Você Colunista

RÚSSIA X UCRÂNIA

Ofuscar, distorcer e polarizar: como a narrativa da propaganda digital russa atingiu militantes ocidentais em cheio

Como a Rússia utiliza as redes sociais para disseminar uma narrativa própria sobre os conflitos do leste europeu e como isso influencia a forma que o ocidente enxerga o país russo.

por Walmir Estima* em 11/03/22 11:23

Propaganda digital russa e suas influências. Foto: Reprodução (Walmir Estima)

Nenhum internacionalista que se preze poderia negar que os Estados Unidos são um país imperialista, que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desrespeitou o acordo informal de não se expandir ao leste europeu e que existem nacionalistas extremistas (russos e ucranianos) na Ucrânia, alimentados pela guerra civil que acontece desde 2014. Porém, raramente uma propaganda política eficiente baseia-se em falsidades nuas e cruas e o exército digital russo sabe disso muito bem.

LEIA TAMBÉM:

Nenhum internacionalista que se preze poderia negar também que Vladmir Putin, presidente da Rússia, é um político autoritário de extrema direita, comandando um regime expansionista, conservador, capitalista, oligárquico, homofóbico e sexista. E que ele comanda a maior estrutura de guerra digital de nossa era. A ação de Putin não se baseia apenas em mísseis e ameaças nucleares: a Rússia trabalha incessantemente para que a opinião pública internacional relativize suas ações criminosas – a as narrativas oficiais são espalhadas com afinco nas redes.

Tendo por base as verdades do início deste texto, um exército de boots e “soldados” controlam uma infinidade de contas falsas, escrevem em várias línguas, trabalham para distorcer os fatos, ofuscar a gravidade do que faz a Rússia e polarizar a opinião pública. O objetivo é que um dos lados desta polarização apoie ou pelo menos relativize a gravidade das ações russas. A partir disso, as narrativas tomam forma e são espalhadas organicamente.

Pelo histórico de luta anti-imperialista e anti-fascista da militância de esquerda ocidental, especialmente na América Latina, é aí onde essas narrativas encontram campo mais fértil. Pois, na grande maioria, elas baseiam-se na responsabilidade dos EUA por conflitos ao redor do mundo e na existência de células supremacistas no exército ucraniano. É a partir daí que a opinião pública é polarizada, que a ação russa é ofuscada e as pessoas começam a relativizar os crimes de Putin.

ícones de redes sociais em dispositivo eletrônico. Foto: LoboStudioHamburg (Pixabay)

Os discursos geralmente são moralistas, impregnados de ódio e de ataques à Otan e aos EUA – e na maioria das vezes possuem falsidades embutidas. Uma falsa narrativa bem feita não cria uma realidade nova, mas distorce uma realidade existente. Militantes de esquerda amam criticar os EUA (com razão) e o efeito de “bolhas” nas redes sociais os fazem trabalhar no viés de confirmação. São nessas bolhas que as distorções russas criam raízes.

“E o PT hein? E o Lula?” A retórica bolsonarista que virou meme, alimentada de antipetismo, impede-os de entrar em contato com os vários crimes cometidos por Jair. Alguém negaria que houve corrupção no governo PT? Mensalão não existiu? Lula não sabia de nada do petrolão? Mas o orçamento secreto é dez vezes mais caro e os bolsonaristas fecham os olhos e respondem a crítica com o meme.

Para quem já entendeu a comparação, provavelmente vai considerar esdrúxula, é assim que funciona a polarização. Mas já em 2018 a ativista síria Leila Al-Shami publicou um artigo chamado “O anti-imperialismo dos 1D10T4S”, denunciando que 94% das vítimas na guerra da Síria foram mortas pela aliança Russo-Iraniana que apoiavam o governo. Porém, só quando ataques da Otan e dos EUA foram noticiados, os ativistas de esquerda tomaram as ruas com cartazes “Stop the Syrian War”.

Quando a opinião pública é polarizada, a revolta é seletiva. E a estrutura de guerra digital russa sabe disso, por isso trabalha incessantemente para manter essas bolhas de esquerda alimentadas por conteúdos cada vez mais radicais anti-EUA, anti-Otan que acabam virando pró-Rússia. E também para que os discordantes se radicalizem nas próprias diferenças. E é assim que ativistas anti-imperialismo passam a funcionar como apoio da ação de uma ditadura neofascista contra um vizinho mais fraco.

Eles não precisam que ninguém apoie a invasão, apenas que ela seja relativizada por milhares de usuários nas redes. E a relativização em massa funciona como apoio. As principais distorções que compõem esses discursos servem para que a relativização vire apoio literal. O “e os EUA hein?! E a OTAN?!” se transforma em “tinha que ser feito, a Ucrânia é ne0naz1” ou “Putin não tinha alternativa” – assim é a Guerra Híbrida na era digital.

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

Quem é Walmir Estima?

Estudante de jornalismo, mestrando em Comunicação e Cultura Digital na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduado em relações internacionais. Seu tema de pesquisa é o uso geopolítico das redes sociais.


Você Colunista

O Você Colunista é um espaço no qual os membros do MyNews podem publicar seus textos no site oficial do canal. Aqui trabalhamos juntos! Se ainda não é membro, conheça os benefícios e venha para o time!

últimos vídeos

Inscreva-se no Canal MyNews

Vire membro do site MyNews

Comentários ( 0 )

Comentar

MyNews é um canal de jornalismo independente. Nossa missão é levar informação bem apurada, análise de qualidade e diversidade de opiniões para você tomar a melhor decisão.

Copyright © 2022 – Canal MyNews – Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Ideia74

Entre no grupo e fique por dentro das noticias!

Grupo do WhatsApp

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.

ACEITAR