Imbróglio trouxe a necessidade de explicitar algumas questões chaves do nosso federalismo fiscal, destrinchar os números divulgados e o contrapor com o outro lado da moeda
por Vilma Pinto em 03/03/21 08:32
Recentemente, nas redes sociais do presidente, foram divulgados alguns números a respeito do volume de recursos que foram direcionados pelo Governo Federal aos estados, municípios e a população brasileira no ano de 2020. Esta postagem gerou muitas dúvidas.
O referido imbróglio trouxe a necessidade de explicitar algumas questões chaves do nosso federalismo fiscal, destrinchar os números divulgados e o contrapor com o outro lado da moeda – a fonte destes recursos.
Primeiro é preciso entender que, conforme o art. 18 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), nossa organização político-administrativa compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Também, é preciso compreender que a alocação dos recursos públicos é realizada de forma descentralizada.
Um exemplo bem claro desta descentralização pode ser observado no caso da educação pública. A CF/88 explicita no artigo 211 que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. Assim, por exemplo, os governos municipais atuarão na educação infantil e fundamental, já os governos estaduais atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
Enquanto que o artigo 211 da CF/88 explicita as responsabilidades de cada ente quanto a alocação dos recursos públicos, o artigo 212 explicita a sua fonte de financiamento, ou seja, a União, os estados e os municípios reservam parte da arrecadação própria e os redistribuem entre os entes da federação de modo a atender as necessidades previstas no artigo 211.
Assim, é natural que parte dos recursos arrecadados diretamente pela União, sejam repartidos com estados e municípios, como também é natural que parte dos recursos arrecadados pelos estados sejam repartidos com seus respectivos municípios.
Assim, considerando este resumido e breve exemplo, não podemos olhar os repasses que o Governo Federal realizou para os governos locais, sem olhar para a composição deles, bem como para a origem dos recursos do Governo Federal.
Em termos de composição, nota-se que em 2020 houveram transferências constitucionais e legais regulares, ou seja, que são realizadas anualmente por força da lei, como também houveram transferências extraordinárias para mitigar os efeitos da pandemia. A de se destacar também que o Governo Federal chamou de “repasses” a suspensão do pagamento da Dívida dos estados com a União (R$ 32,5 bilhões), bem como o auxílio emergencial aos indivíduos em situação de vulnerabilidade (R$ 293,8 bilhões).
Do volume total de recursos (R$ 847 bilhões) divulgados pelo Governo Federal como forma de “repasses” em 2020, apenas R$ 33 bilhões (4% do total) foram relacionados as demandas de saúde para combate à Covid-19, valor este que foi distribuído entre todos os estados e municípios brasileiros.
As transferências no âmbito do apoio federativo para mitigação dos efeitos fiscais da pandemia (Incisos I e II do art. 5º da LC 173/20 e Lei 14041/20) foram de R$ 75,1 bilhões, o que representa 9% do total divulgado.
Além disso, outros R$ 293,8 bilhões foram pagos aos indivíduos brasileiros que, diante dos efeitos econômicos gerados pela pandemia, se encontravam em situação de maior vulnerabilidade. Este volume de recursos representou cerca de 34% do total divulgado pelo Governo Federal.
Mas além de entender a composição do número divulgado, é importante conhecer o volume de recursos arrecadados em forma de tributos pelo Governo Federal em 2020 e compará-lo com o volume redistribuídos entre as unidades federadas, principalmente aqueles recursos que são distribuídos por determinação constitucional e legal. É importante separar o que é transferência corrente (constitucional e legal) do que é demanda extraordinária decorrente da pandemia.
Considerando apenas aquelas receitas que são administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 2020, o Governo Federal arrecadou R$ 1.426 bilhões, deste valor, apenas R$ 233,7 bilhões foram transferidos para estados e municípios a título de transferências constitucionais e legais – ver tabela abaixo.
Assim, além da divulgação dos referidos repasses, a divulgação da sua efetiva composição, bem como a distribuição da arrecadação federal por UF traria mais transparência e informação para a população, além de explicitar melhor o papel da descentralização de recursos públicos.
Tabela: Arrecadação Federal e Transferências Constitucionais e Legais do Governo Federal para Estados e Municípios em 2020, por UF – R$ Bilhões
Transferências Constitucionais e Legais | Arrecadação Federal | Arrecadação – Repasses | |
MA | 15,2 | 10,6 | -4,6 |
PI | 8,1 | 5,6 | -2,6 |
AP | 3,9 | 1,4 | -2,5 |
AC | 4,1 | 1,7 | -2,4 |
TO | 5,7 | 3,7 | -2,1 |
AL | 7,4 | 5,4 | -2,0 |
RR | 3,2 | 1,5 | -1,7 |
SE | 5,7 | 5,2 | -0,5 |
PB | 8,3 | 8,4 | 0,1 |
RO | 3,8 | 4,0 | 0,2 |
RN | 6,8 | 7,7 | 0,9 |
PA | 13,9 | 15,2 | 1,3 |
MS | 3,5 | 9,9 | 6,5 |
MT | 5,1 | 14,5 | 9,4 |
CE | 14,8 | 24,4 | 9,6 |
BA | 22,4 | 33,1 | 10,7 |
AM | 6,0 | 17,8 | 11,8 |
GO | 7,3 | 21,6 | 14,3 |
PE | 12,6 | 27,6 | 15,0 |
ES | 3,8 | 23,8 | 19,9 |
RS | 10,6 | 72,0 | 61,4 |
SC | 5,9 | 69,4 | 63,6 |
PR | 11,1 | 75,5 | 64,4 |
MG | 19,8 | 96,9 | 77,1 |
DF | 1,0 | 118,2 | 117,2 |
RJ | 6,4 | 185,7 | 179,3 |
SP | 17,3 | 565,7 | 548,4 |
Total | 233,7 | 1.426,4 | 1.192,7 |
Fonte: Receita Federal do Brasil e Secretaria do Tesouro Nacional.
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