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A tal “lista tríplice” do MPF é realmente democrática?

A lista tríplice do MPF é realmente democrática? Se o Ministério Público é independente, por que ele próprio não indicar o seu chefe?

por Ricardo Manoel de Oliveira Morais em 05/08/21 17:20

A pergunta feita no título deste breve texto de opinião parece ser bastante incômoda, sobretudo pelo fato de ela jamais ser feita pelos veículos de comunicação ou, mais ainda, ser praticamente ignorada quando é proposta. Ora, se o Ministério Público é independente, por que não ele próprio indicar o seu chefe?

Apesar de ser um pouco enfadonho, acho importante iniciarmos essa análise a partir do texto constitucional. Segundo a “letra fria da lei”, o Ministério Público da União – e percebam que disse “da União” e não “Federal” – é composto pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público do Distrito Federal, pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério Público Militar. Ainda segundo essa mesma leitura pouco aberta a interpretações não ortodoxas, caberá ao Presidente da República indicar dentre os membros da carreira do MPU o chefe da instituição, que é o Procurador Geral da República.

Notem que o PGR é o chefe não de um, mas de quatro ramos do Ministério Público. E mais: no passado, o PGR sequer precisava compor a carreira ministerial. Bastava cumprir o requisito etário e ter conhecimentos jurídicos. Um avanço republicano pós-88 foi o de exigir que o PGR fosse membro de carreira.

Pois bem. Quando escutamos falar do caráter “antidemocrático” de uma indicação “fora da lista”, tendemos a comprar este argumento. Afinal, preservar o órgão encarregado de investigar, acusar e responsabilizar as altas autoridades é crucial. Todavia, uma questão jamais é feita: quem elabora essa tal lista? É o Conselho Superior (órgão institucional) do Ministério Público? Não propriamente.

A tal “lista tríplice” tão falada é elaborada por uma instituição privada que é encarregada de defender os interesses de classe do MPF. Sim! A lista é elaborada por uma instituição classista que representa não todos, mas apenas um dos ramos do MPU, excluindo deste “processo democrático” instituições que serão chefiadas pelo PGR (o MPT, o MPDFT e o MPM). No passado, inclusive, a lista tríplice chegou a contar com a participação de membros inativos do MPF que, após se aposentarem, podem continuar na condição de associados. Assim, analisemos esta problemática.

A ANPR, como uma associação de classe, possui finalidades claras, quais sejam (e aqui copio trechos de seu próprio estatuto):

I – velar pelo prestígio, direitos e prerrogativas da classe; II – propugnar pelos interesses de seus sócios, mediante adoção de medidas que incentivem o bom desempenho das funções e cargos do Ministério Público Federal; III – colaborar com o Estado no estudo e na solução das questões relativas ao exercício das funções atribuídas aos Procuradores da República, bem como na definição, estruturação e disciplina da respectiva carreira; IV – defender seus associados, judicial e extrajudicialmente perante autoridades públicas, sempre que desrespeitados em seus direitos e prerrogativas funcionais; V – realizar ou promover cursos, seminários, conferências, estudos em geral e a publicação de trabalhos jurídicos, objetivando o aprimoramento profissional dos membros do Ministério Público; VI – promover o congraçamento da classe e estimular o intercâmbio de estudos e trabalhos entre associados.

Notem que – e isso é natural – que não há uma preocupação com os interesses sociais, direitos difusos e coletivos. Alguém poderia dizer que “um MPF forte é sinônimo de uma sociedade forte”. Todavia, a sociedade discordaria disso quando os interesses de classe envolvem salários elevados, representação e defesa de membros omissos da classe e, claro, lobby.

Mas se desconsiderarmos – ao menos por enquanto – o caráter classista da associação que realiza a lista tríplice, ainda restaria questões. Se o PGR chefia quatro ramos ministeriais, por que apenas um deles se coloca seu centro? Os defensores de classe certamente dirão: “Ah, o MPM, o MPT e o MPDFT têm os seus respectivos procuradores-gerais, ao passo que o procurador do MPF se confunde com o do MPU”. Todavia, não seria “mais democrático” que a ANPR lutasse pela modificação do MPU a fim de que o MPF tivesse também um procurador-geral?

E a última questão: quem teria mais legitimidade para indicar o chefe de uma instituição que defende interesses da sociedade, alguém eleito por milhões de votos pelo sistema majoritário ou uma classe que possui interesses classistas? Concordo que, pela conjuntura atual, o sistema majoritário elegeu um presidente errático – para se dizer o mínimo. Mas ter um PGR sem autonomia em relação ao governo é pior que ter um PGR sem autonomia em relação a interesses de classe? Gostemos ou não de Bolsonaro – e eu, certamente não gosto –, mas ele teve 56 milhões de votos. Isso é mais que 600.


Quem é Ricardo Manoel de Oliveira Morais?

Doutor em Direito Político pela UFMG e em Ciência Política pela USP. Professor.

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

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