Deveríamos tratar bem o empreendedor e cultivar o empreendedorismo como uma estratégia nacional de desenvolvimento
por Francisco Saboya em 11/05/21 15:05
Empreender não é uma tarefa fácil em nenhum lugar. Aqui é um pouco pior. Além das dificuldades naturais, o já tão decantado custo Brasil – aquela mistura de burocracia, impostos elevados e quase inadministráveis no manicômio tributário, crédito curto e caro, etc. – torna a vida de quem gera emprego e riqueza uma tormenta. O empreendedor não é um tipo que se acha em qualquer esquina. Ele tem habilidades especiais. A mais importante é a capacidade de combinar, numa única estrutura psicológica, uma forte capacidade de visionar e um elevado senso prático. Isso chama dois outros traços marcantes desse personagem: a disposição para correr riscos e a perseverança, aquela energia que move as pessoas na direção certa apesar dos obstáculos.
Não se trata de características que convivem habitualmente numa mesma pessoa. Todo mundo conhece alguém que sonha tanto que parece até que vive no mundo da lua (quando isso tinha outro significado, já que hoje todos temos um pé lá). Qualquer um também lida com pessoas altamente pragmáticas, que possuem os dois pés fincados na pedra dura do chão. Mas a mistura desses dois traços não é trivial. Tomando emprestado a poesia de João Cabral, empreendedor, como engenheiros, sonha coisas claras: … o mundo que nenhum véu encobre.
Por isso deveríamos tratar bem o empreendedor e cultivar o empreendedorismo como uma estratégia nacional de desenvolvimento. Aquele que mira o futuro, articula recursos e coordena a produção, que entrega valor para o mercado comprando a preços certos pra vender a preços não sabidos – para ficar aqui numa das definições mais antigas de empreendedorismo, do banqueiro francês do século 18, Richard Cantillon – merece ser melhor tratado pelo estado. Afinal, não existe nação próspera sem altas dosagens de empreendedorismo. Com apoio do estado, melhor ainda.
No Brasil, o tecido empreendedor é formado por 96% de pequenos negócios, incluindo aí MEIs – Microempreendedores Individuais; MEs – Microempresas e EPPs – Empresas de Pequeno Porte. Passado um ano de pandemia, o SEBRAE foi atrás de medir o ânimo desse segmento econômico. Num país onde prestígio, riqueza e poder se confundem com tamanho, ser pequeno no Brasil é carregar um fardo dobrado. Pois bem, pesquisa realizada pelo SEBRAE/FGV, publicada em março, traz dados inquietantes. O principal deles é a preocupação com o futuro do negócio. O estado de espírito é de aflição para 57% dos pequenos negócios. Apenas 10% estão otimistas. Alguns segmentos estão particularmente impactados. Alimentação (68%), economia criativa (67%) e beleza (64%) são os três mais críticos. No geral, esse universo só tem alguma esperança de voltar à normalidade (vender, faturar e pagar as contas) em julho de 2022. São 17 meses contados da data da pesquisa. Para se ter um parâmetro de referência, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), medido pela CNI, superou 54% no mesmo período. Deixando claro aqui que são indicadores distintos, a comparação permite delinear o contraste entre esses dois mundos.
Essa mesma pesquisa do SEBRAE traz dois indicadores que ajudam a explicar tal estado de ânimo. O primeiro é a queda do faturamento em relação ao período anterior à pandemia, que piorou para 79% dos estabelecimentos. O segundo é o grau de endividamento, que jogou 69% dos negócios nas garras dos bancos oficiais, cooperativas de crédito e agiotas. 38% já não conseguem honrar suas dívidas. Não é à toa que as duas principais esperanças dos PNs eram o retorno das linhas de crédito especiais abertas pelo governo durante a fase inicial da crise, com destaque para o Pronampe; e a prorrogação do auxilio emergencial, pela capacidade desse benefício aquecer a demanda por bens e serviços.
Técnicos do SEBRAE, ao início da pandemia, estimavam que, sem apoio oficial, a capacidade de enfrentamento da crise por parte dos pequenos negócios, o chamado fôlego do empreendedor, era de 3 a 4 meses. No limite da asfixia, vieram os programas governamentais. Que foram erroneamente suspensos em dezembro e somente agora retomados numa edição mais tímida.
Estamos em maio de 2021 e o governo anuncia mais atrasos no cronograma de vacinação. Quantos pequenos negócios ficarão pelo meio do caminho?
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