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Bruno Cavalcanti

CRÍTICA

Eduardo Martini bebe na fonte de Dario Fo e faz crescer Aleluia, tragicomédia sobre o peso do patriarcado

Sob a direção de Viviane Alfano, espetáculo cumpre temporada no Teatro União Cultural, em São Paulo

por bruno cavalcanti em 28/04/22 18:42

Foto: Iara Morselli

Espetáculo que chegou aos palcos há pouco mais de 15 anos, quando Eduardo Martini gozava de alta popularidade resultante de sua participação no programa de Hebe Camargo (1929-2012), no SBT, I Love Neide – Manual de uma Cinquentona Atrevida deu o ponta-pé na trajetória do ator e diretor como a perfeita tradução de personagens femininas que fogem ao clássico estereótipo da comédia paulista – recheada de homens (tra) vestidos de mulher para fazer graça.

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Ao enveredar por personagens como a mau humorada dona Campainha, de Chá das Cinco, ou a jovial Valentina em O Filho da Mãe – a comédia dramática que se sobressai como um dos melhores títulos da trajetória do ator de criação carioca -, Martini injetou reflexões sobre a sociedade machista e patriarcal ao fugir ao lugar comum da comédia simplória e mergulhar no tempo da delicadeza cênica, seja discutindo os efeitos do tempo, seja sobrevivendo à síndrome do ninho vazio.

E é justamente essa delicadeza que injeta ambição e relevância em Aleluia – Um Estouro de Mulher, comédia de Márcio Azevedo e Ricky Hiraoka que, a despeito do título, se revela tragicomédia de fôlego para discutir temas como a solidão, o patriarcado e os efeitos da sobrecarga feminina envoltos em uma história nonsense que presta tributo direto ao teatro besteirol – traduzido desde o visagismo assinado por Martini até as dinâmicas da encenação de Viviane Alfano.

A obra narra a história de Aleluia, uma mulher que, frente a frente com um juiz, fala sobre seu dia a dia de sobrecarga com a casa, o marido, a filha, os problemas familiares e a sogra já centenária e que mal sai da cama. Perdida em uma paixão platônica por um ator pornô que se muda para a vizinhança, a dona de casa explode o forno da cozinha na noite de Natal.

A princípio simples, a dinâmica da encenação proposta por Viviane Alfano – que repete a dobradinha com Martini, iniciada em 2020 com a estreia de Simplesmente Clô – bebe de fontes como a do comediógrafo italiano Dario Fo (1926-2016), ao estabelecer uma personagem à beira do abismo da sanidade causado pelo cotidiano.

Foto: Iara Morselli

Martini e Alfano constroem diálogo direto com o público numa narrativa que jamais perde o dinamismo, ainda que o texto nem sempre esteja à altura do jogo proposto pela dupla. Azevedo e Hiraoka alicerçam a dramaturgia em chavões e lugares comuns que nem sempre auxiliam o ritmo da montagem, ainda que superem irregularidades da típica comédia carioca da década de 1990.

E talvez este seja o senão de Aleluia – Um Estouro de Mulher. Embora seja obra que flerte com o registro nauseante de uma Shirley Valentine, por exemplo, a obra enfileira piadas que nem sempre resultam interessantes. A montagem cresce mesmo quando a personagem discute – mesmo com humor – temas menos óbvios – é excelente a discussão acerca da sexualidade na terceira idade e da repressão de desejos, por exemplo.

A obra, é verdade, atinge o ápice quando, já no desfecho, Martini interpreta, em tom nonsense Balada do Louco, o standard tropicalista do grupo Os Mutantes que Ney Matogrosso tomou para si em meados da década de 1980. Martini mergulha no registro tragicômico de momento singelo que – por imposição mercadológica – dissipa toda a delicadeza em registro pop que destoa não apenas da discussão levantada ao longo da montagem.

Simples, a cenografia é focada em cubo cênico que se transforma à medida que a montagem se desenvolve, mesmo que o real destaque esteja no (bom) desenho de luz, ambos pensados pela dupla Alfano e Martini, que corta eventuais gorduras de um texto que é valorizado muito mais pelo jogo cênico de seu intérprete e o diálogo que estabelece com o público que, de fato, se compadece da personagem principal – egressa de experimento virtual nas redes do ator.

Embora esteja longe de roçar o brilhantismo de obras anteriores de Martini, como a supracitada comédia dramática O Filho da Mãe, de Regiana Antonini, e as tragédias Dark Room, de Mario Viana, e Angel, de Carlos Fernando Barros e Vitor Oliveira, Aleluia – Um Estouro de Mulher é obra que reforça a sina de Martini, habilidoso artesão da comunicação popular capaz de conduzir o público sem jamais se deixar vender pelo riso fácil.

SERVIÇO:

Aleluia – Um Estouro de Mulher

Data: 27 de março a 05 de Junho (domingos)

Local: Teatro União Cultural – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Mário Amaral, 209 – Paraíso

Horário: 19h

Preço do ingresso: R$ 40,00 (meia) a R$ 80,00 (inteira)

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