Economia

Mercado digital

Os (cripto)mineradores brasileiros: lucros, choques e promessas

Atraídos pelo boom das moedas digitais, investidores montam operações domésticas para surfar a onda das criptomoedas

por Thales Schmidt em 03/05/21 09:09

As moedas de ouro deram lugar às cédulas de papel, que foram substituídas pelas fitas magnéticas dos cartões de crédito. Agora, as linhas de programação das moedas digitais querem ser a bola da vez. Comprar com uma criptomoeda, contudo, não é tão simples quanto entregar uma nota, é preciso que um computador valide a transação — e é este filão que criou escassez de produtos eletrônicos e uma demanda por energia elétrica que ameaça o meio ambiente.

Para garantir a autenticidade de uma transação por criptomoedas, é preciso que uma terceira parte autentique a transação. Quando uma compra ou venda de moeda digital ocorre, ela cria uma chave criptografada que precisa ser validada. É nesta parte que entram os supercomputadores, eles fazem milhares de cálculos por minuto para tentar encontrar essa chave criptografada e garantir a autenticidade da transação. Esse processo é conhecido como blockchain e o uso dos computadores, mineração.

Como os usuários que autenticam a transação são remunerados com criptomoedas, há uma disputa para ser o auditor das transações. E essa disputa fomentou o uso de computadores cada vez mais potentes e investimentos maiores.

A mineração gera calor e consome energia elétrica, o que faz com que algumas das maiores “fazendas de mineração” do mundo estejam concentradas em países com eletricidade barata e clima gelado, como China, Suíça, Rússia e Islândia. Todavia, há um grupo de mineradores brasileiros investindo e faturando para participar dessa economia em pleno clima tropical.

Fazenda de mineração da empresa Genesis Mining na Islândia. Foto: Marco Krohn / Creative Commons
Fazenda de mineração da empresa Genesis Mining na Islândia. Foto: Marco Krohn / Creative Commons

Os mineradores brasileiros

Ricardo de Tarso, morador de Fortaleza, no Ceará, afirma que não gosta de seguir ordens e enxerga nas criptomoedas um negócio vantajoso pela ausência do Estado na regulação e nas transações. Investir no setor, afirma, foi uma decisão lógica.

“Tive que passar em um concurso público para investir em criptomoedas. Se eu pudesse, teria feito isso muito mais cedo”, diz Tarso ao MyNews.

Com os vencimentos e o cargo de agente penitenciário, Tarso afirma que passou a investir na mineração de criptomoedas. Hoje diz ter mais de R$ 500 mil em equipamentos, 122 placas de vídeo minerando e um faturamento líquido mensal de aproximadamente R$ 100 mil. Tarso conta que ele próprio montou sua fazenda de mineração e que tomou choques e sofreu queimaduras nas mãos e no rosto ao cuidar da parte elétrica do empreendimento.

Por conta da alta capacidade de processamento e chips que representam o estado da arte em termos de computação, as placas de vídeo são os equipamentos preferidos, e disputados, pelos mineradores. A demanda por placas de vídeo no mercado é tamanha que as autoridades de Hong Kong chegaram a apreender um carregamento de 300 placas de vídeo com contrabandistas após uma perseguição. A mercadoria detida tem um valor de aproximadamente US$ 250 mil e foi fabricada especificamente para minerar moedas digitais.

Esse pico de demanda e escassez ainda conta com outros ingredientes: a disparada na procura por equipamentos de informática causada pelo trabalho remoto imposto pela pandemia de covid-19 e sanções aplicadas pelos Estados Unidos contra a China. O cenário faz com que o silício usado para fabricar placas de vídeo também seja disputado por drones militares, chips de internet 5G e até mesmo pela indústria automotiva.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, enxerga a escassez global de chips semicondutores como uma questão estratégica e prometeu um pacote de US$ 50 bilhões para as empresas do setor investirem na produção e realizarem pesquisas.

Enquanto os semicondutores continuam difíceis de encontrar e o preço das criptomoedas atingem recordes históricos, o assessor de comunicação Carlos Augusto organiza uma comunidade de pequenos mineradores em um aplicativo de mensagens.

“Eu dou muito apoio à ideia das criptomoedas, sempre achei que foi um baita de um investimento, uma baita de uma ideia, e acho que a mineração está inclusa nisso”, diz Augusto ao MyNews.

O assessor de imprensa de Joinville, Santa Catarina, diz que precisa “balancear” sua atividade profissional com a manutenção das placas de vídeo e o canal no TikTok que tem para divulgar sua rotina de minerador. Augusto afirma que investiu R$ 28,5 mil em seis placas de vídeo e consegue um faturamento líquido que oscila entre R$ 5,5 mil e R$ 4,5 mil.

“Essas quedas [no faturamento] são naturais. O que eu faço é estudar muito antes de colocar um investimento e ver o que vale a pena ou não. Como eu já previa, e eu sei que teve épocas em que a mineração não pagava nem a própria conta de energia, eu já entrei bem preparado no mercado”, diz Augusto.

Crescimento explosivo e custo ambiental

Nos últimos 12 meses, o indexador de commodities da Bloomberg registrou uma alta de 48,38%. O índice foi influenciado por altas no período como as registradas no preço da soja (85,01%), algodão (50,72%), trigo (40,85%) e petróleo (164,91%), de acordo com dados do jornal britânico Financial Times calculados com base no dólar.

Nos mesmos últimos 12 meses, a mais famosa das criptomoedas, o Bitcoin, teve valorização de 507,18% em sua cotação frente ao dólar. No mesmo período, e também na comparação com o dólar, outras moedas digitais registraram crescimento ainda maiores: Ethereum (1.223%), Cardano (2.587%), Binance (3.360%) e Dogecoin (12.540%).

Se não for objeto de nenhuma regulação, a mineração de Bitcoin na China deve atingir seu pico em 2024 e ser responsável pela emissão de 130,5 milhões de toneladas métricas de carbono. Com esse passivo ambiental, a mineração chinesa da criptomoeda estaria na 13° posição de países que mais poluem o meio ambiente, na frente de países como Arábia Saudita e Itália. O dado é de estudo publicado pela revista Nature. Os pesquisadores afirmam no levantamento que a China, responsável por cerca de 80% de toda a mineração de criptomoedas do mundo, pode não atingir suas metas do Acordo de Paris se não adotar políticas públicas para minimizar os impactos ambientais da atividade.

Já em 2021, a Universidade Cambridge estima que a mineração de criptomoedas consuma 131,74 TWh por ano, mais do que o consumo anual da Argentina e seus 44 milhões de habitantes.

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