Mau desempenho está relacionado à alta no preço das commodities, o aumento no preço da energia, a alta do dólar e o aumento no custo de produção das cadeias globais de suprimentos
por Mauro Rochlin em 25/01/22 15:58
Corrida eleitoral: desde 2015, a taxa de inflação não registrava um número tão alto. Em 2021, a taxa foi de 10,06%, o quarto pior resultado desde a implantação do Plano Real, em 1994. Analisar as causas desse mau resultado ajuda a evitar a repetição de eventuais enganos cometidos na direção da política econômica, o que pode melhorar a sua gestão.
O mau desempenho está relacionado basicamente à ocorrência de quatro fatores: a alta no preço das commodities, o aumento no preço da energia, a disparada no custo da importação (leia-se, alta do dólar) e, por último, o aumento no custo de produção das cadeias globais de suprimentos.
As seguintes causas explicam o surgimento daqueles fatores: a recuperação meteórica da economia mundial, a falta de chuvas que afetou a geração de energia hidrelétrica no Brasil, a hesitante política fiscal do governo Bolsonaro e a pausa na produção das principais cadeias produtivas globais, respectivamente.
O destaque é a errática política de gastos do governo, que, ao mirar o atendimento de demandas de curto prazo, exerceu decisiva pressão sobre o câmbio. O dólar caro afetou os preços por dois lados: aumentou o custo dos produtos e insumos importados, de um lado; e, do outro, elevou os preços internos das commodities que o país exporta.
Apesar desse cenário nebuloso, o Relatório Focus, termômetro das expectativas econômicas do mercado, revela que bancos e consultorias esperam uma inflação muito menos severa em 2022. Vejamos, então, os motivos.
O encarecimento do crédito é o primeiro. Ainda em trajetória ascendente, a taxa Selic, que beira os 10%, explica isso. A retração no consumo das famílias, registrada no PIB do terceiro trimestre de 2021, é resultado de uma indesejável combinação de taxa de juros elevada e de inflação alta. Apesar de prejudicar o crescimento da atividade econômica, a redução no consumo deve contribuir na batalha contra a inflação.
O segundo motivo é a relativa estabilidade cambial que o mercado tem exibido. Neste início de ano, o dólar se encontra no mesmo nível que em meados de 2020! Se a cotação da moeda americana se mantiver no atual patamar, importações e tradables jogarão a favor da estabilidade de preços. O risco aqui é o viés expansivo da política fiscal.
O fim do ciclo de alta das commodities também pode ajudar. O Dow Jones Commodity, o termômetro de preços das principais matérias-primas negociadas na Bolsa de Mercadorias de Chicago, não subiu no último trimestre de 2021. Foi a primeira vez em quatro trimestres. Se isso sinalizar um movimento mais permanente, o cenário inflacionário ganhará um importante aliado.
Como visto, as previsões do mercado para a inflação de 2022 são um tanto otimistas. Contudo, o cenário ainda é incerto. Há receio de que a política fiscal possa estar “contaminada” com o vírus da campanha eleitoral. E o mercado teme que um gasto público exacerbado possa ser o deflagrador de uma nova corrida de preços. Segundo essa interpretação, uma política fiscal excessivamente perdulária produziria dois efeitos: o primeiro seria um nível de consumo acima do esperado. O segundo seria uma nova disparada do dólar.
No primeiro caso, a adoção de uma política fiscal expansionista representaria um forte incentivo ao consumo, o que poderia inflar a demanda agregada. Uma demanda inflada, por sua vez, impactaria os preços. No segundo, o gasto público exagerado, com a correspondente elevação da dívida pública, insuflaria a aversão ao risco dos investidores, o que pressionaria o câmbio. A consequência disso também seria uma alta da inflação.
Governos tendem a gastar mais em época de eleições. É o que revela a nossa história. Em período de campanha, a adoção de políticas públicas muito generosas tem sido frequente. A PEC dos precatórios e um possível (provável?) aumento de salários para o funcionalismo público são iniciativas que se enquadrariam nesse figurino. Com a corrida por votos, veremos se a política fiscal não irá ignorar, mais uma vez, os preceitos básicos de responsabilidade fiscal.
Doutor em Economia (UFRJ) e professor da Fundação Getulio Vargas.
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