Corrupção se resolve com o fortalecimento das instituições e a participação popular, e não com políticos honestos.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 13/09/22 08:29
Já faz mais ou menos uma década que a bandeira de combate a corrupção foi usurpado por algumas correntes políticas. A bandeira da honestidade foi usurpado para atacar a atividade política em si. Algumas lideranças políticas não tradicionais se aproveitaram da sensação de desilusão política e revolta popular para direcionar o ressentimento do eleitor contra toda a classe política.
Apesar de sempre haver um bom número de pessoas que pensam que “político é tudo igual”, o número destes desiludidos tem crescido nas últimas décadas no mundo inteiro. E junto a esta desilusão vem a sensação que a atividade política em si envolve alguma desonestidade, engano e manipulação.
Em parte isto ocorre com o fracasso das democracias ocidentais em entregar o que se esperava delas. Após o fim da Guerra Fria se esperava uma expansão da democracia ao redor do globo, e um período de paz, progresso, e felicidade humana. E se algum progresso nesta direção foi feito, não ocorreu de forma clara o suficiente para satisfazer a população. Por isto na última década uma sensação de que a política democrática fracassou se faz cada vez mais presente.
Aproveitando-se deste ressentimento um grande número de “salvadores da pátria” apareceram, se oferecendo para ser o homem certo na hora certa. Segundo estes supostos salvadores, o que a política precisa é de pessoas honestas, de caráter firme e sólido, dispostas a mudar o sistema. Homens fortes para enfrentar tempos difíceis.
Ou seja, o falso combate a corrupção se baseia em dois conceitos. A personalização da política, transferindo a solução das instituições para as pessoas, e a moralização do discurso. As visões ideológicas, os debates acerca da função do estado, de quais mudanças sociais desejamos, isto se torna pouco importante. O importante é apenas o caráter ilibado e a retidão moral dos líderes e governantes.
Esta é a principal causa do porque aqueles que erguem o combate a corrupção como a principal bandeira tendem a ser governantes autoritários, disruptivos e, curiosamente, corruptos. Ao transferir das instituições para as pessoas a responsabilidade de administrar a coisa pública já temos o ovo da serpente da corrupção. O que nos garante um governo honesto e republicano não é o caráter dos governantes, e sim a solidez e eficiência das instituições. O combate a corrupção é uma questão de estado, e não política de governo.
Enquanto nos ocuparmos em não votarmos em ladrões, e punirmos exemplarmente os corruptos, mas ao mesmo tempo não enxergarmos o Congresso, a Presidência, os Tribunais, os Partidos e entidades de fiscalização como aliados do povo, o processo de despolitização continuará, e a corrupção continuará a crescer. Corrupção se resolve com o fortalecimento das instituições e a participação popular, e não com políticos honestos.
Este discurso de redução da política à questão da corrupção já foi usado exaustivamente como um mecanismo de fortalecimento da mentalidade populista. O líder honesto junto com o povo contra os políticos. Mas com o fracasso da Lava Jato e a revelação dos seus bastidores o eleitor atual se tornou cínico. Percebeu que até os paladinos da justiça se envolviam em seus próprios esquemas escusos. Juntando isto a grave crise econômica vemos que a corrupção deixa de ser a principal preocupação do eleitor.
Então uma nova forma de ataque a política se faz necessária. Uma nova forma de tentar manter o povo com repulsa da política. Uma nova forma de vender que certos grupos são diferentes dos antigos políticos, responsáveis pelos problemas da nação.
E mais uma vez a estratégia é pegar um problema real e grave e aumentá-lo de tal forma a ocupar todo o imaginário. Algo similar a corrupção, que seja grave o bastante para causar uma repulsa moral. Algo que permita classificar quem se opõe a seu discurso como repugnante, perigoso. E o escolhido de hoje é a polarização.
De fato vivemos hoje um momento de muito ódio na política, em que a grande maioria se divide em dois grupos. Um acredita estar no lado do bem contra o mal. O outro define o conflito como a civilização contra a barbárie. Isto é um problema sério que merece nossa atenção e cuidado. Mas temos alguns líderes que usam deste conflito para mais uma vez tentar colocar o povo contra a política, e apresentar salvadores belos e morais, diferentes destes políticos de atualmente.
Para isto eles partem da teoria da ferradura, da ideia bem questionável que radicais de direita e de esquerda tem mais coisas similares que opostas. E também fazem uma falsa similaridade, colocando os radicais de direita como similares aos moderados de esquerda. Mas o pior é a demonização da política em si.
Não é incomum que os defensores de que o problema do Brasil é a polarização também discursem que direita e esquerda sejam conceitos antiquados e superados. Lemas como “nem a direita nem a esquerda, e sim para frente”. E com isto tentam colocar os temas polêmicos, com potencial de gerar divergências, como coisas perigosas de colocar em debate. Temas como aborto, direitos LGBTQIA+, racismo estrutural, etc, devem ser evitados. Não são importantes, não são prioritários, e só dividem a sociedade.
Por fim, é necessário evitar que qualquer análise seja feita fora da hipótese da ferradura. Não se analisa os atos mais extremados de tal ou qual grupo como um ato unilateral. Sempre é necessário culpar os dois polos. Isto em nome de uma tese sem sentido de que não existiria o radicalismo de um lado sem a oposição do outro.
O exemplo mais nítido disto é o uso do termo “bolsolulismo”. A ideia de que a essência dos dois grupos seria a mesma, e que um grupo só existe por que o outro alimenta o ódio. É graças a esta análise contraditória que vemos análises absurdas quanto aos atos de radicalismo atuais.
Exemplo disto foi a declaração de Ciro Gomes em resposta ao atentado contra Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina:
“O atentado frustrado a Cristina Kirchner por pouco não transforma em chuva de sangue a nuvem de ódio que se espalha pelo nosso continente. Nossa solidariedade a esta mulher guerreira que com certeza não se intimidará. Para nós, fica a lição de onde pode chegar o radicalismo cego, e como polarizações odientas podem armar braços de loucos radicais ou de radicais loucos. Ainda há tempo de salvar o Brasil de uma grande tragédia gerada pelo ódio. Paz!”
Ou seja, em resposta a um ato de um louco radical ou radical louco Ciro opta por acusar os dois lados envolvidos no atentando. A saber, o terrorista e sua vítima. Os radicais loucos não precisam de nenhuma polarização para seu radicalismo e sua loucura. E não faz sentido, por exemplo, culpar Stalin pelos atos de Hitler, ou vice-versa.
E ainda resta uma questão ainda mais nítida. Se há uma verdadeira radicalização no Brasil de hoje, ela começa não em um radicalismo ou intolerância dos governos do PT, nem mesmo na revolta popular contra os erros e desmandos destes governos.
A radicalização começa exatamente no erro de demonizar a política. Não foi a polarização que radicalizou o país, e sim a tentativa bem sucedida de fazer o povo acreditar que toda a velha política era corrupta, imoral e repulsiva. É este sentimento, e não radicalismos ideológicos, que cria o clima de guerra cultural. Os radicais sempre existiram, mas só conseguem poder e alcance quando os moderados passam a odiar.
Por isto a solução para o ódio político jamais será repetir este discurso de repulsa, de apontar dedos, e transformar a política em um combate moral. Precisamos sim apontar os radicais e repudiá-los. Mas precisamos principalmente construir pontes entre os divergentes, e trazer de volta a política para o centro do debate. E não fulanizar a política para atacar a tudo e a todos.
*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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