A conversa do juiz com as partes é normal, porém, não é permitido o conluio para a prática de atos processuais
por João Paulo Martinelli em 23/04/21 13:37
Um dos pilares do processo penal no Estado democrático de direito é o devido processo legal. Em breve síntese, todas as pessoas acusadas de terem praticado um crime devem ser processadas e julgadas conforme as regras estipuladas na Constituição Federal, no Código de Processo Penal e nos Tratados Internacionais. Dentre as garantias do réu estão a proibição de provas ilícitas e a imparcialidade do juiz. No julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, dois são os pontos essenciais: a utilização de provas obtidas ilicitamente (as mensagens hackeadas) e a atuação do magistrado.
As provas ilícitas são aquelas obtidas mediante violação de lei. No caso concreto, certas mensagens entre membros da força-tarefa e o juiz do caso foram obtidas ilegalmente. A invasão de dispositivo informático configura crime e, por isso, aquilo que for extraído não pode ser prova licitamente reconhecida. Entretanto, jurisprudência consolidada aceita a prova ilícita a favor do réu nos casos em que estas demonstrem sua inocência ou a violação a direitos fundamentais.
Acontece, nessas situações, uma ponderação de interesses na qual deve prevalecer o mais valioso. A proibição de provas ilícitas é uma garantia de todas as pessoas, não de um ou outro. Ninguém pode ser julgado fora das regras processuais e a produção de provas possui regulamento rígido para proibir abusos do Estado. Entretanto, se a prova ilícita demonstra que o réu não teve seus direitos fundamentais respeitados deve predominar o respeito ao devido processo legal. O restabelecimento do Estado democrático de direito é imperioso e a prova ilegal pode ser utilizada.
O segundo ponto é a parcialidade do julgador. Nos Estados modernos, caracterizados pelo regime democrático, não se admite a fusão entre juiz e acusador. Quem julga não pode acusar nem atuar ao lado de qualquer das partes do processo. O magistrado deve ser imparcial, sendo-lhe vedado auxiliar acusação ou defesa. A isenção deve ser demonstrada desde o início, sem qualquer manifestação sobre a causa a ser julgada. O juiz não apenas deve ser imparcial nas decisões, mas também na sua postura e no seu comportamento. É por isso que uma conduta proibida por lei, praticada pelo julgador, no curso do processo, torna seus atos nulos.
De acordo com mensagens apuradas, o ex-juiz Sergio Moro orientou os membros do Ministério Público Federal na produção de provas, na elaboração de acordos de colaboração premiada e até em pedidos de prisão preventiva que o próprio pretendia deferir. O art. 254 do Código de Processo Penal dispõe, expressamente, que “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes”, dentre outros, “se tiver aconselhado qualquer das partes”.
A conversa do juiz com as partes é normal, porém, não é permitido o conluio para a prática de atos processuais. O despacho com o magistrado para explicar os fundamentos de um pedido não se confunde com orientação ou instrução para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Quem julga deve se pautar pelas provas trazidas pelas partes, pois somente acusação e defesa podem ter interesse no resultado final.
João Paulo Martinelli é advogado, professor do IBMEC-SP, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra.
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