Com tantos privilégios previstos na nova reforma tributária, não é surpreendente que o percentual sobre o imposto de valor agregado brasileiro esteja projetado para cerca de 28%, o maior do mundo
por Tiago Mitraud em 28/08/24 12:01
Dados | Foto: Freepik
De tempos em tempos, o noticiário político me faz lembrar de uma anedota que aprendi nos corredores do Congresso.
Durante a constituinte, um taxista com ponto no Aeroporto de Brasília, começando seu dia, recebe um passageiro engravatado e pergunta o destino:
— Para o Congresso, por favor. — O senhor é deputado? — Não, sou advogado. Estou indo lá para garantir que os advogados tenham seus direitos garantidos na Constituição.
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No dia seguinte, o mesmo diálogo: — Bom dia, para o Congresso, por favor. — A senhora é deputada? — Não, sou professora e estou indo garantir que os professores tenham seus direitos na Constituição.
Em mais um dia: — Para o Congresso, por favor! — Ah, já sei! O senhor representa alguma categoria? — pergunta o taxista, já mais acostumado ao perfil dos passageiros do aeroporto para o Congresso.
— Sim, sou agricultor — responde o passageiro — e estou indo garantir que a nossa categoria esteja bem representada na Constituição. Como você sabia? — É que essa semana já levei representantes de várias outras categorias para lá. — esclarece o taxista.
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— E quem será que aparecerá amanhã? — pergunta o agricultor, curioso. — Amanhã não vou saber, pois não vou trabalhar. Vou direto para o Congresso garantir que os direitos dos taxistas também estejam na Constituição!
Embora a história possa não ser real, é bastante representativa. Desde 1988, essa rotina se repete frequentemente em Brasília, e não tem sido diferente agora, na reforma tributária.
A reforma aprovada até agora prevê, por exemplo, regimes diferenciados para profissionais como administradores, estatísticos e museólogos, e alíquotas diferenciadas para inúmeros itens, como produções nacionais artísticas e produtos de limpeza. Até mesmo os apostadores do turfe terão um desconto no imposto. Se não acertarem o cavalo vencedor, ao menos não precisarão pagar a tarifa cheia para o leão.
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E por que exatamente essas categorias, produtos e serviços foram contemplados? Seria fruto de um amplo estudo e análise técnica dos benefícios que essas diferenciações trarão para a população brasileira? É claro que não. A resposta está nos passageiros dos táxis (e agora também dos Ubers) de Brasília.
São tantas as exceções que, no texto final do PLP 68/2024, um dos que regulamenta a reforma, nada menos que 70% dos seus artigos tratam de regimes diferenciados ou específicos.
Não é surpreendente que, com tantos privilégios, a alíquota base do futuro imposto de valor agregado brasileiro esteja projetada para cerca de 28%, a maior do mundo. Afinal, cada exceção adicionada exige uma tarifa geral maior. E assim, seguimos perpetuando no sistema tributário brasileiro, além de injustiças, uma parte razoável das complexidades e distorções que a reforma deveria ter eliminado.
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Ao menos nesse conceito básico, governo e oposição deveriam concordar: é impossível ter uma alíquota razoável e um sistema tributário verdadeiramente simples quando, além de insistirmos em um modelo de estado grande e ultrapassado, somos ainda campeões das exceções e privilégios.
É esse corporativismo profundamente enraizado na nossa cultura que faz com que a maioria silenciosa dos brasileiros, que não se organiza em grupos de pressão, acabe, mais uma vez, pagando a conta.
Como tem se repetido ao longo da nossa história, são justamente aqueles que têm mais consciência de que o Brasil é um país pobre, com pouca farinha, que correm para Brasília para garantir primeiro o seu pirão.
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