Autor de atentado não é 'lobo solitário'; crime teve origem no gabinete do ódio, esquema de disseminação de fake news e ataques às instituições democráticas
Em 16/11/24 13:54
por Coluna do Prando
Rodrigo Augusto Prando é Mestre e Doutor em Sociologia, Professor universitário e pesquisador. Conselheiro do Instituto Não Aceito Corrupção, membro da Comissão Permanente de Estudos de Políticas e Mídias Sociais do Instituto dos Advogados de São Paulo e voluntário do Movimento Escoteiro.Textos essenciais de serem lidos para acompanhar e refletir sobre os movimentos da sociedade e do Poder.
Polícia bloqueia a descida para o STF para periciar o corpo de homem que realizou explosões na Praça dos Três Poderes | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil - 14.11.2024
Na última quarta-feira (13), a capital federal, Brasília, especialmente a Praça dos Três Poderes, defronte o Supremo Tribunal Federal (STF), foi palco de um novo ataque contra as instituições. Desta vez, o resultado foi a morte do agressor que, intencionalmente, se explodiu.
Francisco Wanderley Luiz foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) em Rio do Sul (SC), sua cidade natal, mas não foi eleito. Em seu carro, foi até Brasília, carregando quilos de explosivos. Conseguiu detonar parte dos artefatos do próprio carro. Na sequência, foi até o STF, onde disparou mais explosivos. Num ato final, deitou-se num dos artefatos que, detonado, lhe desfigurou e o levou à morte.
Antes mesmo da perícia, os jornalistas já tinham tido acesso ao nome, nome de familiares, endereço e histórico do autor das explosões. Luiz nutriu-se num ambiente – virtual e, provavelmente, real – de discurso de ódio, no qual o adversário político é transformado em inimigo e, na lógica bélica, inimigo deve ser eliminado.
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Ademais, sua conduta vai se radicalizando e seu ódio, não mais retórico apenas, é direcionado ao SFT, em particular, ao ministro Alexandre de Moraes. Segundo depoimento da ex-mulher de Luiz, ele queria matar Moraes, e depois tirar a própria vida. Cumpriu parte de sua missão. O busílis é que, desta feita, não foi apenas o patrimônio das sedes dos Três Poderes que sofreu danos, como se deu no 8 de janeiro de 2023, mas uma vida foi perdida.
Francisco Wanderley Luiz construiu um plano, compartilhava ideias nos grupos dos quais participava e, ainda de acordo com a ex-esposa, tinha obsessão por eliminar Moraes. Quase a deixou louca, disse, pois só falava de “política, política e política”. A ação violenta e extremada de Luiz, em Brasília, chegou em péssimo momento para o bolsonarismo e para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Há pouco, estavam todos efusivos com a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos. Acreditavam numa possibilidade de anistia aos presos do 8 de janeiro e, não menos importante, conseguir a reversão da inelegibilidade de Bolsonaro.
Politicamente, essa agenda (anistia e reversão da inelegibilidade) perde força; juridicamente, as respostas dos ministros do STF foram contundentes. Alexandre de Moraes asseverou não se tratar de um “lobo solitário” ou mero suicídio, e sim de uma evento articulado e que se iniciou, segundo suas palavras, lá atrás, com o famigerado “gabinete do ódio”, tendo sequência com os ataques do 8 de janeiro e, agora, com as explosões e morte na Praça dos Três Poderes. Nas palavras de Moraes: “Não existe possibilidade de pacificação com anistia a criminosos”. Discurso mais claro não há.
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Para além das dimensões política e jurídicas do ato, há, não menos importante, uma possível análise sociológica, amparadas em dois autores clássicos da Sociologia: Émile Durkheim e Max Weber. Durkheim, em sua obra acerca do suicídio, constitui uma tipologia. No caso em tela, teríamos o chamado suicídio altruísta (também nomeado de suicídio heroico ou religioso), pois graças a força do grupo frente ao indivíduo, este não faz valer seu direito à vida e se mata por imperativos sociais e pela sua forte ligação ao grupo que pertence (exemplos: homens bombas, kamikazes e etc.).
Já Weber, ao focar no sentido que os indivíduos atribuem às suas ações sociais, aduziria que houve uma ação social racional com relação a valores. Isso porque o ator sabia, racionalmente, o resultado a ser atingido, bem como usou os meios adequados para tal intento. Também teve sua motivação ligada aos valores que considera fundamentais em sua vida, uma ética da convicção, por assim dizer, assentada numa ideologia extremista.
O extremismo político — no caso, valores de uma extrema direita —, alicerçado sobre discurso de ódio, fake news, negacionismo, pós-verdade e teorias da conspiração, criam um ambiente tóxico para a democracia, num coordenado ataque aos pressupostos civilizacionais e às instituições. Temos, e teremos, assegurada a liberdade de expressão e, paralela a esta, a responsabilidade por nossos discursos e ações. O momento reclama cautela e maior presença do Estado Democrático de Direito, e não de ódio e violência.
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