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O desafio da segurança pública no Brasil: três pontos essencialmente críticos

É importante compreender que a segurança pública não se resume à questão da ação policial

por Marco Tulio Zanini em 06/01/21 16:57

Blitz Polícia Militar Segurança pública
Policial militar durante operação em São Paulo. Segurança pública vai além do efetivo de polícias.
(Foto: Gilberto Marques /A2img)

Além de representar a principal e mais tradicional função do Estado, é inegável que a segurança pública é uma das principais prioridades para o Brasil, sem a qual não há garantia das liberdades individuais e manutenção de um padrão mínimo de qualidade de vida. Num círculo vicioso, áreas degradas pela violência urbana inibem os investimentos e consequentemente o desenvolvimento econômico. Segurança pública, portanto, permanecerá como um tema prioritário na agenda dos governos federal e estadual nas próximas décadas.

A situação do Brasil é muito crítica. Em 2019, contabilizamos 41.726 homicídios. Nos últimos 10 anos, totalizamos mais de 550 mil homicídios. Isso representa cerca 13% dos homicídios no mundo. Sabemos que 56% das vítimas são homens jovens, com idade entre 18 a 29 anos. O crime organizado, milícias e tráficos de drogas, são apontados como as principais causas desses números.

Durante os últimos 8 anos, nos dedicamos a pesquisa das equipes especiais de operações policiais no Brasil e nos Estados Unidos. Tivemos a oportunidade de mergulhar no ambiente da Segurança Pública no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Realizamos mais de 300 entrevistas individuais e em grupo com mais de 600 policiais, acompanhamos operações e a rotina do trabalho (A Ponta da Lança, Elsevier, 2014).

O que percebemos: a opinião pública reage às sombras e a situação real raramente é acessível ao grande público. Por exemplo, segundo o relatório final da CPI da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) de 2017 que investigou mortes de policiais, os policiais do Rio correm seis vezes mais risco de morrer do que policiais de São Paulo. Ainda, o Rio alcançou, em 2014, uma taxa de 265 mortes por 100 mil policiais.

O mesmo relatório comparou ainda a taxa de mortes de policiais no Estado e a registrada em outros países. Nos Estados Unidos, a taxa é de 7,1 mortes por 100 mil policiais, 37 vezes menor do que a registrada no Rio. Na Alemanha, 1,2, e em outros países como Inglaterra e País de Gales, a taxa não passa de uma morte por 100 mil agentes.

Portanto não se trata de números de policiamento ostensivo. Nossos números são de fato números de uma guerra urbana que causa mais baixas do que qualquer outra guerra contemporânea que temos notícia.

Três pontos críticos

Para começar a abordar o problema, apresento aqui algumas questões que certamente mereceriam mais tempo e espaço para serem completamente entendidas, mas para a nossa reflexão inicial, podemos elencar três pontos críticos que assolam a segurança:

1) Primeiro, ao nível institucional, as principais mudanças para a punição do crime estão fora do poder executivo, e sim no legislativo. Nossas leis não apoiam um governo que declara “tolerância zero”. Nossas leis são passíveis de interpretações distintas e muito tolerantes com o crime. Protegem os direitos humanos do criminoso, mas pouco protegem o policial (há aqui talvez um vício de herança de combate ao regime militar). Portanto se quisermos mudar a realidade, teremos que começar por reformas nas leis, pelo legislativo.

2) Segundo, especificamente em estados como o Rio de Janeiro, pesa-nos a omissão das atribuições da União. O combate ao tráfico internacional de drogas e da importação ilegal das armas (dado que a produção não é no Brasil) pertence a Polícia Federal. As Polícias Civil e Militar (Estadual), em consequência da pouca atuação nas causas, combate as consequências. O que é pouco eficaz, caro e muito violento.  Para combater o criminoso portando armas pesadas já infiltrados no meio dos civis, as Polícias Civil e Militar precisam de um arsenal pesado. Não é à toa que a polícia carioca porta fuzis.

3) Terceiro, o crime que combatemos no Rio de Janeiro é organizado por facções que lutam entre si pela disputa por territórios. No entanto, o pior problema do estado para enfrentar essas ações, não é o crime em si, mas a governança e coordenação dos recursos policiais. Há um sério problema de sobreposições e indefinições de funções nas atribuições e esferas de atuação da Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal. Falta uma coordenação integrada dessas instituições para que se possa aumentar a sua eficiência e efetividade.

Temos que ter em mente, não há solução simples e fácil. A declaração de alguns políticos populistas sobre a adoção de um regime de “tolerância zero”, encontra sérios limites no Brasil. As afirmações oriundas do senso comum, de que precisamos de mais policiais armados nas ruas, e de que a polícia é uma instituição essencialmente corrupta, são afirmações de quem está longe de compreender a realidade. Existem muitos problemas em nossas instituições policiais, mas também identificamos excelência operacional.

Aumentar o efetivo de policiais armados nas ruas tem sido a premissa de alguns políticos. Essa medida é diretamente proporcional ao inchaço do Estado, e foi exatamente o que aconteceu nos últimos anos no Rio. Na opinião de muitos especialistas, uma solução muito longe de resolver com eficiência a questão da segurança. Existem soluções melhores para esse problema, mas demandam governança dos recursos de segurança, inteligência e tecnologia.

Além disso, é importante compreender que a segurança pública não se resume a questão da ação policial. Envolve os hábitos e costumes da sociedade, a relação entre a sociedade e sua polícia, e a “percepção de segurança”, que geralmente está dissociada da contabilidade dos indicadores de segurança, como homicídios, principal métrica para a definição de áreas seguras. Mudanças efetivas encontram-se na capacidade de articulação política junto as instituições federais, e num trabalho integrado de mais longo prazo dos governos estadual e municipal. 


Marco Tulio Zanini é Professor Pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV). É também sócio-fundador da Symbállein, consultoria especializada em Cultura, Liderança e Fatores Humanos na Gestão de Riscos. www.marcotuliozanini.com.br

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