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Creomar de Souza

Sobre a Democracia e seus inimigos

Na semana em que se comemora o dia da Democracia, se faz importante construir uma reflexão acerca dos ganhos, desafios e, sobretudo, daqueles que se colocam como inimigos do prédio democrático no Brasil e no mundo

por Creomar de Souza em 16/09/21 10:20

Um governo do povo, pelo povo e para o povo. A definição de Abraham Lincoln acerca do que é uma democracia é amplamente conhecida. E se de maneira muito objetiva as características levantadas pelo décimo sexto presidente dos Estados Unidos da América dão um bom ponto de partida para esta reflexão, é importante também ter em conta que o século XXI tornou a construção e o aprimoramento de governos democráticos em grande desafio. De um lado, a infodemia e a sobrecarga sensorial por ela provocadas abrem espaço para todo tipo de distorção acerca do que é soberania popular.

De outro lado, o populismo turbinado pelas facilidades da hiperconectividade ganhou uma enorme capacidade de tirar do foco questões importantes e lançar luz sobre miragens conspiracionistas de toda ordem. O impacto dos grupos de mensagem sobre as interpretações da realidade do cidadão comum é algo estudado por antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, e se em determinado sentido já se consegue compreender os impactos destas ações sobre as engrenagens da democracia, ainda há uma dificuldade no avanço prático de medidas que impeçam a degradação do prédio democrático.

A  tecnologia vem sendo utilizada por grupos antidemocráticos como instrumento de ataque à soberania popular política
A tecnologia vem sendo utilizada por grupos antidemocráticos como instrumento de ataque à soberania popular política. Foto: Reprodução (Shutterstock)

O conceito de degradação, por sua vez, é peça fundamental na compreensão dos desafios de uma democracia representativa no século XXI e o papel dos seus inimigos. O primeiro ponto a ser levado em consideração é o fato de que, especificamente em um país como o Brasil, onde o curso da história republicana sempre foi marcado por soluções de força e autoritarismo, há uma relação dúbia da sociedade com o autoritarismo. Em um plano, encontram-se aqueles que romanceiam as soluções de força, como se estas em nenhum momento pudessem tirar deles suas próprias liberdades.

Esta percepção, se mostra equivocada em todos os âmbitos, e, sobretudo, em termos empíricos quando se observa que quanto mais autoritário é um regime político, maior é sua sanha para a arbitrariedade e a perseguição gratuita. Neste aspecto, mesmo em situações nas quais o autoritarismo permite ganhos econômicos de alguns grupos, não há garantia de que o indivíduo que prosperou terá o direito de usufruir de sua riqueza, tendo em vista que esta passa a ser tutelada pelos amigos de posse do poder político. Tal percepção é importante, sobretudo em um país como o Brasil, onde a desigualdade e a ineficácia das políticas públicas geram a sensação de falta de pulso e ordem para que a nação alcance seu destino.

No caso brasileiro, é possível afirmar categoricamente que a democracia nos tornou consistentemente mais prósperos que períodos autoritários. Por uma razão muito simples, os experimentos democráticos, sobretudo, a partir de 1988 introduziram uma lógica civilizatória que permitiu ao longo das últimas décadas a construção de uma base de estabilidade econômica e política que oferece aos investidores aquilo que eles mais desejam: previsibilidade regulatória. Isto é importante de ser colocado em perspectiva, sobretudo, pelo fato de que contrariamente aos democratas, autoritários adoram reificar uma ação como sendo o símbolo de transformações que normalmente possuem um escopo limitado.

A compreensão desta dinâmica leva, obrigatoriamente, à reflexão de onde se encontram os amigos da democracia. Ao barulho que aqueles que flertam com o autoritarismo costumam fazer, se contrapõe o silêncio daqueles que acreditam na validade da regra democrática. E talvez este seja no atual momento o maior inimigo da democracia brasileira, o fato de que aqueles que a apreciam não conseguem de fato erguer sua voz e construir consensos em sua defesa. Em um mundo onde as ameaças à ordem democrática saem de telefones celulares e não de tanques, é fundamental compreender que a defesa da democracia deve se fazer de maneira ativa e consistente, sob o risco de que o silêncio alimente nos defensores do arbítrio a percepção de há um salvo conduto para suas ações desarrazoadas.

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