Dados do Banco Central mostram que beneficiários do programa de transferência de renda direcionaram cerca de R$ 3 bilhões para as bets em um mês
por Rodrigo Augusto Prando e Edgar Cândido em 02/10/24 11:45
Bolsa Família é um programa de transferência de renda instituído em 2003 | Foto: Wikipédia
Há tempos, os brasileiros estão convivendo – em seu cotidiano – com apostas realizadas online, as chamadas bets. A fórmula destas casas de aposta é simples e já conhecida: ganhos fáceis e rápidos. Milhares de pessoas estão, assim, direcionando seus recursos financeiros aos jogos e, especialmente nos últimos dias, foi trazido à tona que muitos dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) também estão apostando e, não raro, se endividando.
O Programa Bolsa Família, instituído em 2003, é uma ação governamental proposta a dar suporte financeiro às famílias em casos de pobreza e de pobreza extrema em nosso país. Trata-se de um programa de transferência de renda, com condicionalidades (na saúde, acompanhamento do calendário vacinal para menores de 7 anos; na educação, frequência escolar de, no mínimo, 85% para crianças e adolescentes). Atualmente, a quantidade de famílias favorecidas pelo PBF varia de ano para ano, hoje cerca de 21 milhões de famílias recebem esse auxílio, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social Família e Combate à Fome.
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O principal objetivo do programa é reduzir a disparidade socioeconômica e proporcionar uma renda mínima para a parcela da população mais vulnerável. O valor médio recebido – que varia conforme as políticas governamentais – está em torno de R$ 680,00, ou seja, menos de meio salário-mínimo. Destaque-se, ainda, que parte substancial do benefício é direcionado para a população preta ou parda (79%) e para a região Nordeste, com cerca de 45%. E, desta forma, o valor total repassado pelo Governo Federal é de 14 bilhões de reais.
Desde sua gênese, o Bolsa Família é alvo de críticas que, na maioria da vezes, não se sustentam por transitarem do senso comum na direção do puro preconceito. Obviamente, toda política pública pode e deve ser avaliada, apresentando o quão eficaz é e quais as portas de entrada e saída para a população beneficiada.
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O impacto psicológico e social em uma população com poucas possibilidades de ascensão social é expressivo e multifacetado e, por isso, essa falta de possibilidade e luta pela sobrevivência criam um ciclo de desalento e estresse recorrente. Os dependentes do PBF se deparam com consideráveis barreiras estruturais e caem na chamada armadilha da pobreza, situação de difícil superação em função dos poucos recursos financeiros disponíveis no bojo familiar.
A mídia – televisão, jornais e sites – informaram que, a partir de dados do Banco Central, beneficiários do Bolsa Família direcionaram cerca de R$ 3 bilhões para as bets em um mês. Isso significa, percentualmente, que algo em torno de 21% da renda do PBF foi transferida para os sites de apostas.
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Tal fato reclama, essencialmente, um olhar crítico para a o quadro em tela. O problema, aqui, é geral, pois atinge todos os brasileiros e não apenas os mais vulneráveis financeiramente. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em janeiro, quase um terço dos brasileiros (30%) de 16 a 24 anos afirmaram que já apostaram e, não menos importante, o percentual dos jovens é o dobro da média de 15% para todo o país.
Este cenário reclama, portanto, uma profunda reflexão acerca dos jogos, os vícios atinentes a eles e a dependência psicológica gerada, mormente, nos mais jovens e nos mais pobres e vulneráveis. Reagindo aos dados disponíveis, o Governo já estuda monitorar e proibir o uso do cartão do PBF para apostas e deputados apresentam projetos de lei para enquadrar as apostas. A política assume seu papel e se mobiliza. Cabe, no Brasil, uma aposta – essa sim fundamental – que é a valorização da educação, da preparação para o mundo do trabalho e da educação financeira.
***Edgar Cândido é economista, pesquisador e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie***
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