Os evangélicos do tipo neopentecostal supostamente seguem por princípio os ensinamentos dos evangelistas. Mateus, Marcos, Lucas e João. Entre esses não há indicação qualquer acerca de prevalência da riqueza em relação à pobreza como distinção
por Valdinéli Ribeiro Martins em 11/09/21 13:09
O neopentecostalismo brasileiro baseia-se na famosa teologia da prosperidade em que, na pressa pelo Paraíso, mundanizam a salvação pela riqueza. Vire-se o Sermão da Montanha (Mateus 5 – 7) ao avesso e teremos tal tipo de teologia.
Os evangélicos do tipo neopentecostal, dominante em nosso país, supostamente seguem por princípio os ensinamentos dos evangelistas. Mateus, Marcos, Lucas e João. Entre esses evangelhos não há indicação qualquer acerca de uma prevalência da riqueza em relação à pobreza como distinção moral ou de benesse divina aos seus escolhidos.
Jesus identifica a pobreza com a perfeição (Mateus 19:21) e afasta a riqueza da possibilidade de salvação (Lucas 18: 24 – 25). Esses são alguns dos trechos mais conhecidos da Bíblia e claro que os quatro superpastores do juízo final (Malafaia, Soares, Macedo e Santiago) o conhecem.
Mas por que o minimizam ou o ignoram? Por que Jesus pode até ser mais comentado, mas não é seguido. As falas de Jesus são pouco aproveitadas nos sermões desses superpastores e quando são utilizadas, são aquelas falas que se referem ao Antigo Testamento. Então… quem seguem?
Seguem O cara!
Não vou gastar nossos tempos com a teologia estrita – que nos importaria pouco – mas podemos identificar no texto bíblico outros livros em que o discurso da teologia da prosperidade é bastante defensável. O Velho Testamento. Old but Gold. Ali está o filé tribal, primitivista, grandiloquente em que a água não se torna vinho, coisa de comunistas bêbados, lá a água do Nilo vira sangue, mares se abrem, inundações mundiais, animais falantes, a criação do mundo, o pecado humano da ira é nada comparado à virtude divina da ira, Moisés, Jó, Davi, Salomão.
Pausa. Salomão, eis o homem!
O cara do neopentecostalismo é Salomão. Rei, poderoso, rico, devasso e abençoado. Escreveu poemas “gospel”, não elogiava a pobreza, fama de sábio, teve muitas, muitas, mulheres… Era o cara! Nada de jejum no deserto e o céu para os pobres. Apesar de não ser o mais referido dos personagens bíblicos é este o mais seguido.
A “imitação de Cristo” não é mais um imperativo, deve-se imitar Salomão. Assim um cristianismo pouco ou nada paulino, torna-se salomônico, quase um salomonismo. Cristo é convidado a ser um antimodelo, salvador num futuro incerto, mas não líder verdadeiro do presente. Seria então o neopentecostalismo um salomonismo de ocasião? Exagero meu. Não é.
Neopentecostalismo baseia-se em mais que Salomão e menos que no Cristianismo, por basear-se somente no Velho Testamento é no máximo um judaísmo degradado, sem os séculos de história dos judeus, sem o Talmude. Sem a reflexão e a profundidade dos protestantes históricos, o estudo e a hermenêutica dos rabinos ou o apego à pobreza dos franciscanos.
O estereótipo pré-cristão de rei é o modelo neopentecostal e não as pregações de Cristo. Assim ficamos menos perplexos ao constatar que parte aparentemente bem grande dos neopentecostais brasileiros consideram certas torturas justas, ditaduras democráticas, ditadores o grande líder tribal da pátria e que o sangue dos impuros pode ser derramado em favor da tribo dos escolhidos.
Quando o atual presidente, ao vencer as eleições do longínquo 2018, disse que o ideal seria que o Brasil voltasse a ser o que era 40 ou 50 anos atrás não foi necessário mais para identificar seu reacionarismo. O reacionarismo dos superpastores é mais radical, pois desejam muito mais.
O retorno do reacionarismo neopentecostal não é aos anos quarenta do século XX, mas talvez aos anos quarenta de algum século pré-Cristo em que Javé condenava populações por vingança (Gênesis 7). Não se pode entender o fenômeno Bolsonaro à luz pós-iluminista. É olhando pro deserto que ele fala, não como um messias, mas como um líder tosco de tribo fanática. Tanto faz o conteúdo estrito da fala, o que importa é que é ele quem fala.
Portanto, amigos, não gastemos nossos argumentos pós-modernos, contemporâneos, líquidos-baumanianos. Eles são inúteis. Os superpastores e seus rebanhos passaram a rosnar em eco à voz de Bolsonaro não por concordarem com seus argumentos, mas por amarem sua mística de líder tribal tosco, ganhando no grito, usando o patrimônio da tribo como seu, colocando os de sua família acima dos desígnios da tribo, amando a vingança e a violência como justiça, pregando castidade e escondendo a própria devassidão. Não haverá debate!
O que adianta então? Essa aura mística foi conquistada com falácias toscas e muito, mas muito ad hominem. O antídoto infelizmente é pré-iluminista, pré-cristão e até pré-escolar. Não vou prescrever o ad hominem de quinta série referindo-se à pouca virilidade que pode se supor de tão grandes compensações de gritaria e autoelogio.
O antídoto não requer grandes eloquências e complexidades de raciocínio. A solução é gritar mais alto! Nas ruas, nas redes sociais e na imprensa! Para que o presidente da Câmara nos leve a sério, para que os bozonaristas se assustem, para que o presidente recue frente e para que olhando ao nosso lado vejamos a multidão de democratas que há no Brasil.
Oitenta por cento de nós!
Outro 7 de setembro acontecerá novamente! Participaremos dele nas ruas ou mesmo sem agir e assim seremos todos culpados se nossa democracia ruir.
Pai, graduado em Filosofia – UFPR, fotógrafo amador, aficionado por política, literatura e afins.
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