não de comodismo e inação. É bom que queiramos ser uma sociedade próspera, justa, democrática, mas é ainda mais importante ter consciência da distância a ser vencida para atingir esse ideal. Fundamental também saber que esse destino não está assegurado, nem de longe.

Findado o diagnóstico, é possível dar o primeiro passo na construção de um caminho a ser percorrido. E a partir disto, não é difícil imaginar o quão árduo será o processo de pavimentação desta estrada, uma empreitada que precisa ser coletiva, com a participação das forças vivas da sociedade e seus diversos segmentos. O principal desafio será aprender de fato a respeitar diferenças que nos enriquecem para encontrar um mínimo denominador comum que permita reconstruir um país hoje em frangalhos. Afinal essa construção deve ser obra coletiva e não uma delegação para entes pseudo-iluminados.

Considerando que você quer ser parte desta tarefa, e que há um consenso mínimo sobre as escolhas, pontua-se que isto só fará sentido se for assentado sobre o Estado de Direito, a democracia e a liberdade. E este tripé obriga a que as instituições sejam remodeladas para serem um veículo da aplicação da Constituição e não meras engrenagens das lides partidárias e ideológicas ou de trambiques inconfessáveis. O pacto pela democracia, pelo respeito aos direitos humanos e pela retomada de valores civilizatórios deve ser acompanhado do desenho de políticas públicas efetivas, baseadas em evidências e voltadas a resultados.

Em suma, o processo de recuperar e fortalecer não apenas o compromisso com a democracia, a tolerância e políticas racionais devidamente planejadas e meticulosamente executadas, mas também iniciar a pavimentação dessa longa estrada com os valores da empatia, da ética, da fraternidade e do humanismo. O desafio que se coloca é um verdadeiro resgate moral e racional que o país necessita desesperadamente, para que aquela luz no fim do túnel comece a ser visível lá ao longe. Estaremos à altura desse desafio? Ou sucumbiremos diante da polarização estéril e da inércia dessa nau desgovernada?

O post Por uma luz no fim do Túnel apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O fio e o novelo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-fio-e-o-novelo/ Wed, 30 Jun 2021 23:43:36 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-fio-e-o-novelo/ Seja à direita ou à esquerda, de tempos em tempos o eleitorado, em um comportamento de manada, parece marchar na direção de alguma figura que se coloca como o instrumento de resolução dos problemas nacionais

O post O fio e o novelo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil tem essa propensão atávica a buscar salvadores da Pátria ao longo de sua conturbada história política. É como se buscássemos eternamente uma figura extraordinária, dotada de capacidades únicas, capaz de conduzir a Nação a bom porto. As desilusões em série e as frustrações homéricas, contudo, não foram capazes de desfazer esse mito do líder carismático cujas qualidades excepcionais seriam a nossa chance de redenção. Seja à direita ou à esquerda, de tempos em tempos o eleitorado, em um comportamento de manada, parece marchar na direção de alguma figura que se coloca como o instrumento de resolução dos problemas nacionais. Nada indica que o padrão será rompido no próximo ano.

O atual Presidente da República é também expressão desse fenômeno. Eleito como salvador, com fama de vestal da política, manipulando imagem de impoluto, hoje tem de enfrentar a crise que ameaça desconstruir a figura sobre a qual assentou seu discurso político. Em um roteiro que poderia ser facilmente adaptado por Alexandre Dumas, o Chefe do Executivo parece ter construído em torno de si uma redoma, onde penetram apenas recomendações e conselhos que agradam ao próprio chefe, gerando um afastamento do mundo real, que, no entanto, teima em dar as caras: as mortes evitáveis por Covid-19, a corrupção que ajudam a engrossar as mortes e a falta de rumo das políticas públicas em geral. 

Do lado de fora da torre – uma bastilha de orgulho e vaidade modernista – encontra-se uma nação em ebulição. O Brasil, cantado em verso e prosa como país ordeiro e de pessoas amáveis, encontra-se em uma situação em que os cidadãos não se conhecem e a hostilidade marca cada passo em um caminho que parece encontrar uma catarata seca, afinal são tempos de crise hídrica. E na convergência de tantas crises, sempre surge a pergunta: como viemos parar aqui? Longe de querer esgotar a reflexão, parece que a receita é uma mandala cármica constituída por descrença na regra do jogo, preguiça em construir a melhor resposta possível e transferência de uma responsabilidade coletiva para um ente individual. 

Lembrando de um sucesso literário que busca responder por que algumas nações prosperam e outras fracassam, é possível compreender que o sucesso coletivo não está ancorado em uma liderança iluminada que guia o povo pelo mar revolto. Por mais que de um ponto de vista teológico a alegoria faça sentindo, é importante compreender que, somente quando cada um tem consciência de suas responsabilidades e desafios para com o todo, a representação adquire qualidade. E neste caso específico, o que vemos até aqui em termos de representação é retrato daquilo que vemos nas ruas. 

As autoridades são um reflexo da falta de engajamento da cidadania que, por sua vez, com maior ou menor capacidade, tenta emular o descompromisso de parte considerável dos tomadores de decisão com seus papeis institucionais. Ao fim do dia, com a aproximação de mais um ciclo eleitoral, nos encontramos diante daquele momento em que novamente caminharemos em passos de boiada em direção à porteira dos salvadores da pátria de ocasião. O resultado, provavelmente, já é previsível, porém, diante da nossa incapacidade de fazer autocrítica, seremos dragados pelas fases de encantamento, desilusão e desapego para com a política, num ciclo sem fim que lembra o mito de Sísifo. 

O fato é que, não importando qual seja o governo, a recorrência de escândalos de corrupção ou a repetição da incapacidade da máquina pública de responder eficazmente aos desafios de grandes crises, são apenas o efeito concreto de uma cidadania construída de maneira pouco robusta, da fé exagerada no salvador da Pátria, que terceiriza a responsabilidade de todos. E se há uma saída para esse ciclo vicioso, não há dúvida que passa pelo exercício de responsabilidades individuais e coletivas. Sem isto, seguiremos condenados a viver puxando o fio de um novelo de lã sem saber quando este chegará ao seu fim.

O post O fio e o novelo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Um Brasil que pensa seu lugar no mundo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/um-brasil-que-pensa-seu-lugar-no-mundo/ Thu, 24 Jun 2021 01:10:26 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/um-brasil-que-pensa-seu-lugar-no-mundo/ A capacidade do sistema político de dar respostas e superar a polarização paralisante determinará em boa medida o êxito dos EUA no enfrentamento de desafios globais

O post Um Brasil que pensa seu lugar no mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Em momento tão marcado pela ausência de debates de qualidade, é sempre alentador verificar espaços onde a reflexão de longo prazo se faz presente.  E este é o caso do movimento capitaneado pelos professores da UFMG Aziz Saliba e Dawisson Belém Lopes. Ambos vêm promovendo uma série de seminários virtuais sobre desafios globais das distintas regiões do mundo. Os eventos espelham o tema da Coleção Desafios Globais, que abrange seis volumes e mais de duas mil páginas, sendo cada tomo relativo à uma das macrorregiões do planeta: África, América do Norte, América Latina, Ásia-Pacífico, Europa e Índico.

O que chama a atenção não é apenas o debate de alto nível com pesquisadores, professores e diplomatas, mas a liderança exercida pela UFMG na discussão sobre desafios em um amplo leque de temas, como sustentabilidade, saúde, direitos humanos, novas tecnologias, governança e instituições, educação, cultura e arte. E é fato auspicioso que, apesar da crise em que nos metemos, ainda tenhamos centros de excelência que são capazes de liderar o debate de interesse internacional.

Aprofundando em um dos temas, o seminário sobre América do Norte, realizado em 15/06, tratou de temas importantes para o mundo todo, tendo em vista o peso e o efeito sistêmico das ações dos Estados Unidos da América – ali situados – sobre o globo. O evento contou com a participação de dois acadêmicos canadenses, uma professora norte-americana e um diplomata brasileiro com experiência de campo na região e serviu para corroborar a necessidade de aprofundar as discussões sobre os desafios globais para além das simplificações que tendem a sufocar o debate de alto nível.

Da perspectiva do atual governo dos EUA, como um dos painelistas assinalou, os desafios foram identificados na campanha e nos primeiros meses de governo: a pandemia como uma crise múltipla, com aspectos não apenas de saúde, mas também econômicos e sociais; as tensões raciais; a mudança do clima; e a ameaça aos interesses e valores norte-americanos representados pela ascensão da China, que passa a colocar em questão a liderança dos EUA, em particular no campo da alta tecnologia.

Biden na Cúpula do Clima. Foto: Casa Branca/Adam Schultz
Biden na Cúpula do Clima. Foto: Casa Branca/Adam Schultz

Um ponto de consenso no painel de que os EUA precisam superar a extrema polarização e os dilemas de seu sistema político com vistas a perseguir estratégias minimamente consensuais. A exceção em relação à polarização extrema é a China, tema em torno do qual há consenso suprapartidário. Não à toa o governo Biden acaba de proibir investimentos de norte-americanos em 59 empresas de tecnologia chinesas, inclusive a gigante de telecomunicações Huawei e a principal fabricante de semicondutores daquele país.

O outro tema global por excelência identificado como um dos principais desafios por Biden, a mudança do clima, é minimizado pela oposição republicana, que tende cada vez mais ao negacionismo. Do mesmo modo, a conversa pública sobre racismo nos EUA está cada vez mais carregada de posições extremas. Não foi diferente com a questão da pandemia. Prevaleceram, de início, no governo Trump, ideias exóticas que só não causaram estragos de maiores proporção, em semelhança ao que acontece no Brasil, pela força das instituições, que impediram desatinos maiores. No entanto, as soluções propostas por Biden para a retomada da economia americana diante da atual crise sanitária global e para seu eventual superaquecimento num cenário pós-pandêmico sofrem feroz contestação por parte da oposição republicana.

A eficácia na distribuição de vacinas e os eventuais resultados positivos do pacote econômico de Biden poderiam, em tese, ajudar a acalmar os ânimos, mas isso dificilmente será possível em meio ao aumento da tensão em outras searas, como nos debates sobre racismo, violência policial, leis eleitorais e redesenho de distritos, direito de portar armas, transição energética e economia de baixo carbono. Desafios nacionais e globais se sobrepõem em um contexto de extrema polarização que não diminuiu depois das eleições no ano passado.

A capacidade do sistema político de dar respostas e superar a polarização paralisante determinará em boa medida o êxito dos EUA no enfrentamento de desafios globais, com consequências para sua liderança e para os contornos da ordem mundial no século XXI. Convém acompanhar de perto esse processo e contar com instrumentos analíticos apurados para não sermos pegos de surpresa. Aí reside a contribuição fundamental da Coleção Desafios Globais da UFMG.

O post Um Brasil que pensa seu lugar no mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O que a antipolítica nos ensinou até aqui? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-que-a-antipolitica-nos-ensinou-ate-aqui/ Thu, 17 Jun 2021 12:38:01 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-que-a-antipolitica-nos-ensinou-ate-aqui/ A negação da governança democrática, compreendida pelo diálogo e respeito à diferença, mostra apenas a enorme necessidade da boa e velha arte política

O post O que a antipolítica nos ensinou até aqui? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil não é para amadores. Certamente, você já leu ou ouviu esta frase em algum momento de sua vida. A ideia de que o país é complexo e exige enorme jogo de cintura e resiliência não é nova, porém, os últimos tempos tem sido desafiadores. Desafios novos, tais como a ressurgência da inflação e a pandemia, somam-se à persistência da desigualdade, violência urbana e incapacidade de fornecer educação universal de qualidade para as nossas crianças.

Confronto entre grupos antifascistas e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Confronto entre grupos antifascistas e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução (Vídeo – Redes).

E se a solução ou a busca por solução de cada um desses desafios passa pela política, é possível dizer que a própria tem encontrado dificuldades para sobreviver em tempos tão paradoxais, quanto exóticos. Nossa sociedade gestou a ideia de que a política deveria ser criminalizada, e este movimento até aqui cumpriu seu intento. E como resultado, proliferou a crença falaciosa de que é possível gerir a coisa pública de forma eficaz sem ouvir aqueles para os quais as políticas públicas devem ser direcionadas. O resultado é a proliferação de um ambiente de hostilidade em que brasileiros creem estar em guerra uns contra os outros.

E se a sensação é de guerra, os heróis de ontem tornam-se rapidamente vilões da turba. Tome-se como exemplo a trajetória de Wilson Witzel, construído imageticamente para dar fluidez à lógica de que existiam respostas fáceis para perguntas complexas. Sua ascensão e queda são uma alegoria perfeita do quão “Gattopardesco” o Brasil é. Se quando governador Witzel era um entusiasta da truculência, sua versão sem mandato na CPI da Pandemia se travestiu de defensor da democracia. A mudança de discurso é proporcional ao próprio ostracismo, mas não deixa de dar lições do espaço crítico em que o debate público se encontra.

Explico: a lógica eleitoral impõe desafios e oportunidades àqueles que pleiteiam cargos públicos. Dentre os desafios, o maior deles é compreender o humor do eleitorado e a partir daí construir uma estratégia de fala que conquiste corações e mentes. Já, dentre as oportunidades, a maior é fazer bom uso do poder relacional e institucional obtido pela vitória eleitoral. O ano de 2018 foi o momento em que parte considerável dos cidadãos estava em franco divórcio da representação. O litígio se dava, sobremaneira, pela sensação de traição derivada dos escândalos de corrupção e da sensação de que os atores institucionais não se importavam com o destino dos cidadãos comuns.

A raiva e o rancor que cresceram no peito de parte considerável dos eleitores viraram uma oportunidade para uma série de candidatos. Estes, por sua vez, receberam o enorme desafio de desconstrução de equívocos e direcionamento de novos rumos. E se a primeira parte da tarefa, o exercício de destruição “criativa” é feito com alguma facilidade, a substituição daquilo que não agradava por algo novo parece ser algo muito mais difícil. Ao contrário, até aqui, tirados movimentos histriônicos em redes sociais de ocasião, a nova política e os novos políticos, com raríssimas exceções, não possuem entregas dignas de nota.

E aqui reside a possibilidade de responder ao questionamento do título, até o presente momento a negação da política democrática, vista como arte do diálogo e respeito à diferença, mostra apenas a enorme necessidade destes atributos como meios de solução das crises que se abatem sobre nós. Diante do abismo que a prevalência da ignorância coloca diante de nós, o maior legado possível que podemos dar a nós mesmos é a reconstrução de pontes de diálogo que efetivamente permitam o respeito à diferença e a liberdade de escolhas. A grande lição da antipolítica até aqui é que precisamos e muito da boa e velha arte da política democrática para atravessarmos a tempestade em que nos encontramos.

O post O que a antipolítica nos ensinou até aqui? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A degradação da marca Brasil no mundo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-degradacao-da-marca-brasil-no-mundo/ Thu, 10 Jun 2021 17:16:10 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-degradacao-da-marca-brasil-no-mundo/ O Brasil precisa voltar a utilizar seus ativos para atrair investimentos, ampliar as trocas, criar riquezas, incorporar a inovação

O post A degradação da marca Brasil no mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Alguns poucos países possuem atributos necessários para assumir papel decisivo em processos internacionais, exercendo liderança e influência em temas de interesse regional e global. Os atributos de poder e influência – tais como população, território, recursos naturais – não fazem a diferença por si sós. Estas características devem ser utilizadas com inteligência, estando alinhadas com objetivos de desenvolvimento, bem-estar, ou seja, uma estratégia de lugar no mundo. Na ausência desta percepção, os recursos de poder são facilmente desperdiçados, enquanto o peso econômico mingua e as iniquidades de toda espécie proliferam.

O Brasil tem todas as condições de ser um país decisivo no mundo e na sua região, mas esse destino não está escrito nas estrelas e pode muito bem ser frustrado pela desinteligência de nossa elite política e econômica. O clichê de país do futuro, um futuro que jamais chega, precisa ser definitivamente superado, e isso requer deixar de lado a obsessão coletiva de fabricar monstros imaginários. O resultado desta disfunção cognitiva é que enquanto os monstros reais, tais como, a desigualdade e o racismo proliferam, a sociedade insiste em caçar fantasmas imaginários. 

O dossiê da revista The Economist descreve bem a situação do Brasil de hoje e ilustra como somos vistos no exterior. O país de grande potencial que não consegue realizar sua vocação porque elege os inimigos errados. Nosso inimigo não é a cobiça internacional sobre a Amazônia, mas a falta de articulação de projetos que tornem a floresta de pé muito mais viável economicamente e vantajosa socialmente para todos os brasileiros do que sua exploração predatória. Tampouco constituem ameaças os organismos internacionais e instituições multilaterais, como a OMS, cujos defeitos não incluem a dominação global ou a imposição de obrigações a nós estranhas. Como disse um ex-Secretário Geral da ONU, a organização – e isso vale para outras instituições internacionais – não foi criada para garantir o paraíso, mas para livrar-nos do inferno.

Não precisamos sufocar nossos princípios constitucionais, nosso compromisso com o direito internacional e nem importar conflitos alheios à nossa realidade para comprar um ingresso para o mundo livre e desenvolvido. Somos até aqui uma democracia com personalidade própria e vocação universalista, cujos interesses demandam cultivar a autonomia decisória, a diplomacia e o diálogo plural, em busca de uma ordem internacional equilibrada e regida pelo direito e pelas normas multilaterais. Ao menos essa foi a visão pactuada na Constituição de 1988 e que gostaríamos projetar no mundo. Esta aspiração permanece, porém, enfraquecida diante de uma liderança que afastou o país de sua vocação de líder em matéria de ciência, vacinas, saúde pública, desenvolvimento sustentável, direitos humanos e habilidade diplomática para construir pontes.

A inserção internacional não pode ser apenas um devaneio de cavalaria medieval. E por mais que a retirada da franja lunática do Itamaraty – para usar uma expressão do embaixador Ricupero – gera certo alívio, a política externa não se faz no vácuo e nem pode se sustentar por si mesma. Ela projeta o país que temos e aquele que queremos construir. Nesse sentido, nossa capacidade de influenciar processos decisórios que nos afetam nos tabuleiros regional e internacional seguirá sofrendo as consequências de um país sem rumo e direção, em que a falta de estratégia interna para lidar com nossos problemas limita a capacidade de alcançar objetivos externos.

O Brasil precisa voltar a utilizar seus ativos para atrair investimentos, ampliar as trocas, criar riquezas, incorporar a inovação. Ao revalorizar o universalismo e o compromisso com o direito e o multilateralismo, o país tem todas as condições de aumentar a influência na busca de soluções para desafios globais em áreas como direitos humanos, democracia e paz e segurança internacionais. 

Nada disso será possível, porém, se não fizermos o dever de casa, superando o negacionismo para retomar políticas públicas baseadas em evidências, deixando de lado o populismo e o flerte com o autoritarismo para consagrar a política como debate plural sobre propostas e resultados concretos. Sem esta retomada, seremos apenas um grande depósito em liquidação para investimentos que efetivamente não querem laços profundos com a nossa sociedade. Para usar o título da reportagem da revista inglesa, é preciso que nos afastemos do precipício para onde nossas elites estão nos empurrando carnavalescamente. Antes que seja tarde demais.

O post A degradação da marca Brasil no mundo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
CPI da Pandemia: 30 dias de embates e reflexões https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/cpi-da-pandemia-30-dias-de-embates-e-reflexoes/ Thu, 03 Jun 2021 13:39:22 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/cpi-da-pandemia-30-dias-de-embates-e-reflexoes/ Levando em conta que o espaço da CPI é uma corte política, é importante separar aquilo que a cidadania deseja, daquilo que ela efetivamente tem

O post CPI da Pandemia: 30 dias de embates e reflexões apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Ao aproximar-se de um mês de atividades, a CPI da COVID-19 ofereceu até agora muitos espetáculos midiáticos e uma boa dose bate-bocas homéricos. Além disso, por incrível que pareça, proporcionou também um par de lições para a cidadania e para a representação. 

Independente de quaisquer distinções de ordem política, partidária ou ideológica, momentos como o da CPI dão ao cidadão a possibilidade de um diálogo direto com seu representante. Ao longo dos dias e no decorrer das sessões, tornou-se corriqueira a menção dos representantes ao indivíduo x, y ou z, eleitores que cobraram e fizeram chegar suas demandas. Este comportamento de prestação de contas em tempo real é bastante importante, sobretudo, quando pensamos na gravidade da situação e no fracasso retumbante do Brasil como civilização em lidar com a pandemia. Que os políticos se vejam obrigados a dar satisfação, não deixa de ser elemento aparentemente positivo em meio ao burburinho cacofônico próprio do ambiente parlamentar polarizado.

No entanto, não se deve exagerar no idealismo. Afinal, os representantes presentes no colegiado falam para extratos específicos da cidadania, tendem a reforçar visões que já sabem de antemão agradam seus eleitores tradicionais ou potenciais. E neste aspecto, a percepção vocalizada por um dos representantes de que a “política é superior à ciência” é particularmente reveladora. Do ponto de vista desse político, o importante não são os fatos, mas os votos que pode obter ao repetir noções que confirmam o que seus eleitores supostamente querem ouvir: tratamento precoce cura COVID, distanciamento social e máscaras fazem mal à saúde, vacinas chinesas são suspeitas. São os que defendem que a política é superior à ciência.

Levando em conta que o espaço da CPI é uma corte política, é importante separar aquilo que a cidadania deseja, daquilo que ela efetivamente tem. Todo cidadão que se preze, independentemente de sua posição política, deseja uma solução para a sucessão de crises que se abate sobre o país. Pandemia, desemprego, insegurança e os riscos de apagão elétrico e de retorno da inflação se misturam em uma equação de difícil solução. Porém, esses desejos que são também necessidades urgentes se chocam, na prática, com o comportamento de representantes no sentido de agradar suas bases eleitorais e garantir seus votos no próximo ciclo eleitoral. 

A CPI está evidenciando essa incompatibilidade entre as necessidades da cidadania e uma representação que se alimenta não da solução dos problemas reais, mas do espalhafato e da estridência, cujo objetivo é a notoriedade como ferramenta para a manutenção de uma base eleitoral robusta e competitiva. Isto explica, por exemplo, porque perfis mais técnicos geram menos engajamentos em redes sociais que perfis mais estridentes. Dito de outro modo, os representantes que buscam soluções e convidam a um debate qualificado nem sempre ganham a atenção. O resultado é que a estridência espetaculosa tende a prevalecer sobre o debate embasado.

Esta estridência, que tem correlação direta com interesses eleitorais futuros, explica a renitência de algumas posições, mesmo quando confrontadas com a concretude dos fatos e da ciência. A resiliência negacionista, portanto, tem uma utilidade na consolidação de uma lógica de posições que podem ser vistas como indefensáveis por alguns, mas possuem ressonância em segmentos do eleitorado suscetíveis a teorias conspiratórias ou que desesperadamente buscam por soluções mágicas para problemas complexos. 

Infelizmente, ao nos depararmos com uma realidade que não possui respostas simples para perguntas complexas, percebe-se a criação de um espaço de fuga. Este processo, de negação da realidade, é muito poderoso em uma sociedade marcada por desigualdade, sofrimentos e privação de direitos. O grande risco político que se apresenta para o país em 2021 é perpetuação da negação como uma estratégia de poder. Enquanto o negacionismo continuar sendo recompensado eleitoralmente, será difícil quebrar esse ciclo. E seguiremos testemunhando a substituição da evidência pelo achismo, da medicina pelo charlatanismo, ao passo que a democracia se degrada em demagogia. O resultado é um país que se diverte com os arranca-rabos da CPI, mas permanece doente, pobre, injusto e ainda mais desigual.

O post CPI da Pandemia: 30 dias de embates e reflexões apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Enquanto discutimos cloroquina https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/enquanto-discutimos-cloroquina/ Thu, 27 May 2021 12:46:02 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/enquanto-discutimos-cloroquina/ No âmbito do combate ao maior desafio do século, as desigualdades entre as nações evidenciaram crises que ultrapassam ideologias e esbarram na ignorância

O post Enquanto discutimos cloroquina apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A covid-19 é o maior desafio deste século. Um desafio a um só tempo político, econômico, social e sanitário. Seu potencial paralisante do ponto de vista econômico e a capacidade de sobrecarregar sistemas de saúde por onde passe criou cenas que se perpetuarão em livros de história por longo período. E para além das questões já levantadas, a pandemia revelou também a capacidade e a resiliência de algumas sociedades em comparação com outras.

Ato Nacional #600ContraFome em frente ao Congresso Nacional.
Ato Nacional #600ContraFome em frente ao Congresso Nacional. Foto: Comunicação MST.

Um olhar panorâmico sobre a realidade permite vislumbrar de maneira mais efetiva esse quadro. De um lado, temos os países com a capacidade de produzir insumos médicos, tais como, equipamentos de proteção, seringas, agulhas e as tão desejadas vacinas. De outro, estão aqueles que se tornaram em alguma medida reféns daqueles polos de produção. Ao lançarmos uma observação mais atenta sobre este último grupo, é possível identificar algumas soluções bem-sucedidas que poderiam ser replicadas.

Inicialmente, vale mencionar o caso de sucesso representado por Israel.  A sua proatividade em dialogar e negociar com um grande laboratório permitiu colocar em marcha uma estratégia de rápido processo de imunização de sua sociedade. Em paralelo, não se pode deixar de mencionar os EUA. A administração Biden criou as condições para avançar rapidamente na imunização de sua população, superando obstáculos importantes de ordem logística.

Esses casos de sucesso, porém, contrastam com as dificuldades e fracassos de outros países e regiões inteiras. Na América Latina, temos infelizmente alguns exemplos negativos em que se misturam dois elementos importantes: ausência de evidências para a construção de políticas públicas e a transformação de uma crise sanitária grave em objeto de confrontação política. Brasil e México, cada um em sua esquina ideológica, são casos ilustrativos de como não implementar políticas efetivas de enfrentamento da pandemia.

A situação de carência, confusão e desorganização em alguns países têm oferecido terreno para uma disputa por parte de atores internacionais interessados em aumentar poder e influência. Moscou, Pequim e Washington, cada um a seu modo, tem tentado explorar as vantagens estratégicas de produzirem os insumos médicos e vacinas necessários para a contenção da pandemia. Após assegurar os seus próprios suprimentos, essas potência passam a fazer uso da diplomacia da vacina para ganhar influência, no que alguns observadores chamam de “geopolítica da vacina”.

O Brasil, que tem todo o potencial para ser um ator relevante em matéria de vacinas, infelizmente ficou para trás. Virou um peão no tabuleiro geopolítico global, à mercê de outros países, tanto por falta de investimento em pesquisa internamente, quanto por estratégia equivocada de antagonizar parceiros estratégicos gratuitamente. Some-se a isso o negacionismo e o descompromisso de certos tomadores de decisão com políticas pública baseadas em evidências e temos a receita para um país dependente e sem rumo.

O curto-circuito decisório que marca a gestão brasileira da pandemia tende a cobrar uma fatura alta da sociedade. Para além do irreparável dano causado pela morte de quase meio milhão de brasileiros, falas desarrazoadas, posturas dúbias ou comportamentos isolacionistas tendem a tornar o país presa fácil em uma série de agendas estrategicamente importantes para a retomada da economia em algum momento do futuro.

A tempestade perfeita que assola o país inclui uma crise de imagem sem precedentes, que se inicia com o fracasso na contenção da pandemia, passa pelo pífio desempenho econômico e se consolida na má-gestão ambiental.

Enquanto no Brasil se gasta tempo e recursos públicos discutindo no Congresso a eficácia de soluções manifestamente ineficazes contra a pandemia, partes cada vez mais significativas do mundo se preparam para a retomada econômica. O prospecto para o mundo pós-covid é de crescimento, mas, somente para aqueles que não subestimaram a gravidade da situação, nem o fato de que há apenas um tratamento precoce possível, a vacinação. Ao ignorar tais verdades, a sociedade brasileira acelera sua marcha rumo a uma tragédia que tenderá a envergonhar nossos descendentes e condenar nossos líderes no implacável tribunal da História.   

O post Enquanto discutimos cloroquina apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A política do espetáculo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-politica-do-espetaculo/ Thu, 20 May 2021 00:11:35 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-politica-do-espetaculo/ Ao desejarem serem vistos como heróis de parcelas distintas da audiência, os congressistas correm o risco de trocarem o cumprimento de sua missão constitucional pela simples aprovação midiática

O post A política do espetáculo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia realizada no Senado Federal, é o mais novo sucesso de audiência nacional. Nas últimas semanas, a mídia tradicional, influenciadores de internet e cidadãos comuns têm se debruçado sobre as oitivas e trocam impressões nas redes sociais sobre o evento. Adicionalmente, os atores políticos de ambas as Casas, ao perceberem o interesse público sobre o evento, passam a desfilar suas figuras no colegiado. 

O resultado é a configuração de uma série de novos elementos na relação entre eleitores e parlamentares. De um lado, alguns Senadores, sobretudo, os oposicionistas, se aproveitam da agilidade dos internautas para verificar em tempo real a veracidade das falas de alguns dos depoentes. O relator da comissão, Senador Renan Calheiros (MDB-AL), por sua vez, abriu suas redes sociais para que cidadãos pudessem enviar perguntas direcionadas algum dos depoentes. 

A observação desses movimentos não deixa de ser um respiro democrático, sobretudo, naquilo que aumenta a sensação de pertencimento do cidadão. Porém, ao mesmo tempo, permite a reflexão acerca dos limites da representação política em dar vazão aos interesses da sociedade na atual conjuntura.  Nesse sentido, o risco se concentra na transformação do colegiado em um espetáculo dramatúrgico. 

Randolfe Rodrigues, vice-presidente, Omar Aziz, presidente, e Renan Calheiros, relator da CPI da Pandemia.
Sessão da CPI da Pandemia. Foto: Edilson Rodrigues (Agência Senado).

Ao mesmo tempo em que é louvável a recepção de perguntas ou a abertura para que uma parte da cidadania possa levantar questionamentos aos depoentes e representantes, é preocupante perceber que, em vários momentos, elementos importantes para o debate e a busca de responsabilidades em relação ao manejo da crise sanitária se percam diante do looping retórico e da defesa de soluções xamânicas, já reprovadas pela ciência médica da mais alta qualidade. 

Adicionalmente, merece um alerta o fato de que um número considerável de depoentes entra em sérias contradições em uma situação em que estão comprometidos a dizer a verdade.  Nessa lógica, a preocupação é a de que o colegiado perca efetividade, gerando uma situação em que o rito, a institucionalidade e, sobretudo, a necessidade do compromisso com o fato sejam considerados como menos importantes diante do regozijo da claque. 

A ideia de que os Senadores possam enebriar-se nos humores da população cria, portanto, a ameaça de que os representantes sejam vistos como meros personagens de uma novela de ficção. Ao desejarem serem vistos como heróis de parcelas distintas da audiência, os congressistas correm o risco de trocarem o cumprimento de sua missão constitucional pela simples aprovação midiática. Afinal, se a lógica da dramaturgia interessa mais aos atores políticos que o resultado, é possível dizer que a forma, vista como espetacularização, é mais importante que o conteúdo, visto como busca de respostas eficazes para a tragédia em que nos encerramos. 

À medida que cresçam as expectativas por uma resposta efetiva aos dilemas que a CPI se propôs a investigar, corre-se o risco de que qualquer resposta apresentada que não atenda aos humores de uma cidadania transformada em plateia seja vista como insuficiente. E esta, por sua vez, alimente um desengajamento político com consequências muito graves para toda a sociedade. Em um cenário pessimista, o aprofundamento do divórcio entre cidadãos representantes pode, inclusive, fomentar um processo acelerado de degradação democrática.

O post A política do espetáculo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A democracia e o decoro https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-democracia-e-o-decoro/ Wed, 12 May 2021 23:07:10 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-democracia-e-o-decoro/ O diálogo é um instrumento fundamental de resolução de disputas e que estas, por mais agressivas que sejam, não devem assumir nunca uma lógica de erradicação do outro

O post A democracia e o decoro apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Em mundo marcado pelo excesso de exposição parece fora de moda falar em decoro. Contudo, quando pensamos na representação política é importante ter em mente o papel do rito e da cerimônia. Explico, a democracia é sobretudo um sistema de crenças, isto quer dizer que os indivíduos depositam sua fé e esperança no diálogo em contraposição a outros sistemas que acreditam na solução arbitrária ou violenta das controvérsias. 

A ideia, portanto, de que o diálogo é um instrumento fundamental de resolução de disputas e que estas, por mais agressivas que sejam, não devem assumir nunca uma lógica de erradicação do outro, tem um efeito importante no restante da sociedade. É possível dizer, que em termos ideais, os cidadãos comuns reproduzem de forma quase mimética os gestos, falas e ações das lideranças políticas. Afinal, a liderança é ao fim do dia um referencial de ação e conduta que efetivamente gera admiração ou outras paixões. 

Ora, a partir desta reflexão é possível fazer uma pergunta acerca de qual o impacto no sistema de crenças e valores dos cidadãos quando representantes eleitos se prestam a violência ou a agressão recíproca e desenfreada. A resposta parece óbvia, porém deve ser repetida, há um espalhamento e uma reprodução da ideia de que determinados tipos de comportamento que deveriam estar no passado são passíveis de repetição. 

E a repetição de uma lógica de desprezo pela verdade, pelo diálogo ou, resumidamente, pela regra do jogo democrático, tem como efeito direto a crença de uma percepção de que a democracia não é espaço de resolução de problemas e sim, o elemento que cria problemas de toda ordem. Essa escalada simbólica autoritária que tem tornado o debate público a cada dia menos profundo e mais polarizado, verdadeiro diálogo de surdos, tem um impacto direto sobre a forma como enfrentamos os problemas desta tempestade perfeita. 

Tenhamos como exemplo os fatos ocorridos durante o depoimento do ex-secretário de comunicação do governo. Durante várias horas, a cidadania observou dois movimentos distintos com raras exceções: de um lado um depoente que efetivamente possuía o compromisso de eximir a si mesmo de responsabilidades e de outro, parlamentares que em determinado sentido mostravam-se pouco afeitos a construção de perguntas incisivas. Diante deste cenário, o fim ou melhor, a interrupção da sessão deu-se em momento em que dois Senadores da República trocaram “elogios”. 

Aos observadores externos, retiradas as paixões que fariam vibrar o apoio da militância a cada dia mais travestida de torcida futebolística, fica a percepção de que o processo de tomada de decisão no país está em franca degradação. A incapacidade de construir consensos, agendas de longo prazo ou mesmo, ações que deem uma percepção de melhoria da vida cotidiana de milhões de brasileiros cobra um preço medido em desemprego e outro incomensurável em termos de vidas humanas. 

O fato é que todo ruído hoje em curso tem passado cotidianamente uma mensagem de que as estruturas decisórias não estão aptas a lidar com a gravidade da situação atual. E ao fazerem isto, os representantes inebriados pela sedução do poder podem estar tendo os olhos fechados para a verdade irrefutável de que é apenas na democracia que o legislativo pode exercer suas prerrogativas de maneira eficaz. A falta de consenso seguirá cobrando seu preço enquanto agendas individuais estiverem frente de uma visão de longo prazo.

O post A democracia e o decoro apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A longa jornada de reconstrução da imagem internacional do Brasil https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-longa-jornada-de-reconstrucao-da-imagem-internacional-do-brasil/ Thu, 06 May 2021 13:44:37 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-longa-jornada-de-reconstrucao-da-imagem-internacional-do-brasil/ Nos últimos dois anos e meio, o poder argumentativo do Brasil, condutor da política externa, foi abandonado e substituído por leituras ideológicas da realidade internacional

O post A longa jornada de reconstrução da imagem internacional do Brasil apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, em seu livro monumental “A Diplomacia na Construção do Brasil”, lembra que uma diplomacia, para ser eficaz, depende de três ingredientes essenciais: uma leitura correta da realidade internacional, a existência de uma visão de país, e a capacidade de compatibilizar as necessidades e interesses nacionais com o contexto e as possibilidades internacionais. Ricupero relembrou a fórmula em sua aula no curso sobre história da diplomacia organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Na ocasião, o Embaixador constatou que, nos últimos dois anos e meio, a nossa política externa ficou à deriva, justamente pela leitura totalmente equivocada da realidade internacional e a ausência de uma visão estratégica coerente de país.

O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, autor do livro “A Diplomacia na Construção do Brasil”, de 2017.
O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, autor do livro “A Diplomacia na Construção do Brasil”, de 2017. Foto: José Cruz (ABr).

Mesmo com a mudança recente de chanceler, que deu algum alento à nossa diplomacia, o conteúdo da política externa ainda carece daqueles três elementos para voltar ao leito tradicional de onde nunca deveria ter saído. Ao longo dos anos, argumenta Ricupero, o Brasil consolidou uma identidade ancorada nos interesses e valores do país. A nossa diplomacia projetou um país que se vê como fator de moderação, construção de consensos, construtor de pontes e amante da paz e do direito internacional. Ressalta Ricupero que Brasil não tomou esse caminho apenas por virtude, mas por absoluta necessidade. Desprovidos de poder militar e econômico, tivemos de usar a força do argumento em vez do argumento da força para perseguir objetivos nacionais, como é o caso da consolidação de nossas fronteiras.

Em dois anos e meio, contudo, parte importante do nosso poder brando – baseado no argumento, no conhecimento, na negociação e no exemplo – foi desperdiçado. Ao abandonar linhas mestras de nossa diplomacia e guiar-se por uma leitura ideológica da realidade internacional, o país saiu ao mundo em busca de monstros a destruir, e estes na verdade não passavam de moinhos de vento. Em nome da guerra cultural contra o comunismo globalista, perdeu-se a capacidade de enxergar a realidade dos interesses. Nossa diplomacia tomou um desvio feito de improvisações, queima de pontes, conflitos artificiais e oportunidades perdidas. Com isso, o prejuízo à reputação e à credibilidade do país podem ser irrecuperáveis no curto prazo. Afinal, sempre haverá a dúvida se o país não terá uma recaída, mesmo que volte a ter uma diplomacia normal no curto prazo.

Diante desse panorama, o mais urgente é reconstruir o que puder ser reconstruído, retomando a diplomacia pautada pela Constituição Federal. O presidente do Conselho de Relações Internacionais dos EUA, Richard Haas, tem um livro intitulado “A política externa começa em casa”. De fato, é muito difícil ter eficácia em política externa se o contexto doméstico for dominado por confusão, negacionismo, política ambientais destrutivas, desprezo por valores universais. Na ausência de um projeto de país capaz de galvanizar forças políticas diversas e a população, é impossível ganhar projeção internacional. Da mesma forma, é preciso que a identificação de tendências, desafios e oportunidades no campo internacional não seja ditada pelo sectarismo e por teorias conspiratórias sem base na realidade. É essencial ter uma visão das forças reais que movem o mundo, em busca de oportunidades para o crescimento, a prosperidade e a segurança dos brasileiros.

A ponte entre o projeto de país e a leitura sóbria da realidade internacional é uma diplomacia moderna, bem treinada, prestigiada e com capacidade de interlocução com a sociedade e com o Parlamento. A nossa política externa foi quase sempre profundamente “diplomática” porque prestigiou os organismos internacionais, a solução pacífica das controvérsias, o relacionamento diplomático universal e o direito. No entanto, a leitura ideológica do mundo e o caos interno que predominaram nos últimos anos tiveram como consequência a cristalização de uma política externa anti-diplomática.

Nossos diplomatas profissionais, coitados, foram instruídos a cortar diálogo com certos governos, protestar em cartas ridículas contra críticas na imprensa, enfim, tiveram de adotar o tom dos militantes, tomando partido em decisões e embates políticos de outros. A relutância em aceitar a vitória de Biden em nome da afinidade com Trump foi a cereja do bolo. Em síntese, parte de nossos diplomatas desaprenderam a fazer diplomacia. A reconstrução da nossa política exterior e da excelência da diplomacia exigirão um reaprendizado. Felizmente, há recursos humanos qualificados para se tocar essa obra, desde que disponham como argamassa de um diagnóstico pragmático do cenário internacional e um consenso mínimo sobre o país que queremos.

O post A longa jornada de reconstrução da imagem internacional do Brasil apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Uma Comunhão de Pensamentos Inquietos https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/uma-comunhao-de-pensamentos-inquietos/ Thu, 29 Apr 2021 13:26:16 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/uma-comunhao-de-pensamentos-inquietos/ A instauração da CPI da Pandemia expõe os medos da perspectiva federal, que desde o início da crise sanitária tenta erradicar a diversidade de pensamentos e excluir o contraditório

O post Uma Comunhão de Pensamentos Inquietos apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Senado Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Os Senadores iniciam seus trabalhos reverberando uma série de inquietudes e incompreensões que afligem a sociedade. Como um microcosmo de um país dividido e sem forças para construir consenso sobre nenhum tema, a CPI possivelmente se desdobrará a partir do choque de duas perspectivas. De um lado, um verdadeiro jogo de empurra em que o Congresso, Governadores, Prefeitos e a Presidência tentarão preservar a si mesmos e jogar responsabilidades sobre os outros. E, de outro, um olhar de uma sociedade a cada dia mais descrente nas capacidades das instituições políticas de darem respostas eficazes aos problemas cotidianos.

Randolfe Rodrigues, vice-presidente, Omar Aziz, presidente, e Renan Calheiros, relator da CPI da Pandemia.
Randolfe Rodrigues, vice-presidente, Omar Aziz, presidente, e Renan Calheiros, relator da CPI da Pandemia. Foto: Edilson Rodrigues (Agência Senado).

Tudo parece muito mais confuso, e até mesmo caótico, quando se trata de estratégias de diálogo legislativo no governo Bolsonaro. Da incapacidade de retirada de assinaturas, passando por uma ação desastrada de uma aliada política que apelou para a justiça comum, construiu-se um cenário perfeito para que o pior dos temores do Executivo se realizasse. A eleição de Omar Aziz e Randolfe Rodrigues, acompanhada da indicação de Renan Calheiros para o cargo de relator, traça um panorama que, na melhor das hipóteses, tirará algumas horas de sono dos apoiadores do Governo Federal.

Mas afinal de contas, por que tanto medo? Desde o surgimento da pandemia, o governo Bolsonaro politizou a temática. O presidente e seu grupo de tomada de decisão (ideólogos, militares e servidores de carreira) optaram por tratar a covid-19 como algo menor. O apego a conceitos pouco consistentes ou soluções pouco efetivas, atenderam à lógica de manutenção de uma base eleitoral de apoio ao Presidente. Contudo, ao forçar as estruturas internas do governo rumo à homogeneidade decisória, o Planalto renunciou a um dos principais pressupostos de tomada de decisão em tempos de crise: a diversidade de pensamentos, erradicando o contraditório na tomada de decisão.

No giro desta roda d’agua que alimenta o moinho da insensatez e ignorância, porém, uma variável parece ter sido esquecida, a política real. A excessiva preocupação em politizar impede o governo de fazer política naquilo que ela possui de mais importante, o diálogo com o diferente. Ao contrário, prevalece o embate frenético contra tudo e todos.

Esta lógica fez com que movimentos técnicos, como a assinatura de um contrato para aquisição de vacinas ou outros insumos médicos, fossem transformados em cruzadas quixotescas contra inimigos imaginários. Tal dinâmica, de tentar monopolizar o debate público e criar digressões e diversionismos, tem sido muito eficaz na retirada de concorrentes do debate político. Parte da imprensa prefere reverberar o absurdo a alimentar um debate mais informado, estimulando o contraditório. A manobra diversionista tem essa eficácia: a atenção acaba direcionada ao pitoresco, à picuinha, ao absurdo, enquanto a substância fica relegada a segundo plano.

O resultado desta lógica é que, diante de adversários minimamente bem articulados, o governo claudica. O risco que se corre é que este descompasso tire não só a capacidade de ação de um Executivo bastante fragilizado em termos de governança pública, mas, sobretudo, aumente o fosso que separa representantes e representados. A comunhão de pensamentos inquietos que acorre à CPI deverá buscar um ponto de equilíbrio, que permita encontrar responsáveis pela atual tragédia, ao mesmo tempo que encontre soluções para as feridas que não param de se abrir nos corações das famílias enlutadas pelos quase 400 mil brasileiros vitimados pela covid-19.

O post Uma Comunhão de Pensamentos Inquietos apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Vamos pensar o Brasil de 2040? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/vamos-pensar-o-brasil-de-2040/ Thu, 22 Apr 2021 13:25:52 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/vamos-pensar-o-brasil-de-2040/ Dentro de uma lógica governativa, o trabalho de planejamento e análise de tendências deve ser compreendido como parte fundamental para o progresso democrático de uma nação

O post Vamos pensar o Brasil de 2040? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Acaba de ser publicada a última edição do documento de tendências e cenários de longo prazo a cargo do Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, o “Global Trends 2040”. Diante de um mundo cada vez mais complexo e com interações das mais diferentes ordens e origens, o exercício se propõe a pensar o futuro, identificando tendências e construindo cenários, de modo a preparar governo e sociedade para os desafios vindouros.

Governos existem para fazer as existências de seus cidadãos mais livres, justas e estáveis. Estes três elementos, liberdade, justiça e estabilidade, quando garantidos de maneira equilibrada e razoável pelo governo, permitem que os cidadãos possam desenvolver suas potencialidades com maior desenvoltura e, consequentemente, este movimento gera uma espiral positiva que tornam a sociedade e o governo mais prósperos.

O trabalho de planejamento e análise de tendências deve ser compreendido como planejamento necessária para o progresso de uma nação.
A análise de tendências deve ser compreendida como plano necessário para o progresso de uma nação. Foto: Reprodução (Flickr – com modificações).

Quando unimos o propósito à ordem democrática, temos então o melhor resultado possível. Afinal, os cidadãos podem inserir-se de maneira ativa nas ações que permitem ao governo melhorar suas vidas. As demandas, petições e sugestões legais tornam-se ferramentas essenciais para a melhoria da sociedade. Estas passam inclusive a produzir desafios criativos aos governos e permitem aprimorar a governança pública ao servirem de meio de consolidação de um planejamento estratégico estruturado no tempo.

O planejamento, por sua vez, é um elemento importantíssimo dentro de uma lógica governativa. A atual crise que vivemos mostra a importância do planejamento a partir do princípio da escassez. O colapso causado pela pandemia no Brasil e em várias sociedades mundo afora está diretamente vinculado ao fato de que na ausência de uma eficaz construção de cenários corre-se riscos desnecessários, e o resultado poderá ser a tragédia.

O mundo pré-pandemia criou algumas impressões falsas sobre o papel da política e dos políticos. Vendeu-se a ideia de que a política poderia existir como antipolítica, e que o político poderia desprezar o diálogo como instrumento de melhoria de seu próprio mandato e das políticas públicas.

Além disso, a maior das ilusões era a de que seria possível construir um mundo de muros e barreiras, em que o isolamento seria solução simplória para problemas complexos. Estes movimentos, simbolicamente materializados em Trump e no Brexit, sofreram um golpe fortíssimo da realidade. Esta, num misto de tragédia grega e prosa Shakespeariana, impôs verdades irrefutáveis, como a necessidade do diálogo, a urgência da articulação e a premência de um planejamento de qualidade para lidar com crises presentes e desafios futuros.

E o Brasil? Pois bem, nós possuímos algumas estruturas que fazem esse trabalho de planejamento e análise de tendências futuras com qualidade. De memória, é possível lembrar do IPEA, dos grupos de cenários prospectivos das forças armadas e do louvável esforço feito pela Secretaria de Planejamento Diplomático do Itamaraty em 2017 e 2018. Todas essas ações e estruturas, contudo, precisam ser priorizadas pelos tomadores de decisão, o que não tem sido o caso mais recentemente. Há ainda uma enorme resistência – suprapartidária e em todo espectro ideológico – em fazer planejamento de longo prazo.

Seja por birra ideológica, seja por vaidade eleitoral, a resistência de abraçar o planejamento e uma visão de futuro é um grande obstáculo para evitar prejuízos, tomar precauções e preparar-se para os desafios que emergem no horizonte. Sempre haverá eventos imprevisíveis, nunca será possível controlar as inúmeras variáveis de diversas ordens que moldam o ambiente e a realidade. No entanto, planejamento bem feito, monitoramento de tendências e desenho de cenários futuros como o do “Global Trends 2040”, quando se tornam política pública construída de maneira conjunta entre governo e sociedade civil, ampliam a capacidade de moldar um futuro desejável e conter tragédias evitáveis. O futuro é agora e o agora exige planejamento.

O post Vamos pensar o Brasil de 2040? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O risco da terceirização de responsabilidades https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-risco-da-terceirizacao-de-responsabilidades/ Thu, 15 Apr 2021 13:49:40 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-risco-da-terceirizacao-de-responsabilidades/ Em detrimento da postura socrática de responsabilidade, atual gestão brasileira de crise prefere terceirizar a culpa e fugir das consequências

O post O risco da terceirização de responsabilidades apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Sócrates, talvez o filósofo clássico mais citado pelo senso comum, não deixou nada escrito. Suas reflexões, métodos e observações chegaram até os dias atuais pelo trabalho abnegado de seus seguidores. De sua obra, por assim dizer, destacam-se a maiêutica e ironia, como pilares fundamentais de um método filosófico que revolucionou a forma de pensar no Ocidente, mas que valeu a Sócrates a acusação de negar os “deuses do Estado e corromper os jovens”.

Ao repelir as acusações, segundo Xenofonte, o pai da filosofia teria dito: Cidadãos! (…) estou certo que tanto quanto o passado, me renderá o porvir o testemunho de que nunca fiz mal a ninguém, jamais tornei ninguém mais vicioso, mas servia os que comigo privavam ensinando-lhes sem retribuição tudo o que podia de bem”. Diante da impassividade do júri aos seus argumentos, Sócrates viu-se condenado à morte, sem, contudo, renunciar as suas convicções e responsabilidades.

 'A Morte de Socrates', obra de Jacques-Louis David, 1787.
‘A Morte de Sócrates’, obra de Jacques-Louis David, 1787. Foto: Reprodução (Wikicommons).

Agora, imagine se Sócrates, diante da situação em que se encontrava, decidisse de súbito aceitar as acusações postas, renunciar àquilo que pregava e medir-se pelos olhares daqueles que se ofendiam com suas convicções? Fazendo um exercício contrafactual não causaria surpresa dizer que provavelmente seu exemplo e suas lições causariam menos comoção e engajamento e que, possivelmente, nenhum dos seus discípulos se daria ao trabalho de eternizá-lo como um exemplo de crença e responsabilização.

E aqui reside um elemento bastante contrastante entre o exemplo de Sócrates e o atual quadro político e social que vivemos. O ambiente sociopolítico parece povoado de um enorme esforço dos atores, individual e coletivamente, de se furtarem a assumir suas responsabilidades, tanto em âmbito moral, quanto civilizatório. A recusa de compreender a gravidade da situação em que os mais vulneráveis se encontram, o esforço em normalizar a fome, a violência e a falência da governança pública, tem como efeito prático a criação de um horizonte aterrador.

A marcha fúnebre rumo ao meio milhão de brasileiros mortos pela covid-19 não dá sinais de arrefecimento. E mesmo assim, vemos todos os dias uma avalanche de atos que, se já não surpreendem, continuam a chocar pela insensibilidade ou irresponsabilidade de líderes e certos grupos. Da política externa à administração municipal, grassam exemplos que colocam em xeque a nossa própria convicção de que estamos imersos em uma sociedade do século 21.

Ao contrário, ações como o furto de vacinas, opções por tratamentos comprovadamente ineficazes ou soluções xamânicas buscadas no Oriente Médio mostram não apenas um vazio em termos de tecnologia de governo. Demonstram também um enorme esforço de atores importantes, com e sem mandato político, de se furtarem a suas responsabilidades em um momento tão crítico.

O exemplo de Sócrates inspirou Platão, Xenofonte, Aristófanes e tantos outros no caminho da iluminação e busca da verdade intelectualizada. O exemplo atual de quem abre mão de sua responsabilidade, em nome de ganhos pessoais e de seu fervor cego a ideologias exóticas, também tem efeito cascata, mas no sentido contrário ao exemplo socrático. Em vez de irradiar o conhecimento que ilumina, impõe as trevas por meio da terceirização de responsabilidades ou a omissão diante da dor e do sofrimento de milhões de brasileiros espremidos entre a insegurança alimentar e a falta de leitos hospitalares, num efeito cascata devastador sobre uma série de agentes públicos distribuídos ao redor do país.

É fundamental uma reflexão coletiva para pactuar prioridades mínimas para a superação da crise. O mais urgente é uma ação concreta de combate à fome, diante do impacto da pandemia sobre as populações economicamente vulneráveis, a ser implementada com medidas de distanciamento social, apoio contínuo aos pequenos empresários e acesso a vacinas. A lógica de confusão e confronto precisa ser abandonada, sob pena de entrarmos em um espaço irreversível de degradação da própria lógica civilizacional. O risco não está em um inimigo externo ou numa coalizão ideológica inventada nos porões da internet, ele está na incapacidade das esferas decisórias superiores de reconhecerem as prioridades da nação e atacá-las de maneira minimamente eficaz.

O post O risco da terceirização de responsabilidades apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Muda-se tudo, mas se altera algo? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/muda-se-tudo-mas-se-altera-algo/ Wed, 07 Apr 2021 23:21:41 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/muda-se-tudo-mas-se-altera-algo/ Como bem cita Lampedusa em sua magistral obra ‘Il Gattopardo’, algumas vezes as coisas precisam mudar para permanecerem iguais

O post Muda-se tudo, mas se altera algo? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
As últimas semanas foram intensas em Brasília. A troca repentina de uma série de ministros deixou muita gente perplexa. Passado o susto das águas de março que alteraram a foto do ministério Bolsonaro, é legítimo perguntar se as mudanças são reais ou apenas mais um exemplo da famosa citação do Gattopardo de Lampedusa segundo a qual para que tudo fique na mesma, é preciso que alguma coisa mude.

O caso do Itamaraty, em particular, suscita dúvidas. Afinal, a Chancelaria havia se transformado, nos últimos dois anos, em espaço privilegiado de atuação do discurso ideológico que elegeu o presidente da República. Por afinidade política ou interesse em tornar-se político, o ex-Chanceler Araújo incorporou o papel de militante a serviço de uma causa. Neste processo, nitidamente, a política externa foi colocada a serviço da mobilização de setores mais extremos do bolsonarismo. 

Esse movimento, que teve sua serventia político-eleitoral, nunca redundou em um avanço real de temas importantes para o desenvolvimento nacional. Ao contrário, acarretou prejuízos evidentes no momento em que o país mais precisava de canais diplomáticos azeitados com parceiros e organismos internacionais. Não por acaso, o capítulo final do Embaixador Araújo foi marcado por um confronto desnecessário com o Senado Federal e uma carta de demissão construída às pressas diante de um cenário de descarte concreto. 

Posse do novo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos Alberto Franco França. Foto: Gustavo Magalhães/MRE/Fotos Públicas
Posse do novo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos Alberto Franco França. Foto: Gustavo Magalhães/MRE/Fotos Públicas

O novo ministro, Carlos França, assume com essa carga negativa, sucedendo um Chanceler que procurou implementar uma ruptura com as tradições do Itamaraty. O discurso de posse do novo Chanceler, por contraste com seu antecessor, foi como uma lufada de ar fresco, uma sinalização à normalidade, à ponderação e ao pragmatismo. Teria sido um discurso apenas correto em tempos normais, mas diante da comparação com o que se via no Itamaraty, assumiu ares de grande peça retórica. Foi possível ouvir de longe uma grande suspiro coletivo de alívio dos diplomatas de carreira.

De fato, em seu discurso de posse, França enfileirou conceitos que evocam a melhor tradição do Ministério.  Ao falar da importância do multilateralismo, da necessidade de construir pontes com o mundo e do uso da diplomacia como elemento de solução de controvérsias, gerou uma sensação de normalidade que permite relação direta com a substituição de Pazuello por Queiroga na Saúde. 

O discurso, por mais que tenha sido bem recebido, não foi suficiente para superar certa desconfiança em quem conhece como funciona Brasília e, em particular, como a política externa esteve sob uma tutela de núcleo bolsonarista desde o início do governo. E neste ponto há um elemento importante a ser lembrado: “na relação entre um ministro e o presidente, só um dos dois é demissível, e não é o presidente”. Este axioma serve para lembrar que muito da lealdade do antecessor de França deveu-se à percepção de que era uma peça de fácil substituição na engrenagem política do Palácio do Planalto. 

Esta percepção, obviamente, levou a um processo de sinergia e alguma submissão intelectual aos desígnios da família presidencial em termos de concepção de mundo. Ciente deste processo e do destino do seu antecessor, tal como um faquir, França tem o desafio cotidiano de não ser espetado pela cama em que decidiu deitar-se. E neste verdadeiro malabarismo que é ser ministro no Brasil de 2021, o ministro deverá pesar constantemente eventuais ajustes em nome dos interesses do país e os limites do que seria aceitável pelo próprio presidente e seus conselheiros em política externa, o próprio filho e deputado Eduardo e o assessor palaciano Filipe Martins, que segue no cargo. 

Se prevalecer a tutela palaciana, as ideias vertidas por França em seu discurso de posse não passarão de palavras ao vento e nossa diplomacia adentrará o terreno descrito por Lampedusa. A mudança não passará de uma pantomima, um teatrinho para ganhar tempo com uma aparência momentânea de normalidade. É preciso que o bom discurso do Ministro se traduza em posições concretas e ações palpáveis, de modo que  nossa diplomacia, despida da ideologia excêntrica que lhe corroeu a alma, possa contribuir efetivamente para o enfrentamento das urgências em matéria de saúde, segurança e prosperidade.

O post Muda-se tudo, mas se altera algo? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Para enxergar o óbvio https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/para-enxergar-o-obvio/ Thu, 01 Apr 2021 00:12:38 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/para-enxergar-o-obvio/ No tabuleiro de xadrez da política, por vezes, enxergar o óbvio é mais difícil do que parece

O post Para enxergar o óbvio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A política não faz sentido sem uma preocupação com seu impacto na vida das pessoas. Isso pode parecer óbvio, mas diante do descalabro que vivemos e do desastre produzido por nossas lideranças, nunca é demais lembrar a frase de Orwell, segundo a qual enxergar o que se encontra diante do seu nariz exige grande esforço.

Nossos políticos e certos grupos partidários, bem como parte da elite econômica, chegou ao topo sem preocupar-se muito com as consequências de seus métodos e das políticas públicas para a população. O objetivo, em muitos casos, foi amealhar poder e fortuna como fins em si mesmos, sem maiores preocupações sobre o impacto da perseguição de objetivos privados sobre a coisa pública. 

A atual confusão em que o país se encontra atende a muitos interesses, mas, sem sombra de dúvidas, nenhum deles é o dos cidadãos que todos os dias se espremem em transportes públicos ou são afetados pela incerteza acerca do número de refeições diárias.

Vimos um ano de 2020 traumático, forças políticas dispersas entre a negação e o silêncio e, por incrível que pareça, após a apoteose negacionista marcada pelas comemorações de Réveillon e Carnaval, o país torna-se o epicentro da pandemia da COVID-19. Para além de todo o sofrimento causado aos familiares dos mais de 300 mil brasileiros mortos até aqui, o mundo político segue sem conseguir estabelecer uma agenda prioritária mínima em socorro aos setores mais vulneráveis da sociedade. 

À medida que a renda das classes B, C e D são gradativamente ameaçadas, os ganhos da estabilidade econômica comprometidos e a entropia da governança pública avança a galope, o país é tomado por uma enorme insensibilidade decisória. Obviamente que concessões discursivas foram feitas aqui e acolá, fala-se o tempo todo de vacinação, mas, não se fala quase nada sobre políticas públicas distributivas e redistributivas, e o apego ao tratamento precoce e as críticas ao afastamento social introduzem elementos de dúvida a seriedade de tais concessões.

Alguns setores que antes olhavam apenas seu umbigo parecem estar despertando para algo trivial, porém que também deve ser reiterado, para usar a sabedoria contida na frase de Orwell. O futuro de cada um de nós, inclusive da elite política e econômica, depende do futuro de todo o país e, sobretudo, da correção das desigualdades obscenas, das injustiças flagrantes e da exclusão sistemática da grande maioria da população. 

Política é feita de gente. E gente fala, chora, sangra e se revolta. E se sobra soberba em vários tomadores de decisão, falta prudência, vista por Cícero como “saber distinguir as coisas desejáveis das que convém evitar”. E se o desejo do poder é uma constante, vale evitar os humores populares naquilo que eles tenham de mais imprevisível. Sim, porque a paciência vai se esgotando, a destituição e o desamparo levam ao desespero, e o país como um todo pode entrar em ebulição. É por isso que a política precisa ser uma atividade elevada, de verdadeiro serviço público, em que a palavra República signifique realmente o cuidado com a res publica, a coisa pública e o interesse geral. Passou da hora de que os políticos – e não apenas as honrosas exceções entre eles – passem a olhar o interesse da gente comum. É isso ou terão de enfrentar as consequências imprevisíveis da fúria popular e a da descrença crescente nas instituições.

O post Para enxergar o óbvio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O custo da politização do Itamaraty https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-custo-da-politizacao-do-itamaraty/ Mon, 29 Mar 2021 16:02:26 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-custo-da-politizacao-do-itamaraty/ Prevaleceu a ideia segundo a qual o Itamaraty poderia ser um parque de diversões da extrema-direita sem maiores consequências

O post O custo da politização do Itamaraty apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Itamaraty nunca foi um ministério particularmente cobiçado. Controla uma fatia ínfima do orçamento federal, não possui cargos de livre provimento que permitam oferecer cabide de empregos, tem impacto reduzido nos chamados currais eleitorais. Ulysses Guimarães teria dito, a certa altura, que o Itamaraty só dá votos em Moçambique, provavelmente uma referência aos programas de cooperação técnica pilotados pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do ministério.

Isso mudou paulatinamente e não em benefício dos interesses do país. A política externa passou a ser parte central da guerra de narrativas. Não é casual que no atual governo o Itamaraty tenha se tornado uma ponta de lança da chamada guerra cultural, ao passo que sua outrora respeitada Fundação Alexandre de Gusmão tenha se transformado na trincheira dessa guerra, dando guarida a teorias conspiratórias, produtores de fake news, militantes monarquistas e toda uma fauna de personagens sem credenciais acadêmicas, porém ativos nas redes sociais.

O Itamaraty virou peça-chave nesse esquema por conta da importância estratégica da chamada guerra cultural na visão dos militantes olavistas, para quem a luta contra o comunismo é uma luta internacional, daí a necessidade de aliar-se não com países específicos, mas com as forças políticas conservadoras que se opõem ao globalismo: Trump, Orbán, Salvini e companhia. De certa forma, isso contradiz a visão de Ulysses, já que o Itamaraty passou a dar votos, ainda que entre os militantes mais exaltados, porém considerados fundamentais no esquema de mobilização política do presidente Bolsonaro.

Os políticos tradicionais, empresários, banqueiros, alguns articulistas de jornal e até militares sempre torceram o nariz para a condução ideológica da nossa diplomacia, mas não encararam o problema de frente. Prevaleceu a ideia segundo a qual o Itamaraty poderia ser um parque de diversões da extrema-direita sem maiores consequências; ao contrário, por exemplo, do Ministério da Economia e outras pastas mais técnicas, como Minas e Energia e Infraestrutura. Por isso, a pressão para mudanças de rumo na diplomacia demorou a aparecer. E isso tem a ver também com os tempos da diplomacia.

Ao contrário do tempo da política, da economia e do ciclo de notícias, a diplomacia trabalha em outro diapasão e seus erros e acertos são menos evidentes do curto prazo. Colhe-se o que foi semeado, mas não imediatamente. Foi preciso uma crise aguda múltiplas dimensões para que nossa elite se desse conta, quase que no susto, que a política externa equivocada de queimar pontes gratuitamente e subordinar suas escolhas a preferências ideológicas tem custos exorbitantes diante da emergência nacional que vivemos.

É como se num belo dia acordássemos com uma chuvarada na cabeça e nos déssemos conta, então, que um teto faz falta, ainda que a previsão fosse de tempo bom e sol inclemente. Hoje, finalmente, estamos acordando para o fato de que uma diplomacia profissional e uma política externa que defenda nossos interesses nacionais, pautada pelos princípios constitucionais, não é um luxo, mas uma necessidade básica.

Será difícil e trabalhoso reconstruir o teto que nos abriga das intempéries internacionais e resgatar a diplomacia profissional que foi escanteada nos últimos tempos e deu lugar às sandices de uma facção extremista. Mas realizar esse ajuste é mais urgente no que nunca se quisermos ter capacidade de atender nossas necessidades de acesso a insumos, vacinas, capitais e tecnologia, de modo a garantir a saúde e a prosperidade de nosso povo.

O post O custo da politização do Itamaraty apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A crise não é de imagem, é de ação https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-crise-nao-e-de-imagem-e-de-acao/ Thu, 25 Mar 2021 13:05:26 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-crise-nao-e-de-imagem-e-de-acao/ O momento difícil pelo qual o governo e o país passam não é resultado de uma campanha negativa das oposições

O post A crise não é de imagem, é de ação apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Na semana que passou, a CNN dos Estados Unidos deu a seguinte manchete (tradução livre): “Sem vacinas, sem liderança, sem luz no fim do túnel. Como o Brasil se tornou uma ameaça global”. Algumas vozes se levantaram para denunciar mais uma vez a conspiração da imprensa internacional, lembrando que reportagens alarmistas desse tipo já haviam sido publicadas pelo The New York Times e pelo Washington Post, jornais supostamente “esquerdistas”. Haveria, portanto, campanha internacional contra o Brasil.

A tese da conspiração internacional não é nova. Contudo, à medida que as falhas do governo se tornaram inegáveis, inclusive para parte de seus apoiadores, começaram a surgir ventos de mudança narrativa. O cavalo de pau narrativo iniciou-se com o discurso proferido pelo presidente no dia 23 de março. Os quatro minutos de fala lembraram os melhores momentos da narrativa de Alexandre Dumas em o “Homem da Máscara de Ferro”. O contraste das falas do presidente entre março de 2020 e março de 2021 dão o tom do quanto os caminhos até aqui delineados estavam equivocados. No entanto, há limites claros do que pode fazer uma nova narrativa ou um discurso de ocasião.  

Bolsonaro com cloroquina
O presidente Jair Bolsonaro com caixa de hidroxicloroquina durante a posse de Eduardo Pazuello como ministro da Saúde.
(Foto: Carolina Antunes/PR)

Como desdobramento do discurso, ou seu segundo ato, a Presidência da República reuniu-se com outros atores institucionais importantes e exortou os presentes na construção de uma reação conjunta à pandemia, ainda não reconhecida como tempestade perfeita. Ao não reconhecerem de maneira abrangente a gravidade da situação, corre-se o risco de que as medidas de solução do problema sejam pouco eficazes. Afinal, só é possível combater um problema ou uma doença quando há o reconhecimento do paciente de que está doente. A notícia de que o Ministério da Saúde alterou critérios tornando mais difícil registrar os óbitos causados pela covid-19 não é nada auspiciosa nesse contexto.

Sob o risco de se assemelhar a um enfermo que não se reconhece como tal, o governo ainda flerta com o risco de culpar outros pelos seus equívocos. De esquerdistas nacionais a conspirações estrangeiras fomentadas por uma mídia globalista, ainda se percebe o flerte com a fuga da realidade em falas e símbolos. E isso permite uma reflexão em paralelo com outro momento crítico da história nacional, quando o Regime Militar, pressionado por uma onda de questionamentos acerca de desaparecimentos, torturas e prisões arbitrárias, reagia com a ideia de que havia um complô contra o país.

O problema é que a técnica de transferir responsabilidades para o estrangeiro ou para uma quinta-coluna nacional é manifestamente ineficaz. De fato, nenhuma campanha de imagem ou discurso oficial edulcorado é capaz de mudar a opinião pública nacional e internacional diante de um cenário devastador.  No passado, de pouco adiantou a promoção da imagem de país ordeiro e trabalhador diante da realidade que se impunha com irritante insistência: as liberdades cerceadas e as arbitrariedades em profusão. Hoje também serão necessárias mais que falas difusas e simbolismos para mudar a opinião que se consolida acerca da incapacidade de nossa liderança em aplacar o sofrimento dos cidadãos-eleitores. 

É hora de assumir responsabilidades e o primeiro passo seria reconhecer o retumbante fracasso das estratégias empregadas até agora na condução do país em diversos campos, a começar pela saúde, mas também nas Relações Exteriores, na economia e no meio ambiente. A imagem de um país sem governo, sem vacinas, sem luz no fim do túnel, que se transforma em ameaça global como viveiro de novas variantes do vírus, não será dissipada com retórica, diatribes contra a imprensa ou promoção irreal de uma imagem idealizada e falsa. A imagem só vai mudar quando a realidade que lhe dá substrato for alterada.

Apenas uma nova atitude será capaz de começar a restaurar a reputação do país no exterior e a credibilidade das instituições internamente. E isso deve ser feito não para aparecer bem na foto, mas por imposição moral, dever humanitário e responsabilidade política diante do povo brasileiro, para quem o sofrimento e as mortes que poderiam ser evitados não constituem imagem abstrata divorciada da realidade, mas a dura, tangível e muito concreta sina de quem vive num país à deriva.

O post A crise não é de imagem, é de ação apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A política, a mentira e a pandemia https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/a-politica-a-mentira-e-a-pandemia/ Wed, 17 Mar 2021 23:44:20 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-politica-a-mentira-e-a-pandemia/ A transformação da mentira em uma base discursiva, tornou o debate político um campo minado, onde a sensatez e a ciência perdem voz e vez na execução de políticas públicas

O post A política, a mentira e a pandemia apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
George Orwell, em seu ensaio sobre a política e a língua inglesa, nos interpela com uma constatação que parece ter sido escrita para o Brasil contemporâneo. Para o autor de 1984, a “linguagem política – e com variações isso é verdade para todos os partidos políticos, de conservadores a anarquistas – está formatada para fazer mentiras soar verdadeiras e o assassinato parecer respeitável, e dar uma aparência de solidez ao que não passa de puro vento”. 

Sempre se mentiu na política, especialmente na brasileira. Isso não é apanágio do atual governo e nem de governos passados.  A teledramaturgia nacional inclusive, caracteriza com recorrência o mentiroso padrão da política nacional e dentre estas, Odorico Paraguaçu é a que mais chama atenção. Ególatra, mentiroso e carismático, preocupado com a inauguração de um cemitério em uma cidade acometida por longevidade. Odorico usa todo tipo de expediente possível para alcançar seus objetivos, com um final surpreendente que merece uma visita do leitor à interpretação de Paulo Gracindo.

Aproveitando-me aqui do adágio “a vida imita a arte”, é possível constatar com preocupação que em passado recente a curva ascendente do uso da mentira se acelerou. Isto quer dizer, o esforço de tornar tangível aquilo que não possui substância alguma – parafraseando Orwell – foi assumindo contornos patológicos. Longe de tentar explicar esta transformação em 500 palavras, a constatação é a de que nos longos dias de pandemia, mentiras e notícias falsas se fundem em “narrativas” ideológicas nocivas ao próprio exercício da cidadania. 

E qual o impacto da mentira turbinada pela internet sobre a vida das pessoas comuns? A resposta é simples: dor, sofrimento e morte. 

Caso você leitor não acredite nesta resposta, te convido a rememorar comigo alguns argumentos que repetidos “ad nauseam” por políticos e pessoas com diploma de medicina auxiliaram na construção desta caminhada fúnebre. Do tratamento precoce ao vírus chinês, da afirmação de que máscaras faziam mal à saúde até a confusão proposital entre responsabilidade coletiva e liberdade individual, são variados os exemplos de ações que sem nenhuma base científica concreta corroeram pontes e diálogos fundamentais para alcançarmos aquilo que realmente importava: conscientizar pessoas da gravidade da situação, fechar contratos para garantir o maior volume possível de vacinas, e fomentar ao máximo medidas de mitigação (distanciamento social, higiene, máscaras) do avanço da covid-19.

Diante da marcha firme que o país constrói rumo aos 300 mil mortos pela pandemia, é importante compreender que as mentiras, sejam elas contadas de forma consciente ou reproduzidas inconscientemente tem um efeito nefasto na vida cotidiana. Ao afetar pessoas que são operadoras ou destino dos mais variados tipos de políticas públicas, da saúde à política externa, as mentiras que se tornam mantras ideológicos nublam mentes e impedem uma perfeita compreensão da realidade dura em que estamos inseridos. O gasto de energia de tomadores de decisão, que tentam assentar seus pés sobre um terreno pantanoso e instável, tem como produto as mortes de brasileiros por falta de UTIs, sem acesso a oxigênio, privados de vacinas. 

A realidade é um muro intransponível e há a necessidade de evitarmos uma repetição de catástrofes como a vivida neste período. Portanto, exige-se uma refundação da política em novas bases, repelindo a mentira e responsabilizando os mentirosos compulsivos que atuam em todos os níveis de governo, no setor privado e nas corporações. Talvez assim, quem sabe, ao exigirmos a prestação de contas dos responsáveis, recuperamos nossa humanidade, hoje vilipendiada, e ganhamos a capacidade de utilizar a verdade e a ciência como bases para as políticas públicas e decisões informadas da cidadania.

O post A política, a mentira e a pandemia apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O futuro é o agora https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-futuro-e-o-agora/ Wed, 10 Mar 2021 21:35:34 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-futuro-e-o-agora/ A antecipação do debate eleitoral, verdadeira fuga para o futuro, alimenta sonhos idílicos, mas é pouco eficaz na resolução da tempestade perfeita em que nos encontramos

O post O futuro é o agora apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A decisão do ministro Edson Fachin virou de ponta cabeça o panorama político brasileiro. Não bastassem as dificuldades correntes do cotidiano, como pandemia, crise econômica e baixa qualidade da governança pública em todos os níveis, o judiciário injeta uma nova dinâmica política ao alterar substancialmente o terreno em que se desdobra a rivalidade entre apoiadores da operação Lava Jato e seus opositores, entre o antipetismo e as forças à esquerda no espectro político. E, de quebra, desvia a atenção do momento presente para uma projeção do futuro. 

A próxima eleição presidencial tornou-se, subitamente, o elemento mais importante do debate político. Considerando a importância dos atores políticos envolvidos, parece ser natural que haja alguma ansiedade no que concerne ao futuro da democracia nacional. Contudo, considero ser importante neste exato momento uma boa dose de distanciamento para entender o sentido dos últimos acontecimentos. Por isso, creio que vale a pergunta: não existem outras prioridades que devem ser colocadas antes do debate eleitoral?

Possivelmente sim, e inclusive algumas delas tem sido postas neste texto e em colunas anteriores. O país caminha a passos largos na direção de se tornar um estudo de caso de tudo aquilo que não se deve fazer em termos de políticas públicas diante de uma grave crise de saúde. Em alguns dias, provavelmente, ultrapassaremos os mais de 2.000 mortos diários por Covid-19 e, mesmo assim, as ações do governo federal têm sido lentas e difusas. E talvez aqui esteja a resposta para o questionamento levantado anteriormente. 

Diante do fato de que temos, como sociedade, fracassado no combate à pandemia, uma reação natural do ponto de vista cognitivo é mirar no futuro. Este exercício de fuga para frente – ou “Flucht nach vorne”, como diria o Ministro Gilmar Mendes em outro contexto – tem sua manifestação mais importante na antecipação do debate eleitoral. Não importando se as simpatias estão direcionadas ao presidente Bolsonaro, ao ex-presidente Lula ou quaisquer outros nomes que surjam, prevalece a lógica de antecipar as eleições, enquanto a tarefa de encarar a realidade torna-se uma ação desnecessária. 

E o que a realidade exige no dia de hoje? Nada mais, nada menos, do que menos balela anticientífica e mais compromisso com políticas públicas eficazes, a começar pela vacinação em massa e auxílio aos mais necessitados. Essa postura que se requer dos responsáveis e autoridades políticas significa deixar de lado vaidades egocêntricas, de modo a enxergar o que realmente importa: dar resposta aos brasileiros em dificuldade, respeitar seu sofrimento e seu luto, dar condições aos que precisam de um sustento que possam enfrentar a pandemia sem riscos excessivos e desproporcionais, mobilizar a sociedade para encarar a realidade com base em evidências, não os moinhos de vento da conspiração internacional. 

Independentemente de você ser um socialista, um liberal ou um centrista, o futuro é o agora e a contenção da situação drástica que vivemos passa necessariamente pelo enfrentamento da realidade dura como ela se apresenta. E neste aspecto, a antecipação do debate eleitoral atende apenas aqueles que querem falar de eleição, sem auxiliar no processo de construção de soluções para a tempestade perfeita que se abateu sobre o Brasil, muito por obra de nossa própria incompetência, diferentemente dos fenômenos climáticos que não podemos controlar. 

Ignorar os efeitos da pandemia, portanto, é calar muitos brasileiros em suas dores, lutos e perdas. Cabe, portanto, a reflexão acerca daquilo que importa neste exato momento e a cobrança sobre os decisores que possuem mandato e aos postulantes a serem mandatários da importância de assumirem responsabilidades e construírem um pacto que permita ao país superar a encruzilhada em que nos encontramos. 

O post O futuro é o agora apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Não faltam pás https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/nao-faltam-pas/ Thu, 04 Mar 2021 11:28:05 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/nao-faltam-pas/ Nem mesmo estes números escabrosos são capazes, contudo, de levar os principais atores políticos nacionais a construir consenso mínimo

O post Não faltam pás apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil segue a passos firmes rumo à liderança global em casos de covid-19. Os mais de mil e quinhentos mortos diários aumentam uma conta que tem a possibilidade real de alcançar meio milhão de vidas ceifadas. Nem mesmo estes números escabrosos são capazes, contudo, de levar os principais atores políticos nacionais a construir consenso mínimo. Longe de um pacto nacional, o horizonte político se apresenta como um grande cemitério não apenas de mortos pela pandemia, mas também de ideias e políticas eficazes. 

É verdade que o governo conseguiu colocar aliados na liderança das casas legislativas e que há uma agenda positiva adiante em uma série temas. Nada disso, porém, garantirá a estabilidade e a retomada de uma trajetória de crescimento e prosperidade. Não há saída sem vacinação massiva e rápida, e sem que nossos líderes assumam sua responsabilidade de colocar o interesse coletivo acima de seus objetivos paroquiais. Não há reforma, por mais amigável ao mercado, que funcione se não houver pessoas aptas ao trabalho. 

Sob enorme risco de parecer repetitivo, em meio a um momento do ano de 2021 que parece uma refilmagem sombria de 2020, é importante compreender o efeito paralisante desta doença sobre as pessoas e a economia. Enquanto você lê este texto, cidades como Porto Alegre acumulam containers refrigerados cheios de corpos de brasileiros mortos. Os responsáveis são todos aqueles que de posse de um cargo público eletivo assumiram postura de negação da realidade, propagaram notícias falsas, desprezaram a ciência e se omitiram na busca de soluções concretas. 

Vejamos a questão da vacina. Dos 27 governadores, apenas um se movimentou no sentido de buscar uma alternativa e pressionar o governo federal. É possível criticar João Doria por vários motivos, mas, no caso específico da vacinação, seu comportamento merece uma menção positiva. E aqui vem a pergunta: onde estavam os outros governadores? Presos em posicionamentos que oscilavam entre o silêncio obsequioso e a submissão inconsequente. 

Agora, na iminência de que várias cidades se tornem uma repetição expandida do que vimos em Manaus, surgem aqui e acolá decretos de restrição que se desfazem ao menor sinal de crítica e pressão, e aqui se inclui o próprio governador de São Paulo cedendo às pressões de ocasião. Fazendo um exercício rápido de cenário futuro, é possível visualizar que cada centímetro cedido tem como resultante, mais vidas de brasileiros em perigo. 

Este panorama, característico de uma tempestade perfeita, encontra uma reação tímida do sistema político. Em certo sentido, é possível afirmar que os decisores olham para o passado, fala-se de impeachment em 2016, da polarização de 2018. Porém, ao fim do dia, parece haver pouco interesse em olhar o tempo presente e os desafios de um futuro que ultrapasse o próximo ciclo eleitoral. Esse muro cognitivo, que nubla percepções e desvia prioridades, explica por que há mais atores preocupados em cavar buracos do que em erigir pontes. 

Este excesso de pás cavando buracos e a consequente ausência de fundações para o edifício civilizatório parecem nos condenar a um momento de trevas. E muito provavelmente, quando a pandemia passar, fruto da vacinação feita a passos de formiga, o confronto com as responsabilidades tenderá a ser jogado em um canto escuro dos salões da história, escondido pelo manto da vergonha e da insensibilidade que tem caracterizado o atual momento político.  Se quisermos recuperar nossa humanidade e retomar a vida em bases civilizadas, não podemos deixar que essa tendência se confirme.

O post Não faltam pás apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Crime e Castigo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/crime-e-castigo/ Fri, 26 Feb 2021 23:53:35 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/crime-e-castigo/ A ideia de que um ator político qualquer é superior as regras do jogo institucional, é um veneno para a ordem democrática

O post Crime e Castigo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Assisti a um filme indiano chamado Tigre Branco e o que mais me chamou atenção foi o enredo:  um jovem pobre, Balram Halwai, comete um crime para romper o cativeiro da pobreza mental e material que o cerca. Ao terminar o filme, automaticamente, me conectei ao clássico de Dostoievsky, Crime e Castigo e as concepções de vida do protagonista, Raskolnikov, diante de sua condição de pobreza e necessidade. 

O ponto de ligação entre os protagonistas é a crença em sua especialidade, pedindo licença a Balram, me foco a partir daqui em Raskolnikov e sua percepção de que as pessoas se dividiam em duas categorias: ordinárias e extraordinárias. As primeiras deveriam se acomodar, ser obedientes, cumprir fielmente a lei. Os extraordinários, por sua vez, eram visionários, destinados a realizar grandes feitos, os verdadeiros protagonistas de seu próprio destino e até da humanidade. Esses cometeriam crimes e tripudiariam sobre convenções sociais, mas acabariam redimidos pela história. Criminosos hoje, porém celebrados com estátuas de bronze amanhã.

Raskolnikov acreditava, no seu íntimo, que sua vida teria essa transcendência, a exemplo de Napoleão Bonaparte. Infelizmente para ele, suas fantasias não eram nada mais que isso e as consequências para sua vida foram sérias. Partindo da história ambientada na Rússia, não é difícil traçar um paralelo com muitos dos líderes políticos no Brasil contemporâneo, sem distinções ideológicas ou partidárias. Em primeiro olhar, é possível afirmar que muitos deles acreditam que estão acima do bem e do mal, que cumprem um desígnio transcendental, uma missão que lhes permite atropelar instituições, normas legais e preceitos morais. Alguns dirão que o que os motiva é a perspectiva de amealhar fortuna ou poder político, quando não ambos. Creio que esse é apenas um dos lados da moeda.

Imagem de Raskolnikov, personagem de "Crime e castigo"
Imagem de Raskolnikov, personagem de “Crime e castigo”. Foto: reprodução do estúdio Mosfilm

Para que um sistema de corrupção estrutural ou o desprezo ativo pelas instituições do Estado de Direito deite raízes, é preciso mais do que o interesse egoísta no enriquecimento pessoal e no controle de recursos políticos. É necessário também que tenhamos um bom contingente de Raskolnikovs, capazes de se autoenganar e de enganar os demais, vendendo com certo sucesso a balela de que seus atos antidemocráticos, na verdade, servem para salvar as instituições democráticas; que a corrupção que praticam com gosto, na verdade, não visa engordar seu patrimônio, mas irrigar máquinas partidárias encarregadas de implementar seu “projeto de país”; que o aparelhamento do Estado não constitui nepotismo ou favorecimento, mas garantia de execução do programa vencedor nas urnas.

A literatura e o cinema por vezes ajudam a iluminar aspectos da realidade que a Ciência Política seria incapaz de explicar. Na maioria dos casos, porém, a realidade, ao imitar a arte, consegue superar a trama ficcional tanto em criatividade quanto na crueza de suas consequências. Enquanto nossos Raskolnikovs insistem em suas fantasias, a realidade se impõe: um quarto de milhão de mortes pelo COVID-19, a vacinação avança a passos de cágado e a economia sofre solavancos desnecessários – como a situação na Petrobras -, passando a imagem de uma República com nenhuma segurança jurídica.

Os Raskolnikovs tupiniquins, por mais que fantasiem suas ilusões de elevação, de fato, mostram-se incapazes de enfrentar os desafios da realidade. E a conta dessa trama será paga por todos, com um país mais pobre, doente e isolado internacionalmente. No futuro, com sorte, estas lideranças serão lembradas apenas como uma deprimente nota de rodapé na nossa trajetória histórica, cuja tendência positiva ou negativa dependerá de nossa capacidade como sociedade de livrar-nos dos salvadores da pátria e fortalecer a boa e velha democracia representativa.

O post Crime e Castigo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A encruzilhada entre democracia e corporativismo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/encruzilhada-democracia-corporativismo/ Thu, 18 Feb 2021 15:15:54 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/encruzilhada-democracia-corporativismo/ O caso Daniel Silveira cria um processo de embate entre a Câmara e o Supremo Tribunal Federal, e por consequência, um desafio colossal para a presidência de Arthur Lira

O post A encruzilhada entre democracia e corporativismo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Há um velho adágio brasileiro que diz: “o ano só começa após o carnaval”. Mesmo sem conhecer o autor da frase, é possível concordar com essa percepção, tendo em vista o óbvio impacto das festividades de momo sobre o inconsciente coletivo nacional. Para não fugir à regra, mesmo em um contexto marcado pela pandemia da covid-19, o ano de 2021, ao menos em seu componente político, começou de fato ao anoitecer da terça-feira de carnaval, com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

Ao mesmo tempo que os foliões, em casa ou nas aglomerações, findavam suas atividades, o supracitado congressista usava suas redes sociais para dar um testemunho de convicções políticas. A fala, feita no mesmo modus operandi que permitiu ao parlamentar ganhar notoriedade e, por consequência, seu próprio mandato, foi muitíssimo mal-recebida pelo ministro Alexandre de Moraes.

Sessão solene do Congresso Nacional. Na mesa: Augusto Aras; Jair Bolsonaro; Rodrigo Pacheco (DEM-MG); Arthur Lira (PP-AL); Luiz Fux.
Sessão solene do Congresso Nacional. Na mesa: Augusto Aras; Jair Bolsonaro; Rodrigo Pacheco (DEM-MG); Arthur Lira (PP-AL); Luiz Fux. Foto: Marcos Oliveira (Agência Senado).

A resultante deste processo foi um pedido de prisão, referendado unanimemente pelo plenário do STF e que foi recebido pelo parlamentar em um misto de descrença e desafio. A decorrência óbvia de todo o imbróglio é colocar a presidência de Arthur Lira sob um teste de estresse. Explico, caso a Câmara opte por uma saída que reforce o espírito de corpo – soltura do parlamentar e encaminhamento de investigação para o Conselho de Ética – a animosidade entre a Câmara e o Supremo Tribunal Federal tende a crescer. Lembrando que um número expressivo de parlamentares possuem suas próprias questões com a Suprema Corte.

Caso abandone o deputado carioca a sua própria sorte, Lira pode transmitir a ideia a seus pares de que eles estão vulneráveis a eventuais choques institucionais. A pressão, portanto, sobre o presidente da Câmara tende a crescer a níveis altíssimos. A situação de Daniel Silveira transcende em muito a aderência que o parlamentar tenha entre seus pares e assume contornos de embate entre duas instituições da República. 

A pergunta que se impõe é a seguinte: para os deputados o espírito de corpo é mais urgente que a construção de uma boa relação entre a Câmara e o STF? Da resposta a essa pergunta dependerá o padrão que prevalecerá doravante entre esse relacionamento, bem como a imagem do Presidente da Câmara, tanto perante a sociedade quanto junto a seus pares. Da perspectiva dos deputados, apoiar a decisão do Supremo é abrir flanco para uma avalanche de pedidos de prisão por motivos diversos. Em paralelo, livrar o parlamentar das garras do STF tende a reforçar a sensação de que a transgressão compensa politicamente.

O fato é que de maneira irrefletida ou não, Daniel Silveira protagoniza uma crise política, que não apenas afeta seu destino como parlamentar, mas gera também um teste de estresse para a gestão de Arthur Lira e as relações da instituição por ele presidida frente com outros Poderes e com a sociedade. Os desdobramentos resultantes do processo de coices institucionais em curso geram um horizonte de instabilidade político-institucional em um momento que o país precisa de consenso e tranquilidade para combater a pandemia e reencontrar um estado mínimo de normalidade.   

O post A encruzilhada entre democracia e corporativismo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O Brasil e os limites de uma cultura de liderança baseada na subserviência https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/o-brasil-e-os-limites-de-uma-cultura-de-lideranca-baseada-na-subserviencia/ Wed, 17 Feb 2021 15:04:34 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-brasil-e-os-limites-de-uma-cultura-de-lideranca-baseada-na-subserviencia/ Episódios recentes no Ministério das Relações Exteriores comprovam a existência de ambientes férteis para o “yes-man” no Brasil

O post O Brasil e os limites de uma cultura de liderança baseada na subserviência apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Em inglês há uma expressão para qualificar aqueles assessores que concordam sempre com o chefe. É o “yes-man”, o sujeito que sempre diz sim e até se antecipa para expressar opiniões que agradam o superior. Houve um tempo em que esse tipo de atitude era a regra geral, uma espécie de caminho seguro para o sucesso na carreira. Hoje em dia, o “yes-man” seduz pouca gente no setor mais moderno da economia, embora o tipo ainda prolifere em círculos onde a mentalidade de corte subsiste.

Na semana passada, vimos dois episódios no Ministério das Relações Exteriores que comprovam a existência de ambientes férteis para o “yes-man”. O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso a telegramas da Embaixada em Washington sobre a campanha eleitoral e seu resultado nos Estados Unidos. O nosso embaixador lá fez relatos insípidos sobre o processo, relatando as alegações de fraude generalizada e a estratégia jurídica da campanha Trump. Até aí, tudo bem. O problema residiu na incapacidade de emitir sequer uma consideração sobre o caráter manifestamente falso de tais alegações ou sobre as chances praticamente nulas de tal estratégia dar algum resultado.

Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores.
Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. Foto: Leonardo Sá (Agência Senado).

O segundo fato relevante foi o caso de embaixador indicado para a delegação brasileira junto à ONU e em Genebra, que foi rejeitado pelo plenário do Senado. O estopim foi a recusa do indicado a responder a pergunta da senadora Katia Abreu. Alegou que a pergunta versava sobre tema que não é da sua alçada. Disse que não estava “mandatado” para se manifestar sobre como as denúncias de descalabro da política ambiental podem servir de desculpa para minar o acordo Mercosul-UE por parte de setores protecionistas europeus.

O Brasil e a mentalidade de “yes-man”

Tanto num caso quanto no outro, o ímpeto por agradar e o medo de dizer qualquer coisa não previamente chancelada pela chefia retiraram a capacidade dos agentes públicos de desempenhar com eficácia suas funções. No caso do embaixador nos EUA, seus informes deixaram de alertar para alta probabilidade de vitória de Biden e sua irreversibilidade nos dias seguintes ao pleito. Já o indicado para Genebra demonstrou não entender a natureza do jogo no Senado, cuja sabatina não consiste em tomar a lição de um aluno que poderia alegar que a matéria não foi dada em sala para negar-se a responder a um questionamento.

Com um pouquinho de desenvoltura, deixando de lado a mentalidade de “yes-man”, seria plenamente possível dizer à senadora, sem contradizer a política oficial, de que ela tinha razão: o agronegócio brasileiro é o mais sustentável do mundo, alguns interesses protecionistas exageram problemas por interesse próprio e podemos melhorar nossa imagem no exterior.

Não culpemos apenas os personagens que agem como “yes-man”. O exemplo tem de vir de cima. A verdadeira liderança valoriza o pluralismo e a independência de pensamento. Lincoln incluiu no seu gabinete alguns desafetos para ter mais capacidade de governar, o chamado “time de rivais”. Na crise dos mísseis, JFK valorizava os que discordavam, pois isso permitia colocar à prova suas convicções, em prol de decisões mais embasadas. Talvez falte no Brasil esse estilo de liderança.

O post O Brasil e os limites de uma cultura de liderança baseada na subserviência apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
E agora? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/e-agora/ Sun, 14 Feb 2021 18:17:54 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/e-agora/ Bolsonaro consegue eleger os presidentes da Câmara e do Senado, resta saber quanto tempo esta aliança perdurará e quais seus principais desafios

O post E agora? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Com as vitórias de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente na Câmara e no Senado Federal, o governo Bolsonaro tem exatamente aquilo que buscava, uma relação de lua de mel com o legislativo, ao menos no início dessa legislatura. O papel desempenhado pelos articuladores do Palácio do Planalto, com destaque para o General Ramos, resultou após alguns meses em duas vitórias categóricas contra uma oposição que se mostrou incapaz de construir uma articulação minimamente competitiva.

O deputado Arthur Lira discursa durante sessão para eleição dos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados
O deputado Arthur Lira discursa durante sessão para eleição dos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Foto: Marcelo Camargo (Agência Brasil).

No caso da Câmara dos Deputados, o pouco entusiasmo despertado pela narrativa de Maia/Rossi é um indicativo importante para aqueles que fazem oposição ao governo. A construção de falas que encadeiam termos como democracia, responsabilidade e discernimento, precisa estar acompanhada de passos concretos e críveis para que setores sociais além daqueles que são contrários ao presidente se manifestem.

De outro lado, a vitória de um bolsonarismo pragmático no legislativo, traz um enorme desafio em termos de manutenção do discurso militante do presidente.

Explico, Bolsonaro tem conduzido até aqui uma presidência em ritmo de campanha. Tal estratégia funciona de maneira eficaz quando há um inimigo ou um antagonista, papel que em 2020 foi desempenhado a contragosto por Rodrigo Maia e em alguns momentos por João Doria.

Senador Rodrigo Pacheco é o novo presidente da Casa. Foto: redes sociais
Senador Rodrigo Pacheco foi eleito presidente da Casa com o apoio de Bolsonaro. Foto: redes sociais

Porém, quando em situação de harmonia, surge um desafio: com quem o presidente irá antagonizar em momentos de crise reputacional? Passado o hype do início da vacinação, e pelo próprio comportamento do PSDB durante as eleições no legislativo, é previsível que haja
uma diminuição da relevância nacional do governador de São Paulo.

Diante de um horizonte que se assemelha a um céu de brigadeiro, há algum risco para o Planalto em termos de cenário futuro?

Aqui identificamos dois: o primeiro diz respeito à capacidade do executivo de atender as demandas dos seus apoiadores legislativos na velocidade desejável; o segundo, por sua vez, vinculado ao primeiro é a capacidade dos
presidentes das casas de controlarem as pautas legislativas de acordo com os interesses do executivo.

Se o primeiro risco depende única e exclusivamente da capacidade do Planalto de cumprir seus compromissos, o segundo passa pela capacidade de Lira e Pacheco de construírem um ambiente harmônico entre seus pares. Se há um traço comum nas campanhas de ambos os parlamentares é que ao final do dia seus compromissos mais fundamentais foram estabelecidos com seus pares. No Senado, esta ação parece ser de mais fácil construção, ao passo que na Câmara a tarefa de Arthur Lira parece mais difícil. Sobretudo, pelo fato de que uma parte considerável das legendas está fracionada e os ajustes na construção das mesas diretores e comissões deve realçar tais divisões.

O ponto é que em meio a uma lógica em que o embate político tende a mudar de escopo, o governo tem caminho livre para construir uma agenda que o permita ser viável em termos eleitorais em 2022. O dilema, portanto, reside na capacidade que a presidência tenha de efetivamente construir esta agenda e construir acordos e compromissos que permitam aumentar a sensação de que o país não está à deriva em meio a uma grave crise. Terá de substituir o antagonismo como modo de ação pela construção de agendas negociadas, de modo a dar um rumo ao governo, algo nada trivial para quem se acostumou a jogar na polarização.

O post E agora? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Os resultados que precisamos e aqueles que temos da Política Externa Brasileira https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/os-resultados-que-precisamos-e-aqueles-que-temos-da-politica-externa-brasileira/ Thu, 11 Feb 2021 11:01:27 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/os-resultados-que-precisamos-e-aqueles-que-temos-da-politica-externa-brasileira/ Uma política externa descolada do eixo tradicional das políticas públicas, é incapaz de gerar resultados e corresponder aos desafios impostos pelas dinâmicas da geopolítica das vacinas globalmente

O post Os resultados que precisamos e aqueles que temos da Política Externa Brasileira apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Um dos primeiros textos desta coluna discutiu o que é Política Pública e a sua utilidade. Longe de esgotar o assunto, aquela reflexão ressurge com força no atual momento. Seja pelas discussões bizantinas que envolvem a vacinação, seja pelos limites geopolíticos impostos ao governo brasileiro. O fato é que políticas públicas devem buscar resultados e soluções para a coletividade e que Política Externa, ao ser Política Pública, está enquadrada neste axioma.  

Se no passado tal concepção de realidade era um truísmo, hoje, é preciso reafirmar essa noção já que o domínio diplomático parece ter sido colonizado pela ideologia. A principal resultante deste fenômeno é a expulsão do cálculo tradicional de ganhos e benefícios e a exclusão do pragmatismo saudável da projeção de interesses nacionais no contexto de um cenário internacional cada vez mais competitivo.

Obviamente, este dilema não é exclusividade do Brasil. Ao contrário, o avanço do populismo mundo afora teve o condão de usar a Política Externa como um de seus alvos prediletos na busca de bodes expiatórios, numa manobra daninha para uma ordem internacional baseada no direito e na solução negociada para problemas comuns. No caso da Europa, a política de integração seria a culpada pelo desemprego, pela imposição de valores democráticos contra a vontade de regimes “iliberais”, pela suposta invasão de imigrantes, mesmo em países com números irrelevantes de imigrantes.

Nos EUA, Trump representou fenômeno semelhante. Manipulou a situação difícil de parcelas da população e seus temores mais recônditos em relação ao outro e ao diferente. Atribuiu a imigrantes os males sociais, culpou a China pela decadência da manufatura tradicional no país, acusou ambientalistas de inventar uma conspiração global para matar a indústria do carvão e retirar o poder do setor de hidrocarbonetos.

Em suma, o populismo tem como subproduto uma visão maniqueísta, que reduz o mundo a um roteiro cinematográfico de uma batalha as forças do bem – não coincidentemente ocidentais, conservadoras, nacionalistas – contra as forças do mal – o comunismo, o globalismo, a ONU, a OMS. Esse amálgama simplista distorce a realidade para fabricar soluções imaginárias. E como resultante, realiza-se um processo de fuga das Políticas Públicas baseadas em evidência e aposta-se em soluções baseadas em sectarismo.

Como exemplo deste processo, percebe-se a ideologização de Políticas Públicas, que se tornam um campo de embate desproporcional diante da gravidade das situações a serem enfrentadas. Neste país, vimos isso na questão da vacina, no relacionamento subserviente em relação aos EUA de Trump e na prática de pisar no calo da China, ignorando a relevância deste país para a economia nacional. Desta maneira, o populismo que hoje dá as cartas na nossa Diplomacia tornou-se um estudo de caso na busca de ganhar pontos com uma base eleitoral radicalizada em detrimento dos interesses concretos da população.

O fato é que se anteriormente, a lógica de ideologização não possuía resultados concretos, na atual conjuntura os danos são inescapáveis. A realidade se impõe e se vinga, em momento que o país precisa manter mercados abertos às exportações – nos EUA, na Europa, na América do Sul e na Ásia – e na hora de navegar no mar revolto da geopolítica das vacinas. Nesse caso, a vergonha e o constrangimento moral de uma Diplomacia sectária é um problema menor diante da perda de influência, poder e por consequência, capacidade de garantir a prosperidade, a saúde e o futuro de nossos cidadãos.

O post Os resultados que precisamos e aqueles que temos da Política Externa Brasileira apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Vivemos uma mudança estrutural ou um pequeno ponto fora da curva? https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/vivemos-uma-mudanca-estrutural-ou-um-pequeno-ponto-fora-da-curva/ Wed, 03 Feb 2021 21:22:46 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/vivemos-uma-mudanca-estrutural-ou-um-pequeno-ponto-fora-da-curva/ Vivemos um momento grave, porém passageiro, ou um divisor de águas que vai liberar novas forças, de impactos ainda desconhecidos?

O post Vivemos uma mudança estrutural ou um pequeno ponto fora da curva? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Vivemos uma mudança estrutural ou um pequeno ponto fora da curva?
Celebração religiosa sem público na Catedral de Westminster, no Reino Unido, em razão da Covid-19.
(Foto: Mazur / cbcew.org.uk)

A escola dos “Annales” na França utiliza a noção da história de longa duração. Em vez de ter um foco numa história de curto prazo, voltada para a descrição de eventos pontuais, a perspectiva de longa duração busca inserir essa sucessão de fatos em movimentos mais amplos de médio e longo prazos, que desvelam forças estruturais, tendências subterrâneas, acomodação de placas tectônicas ao longo de décadas e até séculos.

Este ponto de partida é importante para uma reflexão acerca de como os historiadores do futuro analisarão o período atual de crises múltiplas. Há mais de um século, durante o período da gripe espanhola, milhões morreram, a situação econômica não era brilhante, com muitos países ainda destroçados pela Primeira Guerra Mundial. No entanto, aquele período hoje nos parece pouco dramático. O problema sanitário do passado é quase um soluço passageiro na história do entre guerras, incapaz de retirar a atenção dos historiadores para outros aspectos dramáticos, em particular o legado de tragédias e emoções negativas que ofereceriam terreno fértil para a Segunda Guerra.

Isto leva a duas perguntas: o momento atual será também encarado, daqui a algumas décadas, como um fenômeno grave, porém passageiro? Ou, contrariamente, será considerado um divisor de águas a partir do qual novas forças foram liberadas, com impactos transcendentes no modo como as sociedades se organizam?

Se a primeira hipótese estiver correta, talvez tenhamos de passar pela provação para voltar ao bom e velho normal tal como estávamos acostumados. Nesse caso, a economia não seria reorganizada de maneira significativa e nem as relações de poder entre os países sofreria alteração de monta. Movimentos políticos populistas continuariam negando a ciência, ganhando eleições aqui e acolá, perdendo outras. EUA e China retomariam nas mesmas bases sua competição geoeconômica em busca da liderança mundial.

Vivemos uma mudança estrutural ou um pequeno ponto fora da curva?
Rua deserta em Pelotas (RS) durante lockdown contra a Covid-19.
(Foto: Rodrigo Chagas/Fotos Públicas)

Entretanto, se a segunda for a correta, é bem possível que o velho normal tenha sido sepultado definitivamente. Como se trata de uma novidade e não a repetição dos padrões de comportamento e de relações de força anteriores, tanto no interior dos países quanto na cena internacional, seria mais difícil saber se a humanidade retirará do trauma as lições que permitam dar a volta por cima. Os estudiosos preocupados com a história de longa duração buscarão identificar as novas tendências inauguradas com a crise, quer no sentido de revalorização da ciência e de políticas públicas pragmáticas, quer no sentido contrário, de um populismo eventualmente revigorado, que se aproveita da distribuição desigual do acesso à saúde para eleger novos bodes expiatórios para sua própria incompetência: o globalismo, o vírus chinês, a ONU.

O mais importante não é qual das hipóteses está correta, mas a certeza de que a história não é teleológica, não flui numa direção pré-determinada. Se queremos que o momento atual seja uma provação que pelo menos sirva para avançar rumo a sociedades mais justas e prósperas, será preciso retirar lições deste período de sofrimento e crise. Evitando o equívoco de aferrar-se, diante de questões complexas, a respostas simplistas que já se provaram equivocadas, como o extremismo que vicejou entre as duas grandes guerras e que hoje reaparece sob novas roupagens, num ensaio de repetição trágica da história.

O post Vivemos uma mudança estrutural ou um pequeno ponto fora da curva? apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Ninguém faz melhor oposição ao governo do que o próprio governo https://canalmynews.com.br/creomar-de-souza/ninguem-faz-melhor-oposicao-ao-governo-do-que-o-proprio-governo/ Thu, 21 Jan 2021 16:55:59 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/ninguem-faz-melhor-oposicao-ao-governo-do-que-o-proprio-governo/ O custo de escolhas estratégicas equivocadas do Governo Federal cobrou um preço alto nas últimas semanas

O post Ninguém faz melhor oposição ao governo do que o próprio governo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Ninguém faz melhor oposição ao governo do que o próprio governo
O ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e o presidente Jair Bolsonaro durante o lançamento do plano nacional de imunização contra a Covid-19.
(Foto: Isac Nóbrega/PR)

Enquanto o mundo observa com olhar atento a transição de governo nos Estados Unidos, no Brasil a confluência de equívocos políticos e de gestão pública segue seu curso. Se a aprovação de dois imunizantes em caráter emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) representou uma verdadeira apoteose cívica no último fim de semana, os desafios de construção de um amplo programa de vacinação passam diretamente por uma estabilização do ambiente político.

Neste sentido, o ato do governador João Doria de iniciar a vacinação no Estado de São Paulo poucas horas após a decisão da Anvisa é um marcador importante do panorama político nacional. De um lado, o mandatário paulista capitalizou de maneira direta os ganhos de uma batalha campal protagonizada por ele e o Presidente da República nos últimos meses. De outro, a derrota avassaladora na Anvisa e o início simbólico da vacinação em São Paulo, nitidamente, deixaram o Governo Federal atordoado.

De uma coletiva esvaziada feita pelo Ministro da Saúde, o General Pazuello, passando pelo silêncio sepulcral do Presidente da República, o custo de escolhas estratégicas equivocadas cobrou um preço alto nas últimas semanas. Longe de uma construção maniqueísta que coloque Bolsonaro como o mal e Doria como o bem. O fato é que a opção do Palácio do Planalto em ignorar uma abordagem científica da crise sanitária, aliada a uma série de erros de comunicação e de desconhecimento da lógica de funcionamento do Sistema Único de Saúde, redundou na máxima de que ninguém faz melhor oposição ao governo do que o próprio governo.

Como um reforço previsível da lógica acima exposta, o presidente Bolsonaro fez uma evocação ao papel das Forças Armadas como elemento decisório mais importante de uma democracia. A ação, como de costume, desperta atenções e sensações desagradáveis em vários grupos do espectro político. Porém, ela serve muito bem como anteparo ao processo de construção ora em curso de uma grande ofensiva do governo no Legislativo. 

Este movimento, orquestrado de maneira muito eficaz por assessores mais próximos do Presidente, e parlamentares que apoiam o governo, construiu duas ações importantes durante as últimas semanas. A primeira foi minar qualquer ação que visasse uma interrupção do recesso parlamentar, e a segunda, a construção de uma base de apoio significativa para as candidaturas de Arthur Lira (PP-AL) para presidência da Câmara dos Deputados e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado Federal.

Cabe, porém, a reflexão em termos contrafactuais: e se os candidatos do Planalto forem derrotados? O questionamento parte do princípio de que em passado recente foi observada situação semelhante com Dilma. Lá e aqui, o governo prometeu tudo que os parlamentares desejavam para que seus candidatos vencessem, porém, o fato de que a relação entre Executivo e Legislativo estava bastante desgastada, os parlamentares mudaram de lado nos últimos instantes do jogo.

O ponto aqui, portanto, não é estabelecer uma lógica infundada de previsibilidade. Entretanto, não há dúvida alguma de que a simultaneidade de crises é fator que gera alguma instabilidade no horizonte decisório. E esta, ativa o tradicional mecanismo retórico do presidente de entrar em modo de campanha, a diferença é que neste exato momento a diminuição do alcance de suas falas nas redes sociais é um desafio para o qual seu grupo não parece estar preparado.

O post Ninguém faz melhor oposição ao governo do que o próprio governo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>