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Creomar de Souza

CPI da Pandemia: 30 dias de embates e reflexões

Levando em conta que o espaço da CPI é uma corte política, é importante separar aquilo que a cidadania deseja, daquilo que ela efetivamente tem

por Creomar de Souza em 03/06/21 10:22

Ao aproximar-se de um mês de atividades, a CPI da COVID-19 ofereceu até agora muitos espetáculos midiáticos e uma boa dose bate-bocas homéricos. Além disso, por incrível que pareça, proporcionou também um par de lições para a cidadania e para a representação. 

Independente de quaisquer distinções de ordem política, partidária ou ideológica, momentos como o da CPI dão ao cidadão a possibilidade de um diálogo direto com seu representante. Ao longo dos dias e no decorrer das sessões, tornou-se corriqueira a menção dos representantes ao indivíduo x, y ou z, eleitores que cobraram e fizeram chegar suas demandas. Este comportamento de prestação de contas em tempo real é bastante importante, sobretudo, quando pensamos na gravidade da situação e no fracasso retumbante do Brasil como civilização em lidar com a pandemia. Que os políticos se vejam obrigados a dar satisfação, não deixa de ser elemento aparentemente positivo em meio ao burburinho cacofônico próprio do ambiente parlamentar polarizado.

No entanto, não se deve exagerar no idealismo. Afinal, os representantes presentes no colegiado falam para extratos específicos da cidadania, tendem a reforçar visões que já sabem de antemão agradam seus eleitores tradicionais ou potenciais. E neste aspecto, a percepção vocalizada por um dos representantes de que a “política é superior à ciência” é particularmente reveladora. Do ponto de vista desse político, o importante não são os fatos, mas os votos que pode obter ao repetir noções que confirmam o que seus eleitores supostamente querem ouvir: tratamento precoce cura COVID, distanciamento social e máscaras fazem mal à saúde, vacinas chinesas são suspeitas. São os que defendem que a política é superior à ciência.

Levando em conta que o espaço da CPI é uma corte política, é importante separar aquilo que a cidadania deseja, daquilo que ela efetivamente tem. Todo cidadão que se preze, independentemente de sua posição política, deseja uma solução para a sucessão de crises que se abate sobre o país. Pandemia, desemprego, insegurança e os riscos de apagão elétrico e de retorno da inflação se misturam em uma equação de difícil solução. Porém, esses desejos que são também necessidades urgentes se chocam, na prática, com o comportamento de representantes no sentido de agradar suas bases eleitorais e garantir seus votos no próximo ciclo eleitoral. 

A CPI está evidenciando essa incompatibilidade entre as necessidades da cidadania e uma representação que se alimenta não da solução dos problemas reais, mas do espalhafato e da estridência, cujo objetivo é a notoriedade como ferramenta para a manutenção de uma base eleitoral robusta e competitiva. Isto explica, por exemplo, porque perfis mais técnicos geram menos engajamentos em redes sociais que perfis mais estridentes. Dito de outro modo, os representantes que buscam soluções e convidam a um debate qualificado nem sempre ganham a atenção. O resultado é que a estridência espetaculosa tende a prevalecer sobre o debate embasado.

Esta estridência, que tem correlação direta com interesses eleitorais futuros, explica a renitência de algumas posições, mesmo quando confrontadas com a concretude dos fatos e da ciência. A resiliência negacionista, portanto, tem uma utilidade na consolidação de uma lógica de posições que podem ser vistas como indefensáveis por alguns, mas possuem ressonância em segmentos do eleitorado suscetíveis a teorias conspiratórias ou que desesperadamente buscam por soluções mágicas para problemas complexos. 

Infelizmente, ao nos depararmos com uma realidade que não possui respostas simples para perguntas complexas, percebe-se a criação de um espaço de fuga. Este processo, de negação da realidade, é muito poderoso em uma sociedade marcada por desigualdade, sofrimentos e privação de direitos. O grande risco político que se apresenta para o país em 2021 é perpetuação da negação como uma estratégia de poder. Enquanto o negacionismo continuar sendo recompensado eleitoralmente, será difícil quebrar esse ciclo. E seguiremos testemunhando a substituição da evidência pelo achismo, da medicina pelo charlatanismo, ao passo que a democracia se degrada em demagogia. O resultado é um país que se diverte com os arranca-rabos da CPI, mas permanece doente, pobre, injusto e ainda mais desigual.

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