Evo Morales anunciou nesta semana que vai se apresentar novamente para disputar as eleições de 2025
Em 28/09/23 09:38
por Coluna da Sylvia
Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam
Evo Morales anunciou nesta semana que vai se apresentar novamente para disputar as eleições de 2025. Seria a sétima vez que concorre ao cargo de presidente. O espanto não vem tanto pelo número, mas sim porque tal intenção vai diretamente contra a Constituição que ele mesmo promulgou e assinou. Nela, a Bolívia só permite uma reeleição. Mas Morales já governou por três mandatos e teve sua quarta vitória anulada.
Para quem não está muito familiarizado com a história recente da Bolívia, vale lembrar que Evo começou sua carreira política como líder sindical dos plantadores de coca na província do Chapare, ainda nos anos 1990.
Na época, o país vivia tempos turbulentos, crise econômica, greves, e tensão social. Evo se lançou candidato em 2002, e perdeu.
Depois de um longo trabalho com marqueteiros estrangeiros e sindicalistas bolivianos, saiu vencedor em 2006, numa época em que a América Latina vivia seu “boom das commodities”. O período de bonança serviu a Evo para dar um grande impulso à luta contra a pobreza, um problema crítico do país.
Em 2006, quando assumiu, Evo recebeu o país com PIB de US$ 9 bilhões. Hoje, esse índice é de US$ 37 bilhões. Há 13 anos, os pobres representavam 60% da população. Hoje, são 35%. Nos últimos anos, ainda que interrompido pela pandemia, a Bolívia se tornou o país sul-americano que mais cresce _mais até que Brasil e Argentina.
O que Evo realizou na Bolívia é revolucionário, criou uma nova classe média, realizou obras de infraestrutura, modernizou estradas e até construiu povoados novos de construções de concreto ao lado de onde antes as pessoas viviam em casas de barro e madeira, expostas a animais perigosos e incêndios.
Os benefícios que o povo boliviano recebeu na época são inegáveis. Porém, como passa a tantos, Evo caiu na tentação do autoritarismo. Interpretou que o carinho das pessoas lhe daria legitimidade a uma estada no poder sem limites. E foi aí que deu seu passo em falso.
Reelegeu-se em 2009, com a nova Constituição que dizia que apenas seriam permitidos dois mandatos.
Às vésperas da eleição de 2014, pediu à Suprema Corte, da qual constavam juízes em maioria postos alí por ele, que aceitassem que, na verdade, seu primeiro mandato não valeria na conta, afinal, a nova Constituição é que marcaria seu primeiro mandato. A Corte aceitou.
Naqueles dias, em uma entrevista que lhe fiz no Palacio Quemado (sede do poder em La Paz), perguntei se ele, na próxima vez, ia concorrer também a um quarto mandato. Ele disse: “vou respeitar a lei”.
O que não me contou a mim e tampouco aos bolivianos é que tinha poder, e iria, mudar as leis. Como a crise econômica já dava suas mostras depois do “boom das commodities” e boa parte da oposição se juntou para pedir que não tentasse mais uma eleição, Evo relutou.
Ainda assim, aceitou lançar um plebiscito, se a população dissesse “sim”, ele mudaria a Constituição e concorreria de novo, se dissesse “não”, ele “iria voltar a sua casa no campo, no Chapare”. Pois a população disse “não”, em sua maioria, a derrota foi de 51,3% contra 48,7% para o sim.
A princípio, Evo disse que respeitaria a decisão do povo. Meses depois, porém, sua cúpula e ele mesmo passaram a dizer que esse plebiscito estava “manchado pelas fake news”. Durante a campanha, havia surgido um rumor de que Evo teria tido um filho e abandonado-o. Depois se descobriu que não era verdade, que a criança não existia. Mas para ele, isso teria influenciado no plebiscito, que ele então passou a considerar ilegítimo.
Para voltar ao páreo, ele e sua equipe se armaram de outro argumento. O de que, segundo a Declaração Universal de Direitos Humanos, qualquer cidadão deve ter possibilidades de ser presidente de seu país e, com isso, se não deixassem que Evo participasse, lhe estariam tirando um “direito humano”.
Evo concorreu, em 2019, numas eleições confusas, interrompidas, com um papel no mínimo atrapalhado da OEA ao não reconhecer o resultado. Evo afirmava que tinha ganho, enquanto o país mergulhou no caos.
Manifestantes, opositores, a própria polícia saiu às ruas em desconhecimento do resultado. Evo foi pressionado pelas Forças Armadas a renunciar, algo que fez contra sua vontade, e deixou o país, primeiro para o México, depois para a Argentina.
Eu estava em La Paz nos dias em que esta se colocou em polvorosa, com o país acéfalo. Afinal, Evo havia mandado a todos os que estavam na linha de sucessão a também renunciar. A oposição se apressou, e colocou a primeira representante depois dos que haviam renunciado, no poder, a segunda vice-presidente do Senado, no poder. Seu nome é Jeanine Áñez, e até hoje está numa prisão respondendo a uma condenação que nunca veio.
Evo, sem poder voltar ao país a tempo, escolheu um sucessor para a eleição seguinte, seu apadrinhado Luis Arce. Como acontece em tantas partes, como com Juan Manuel Santos e Uribe, Rafael Correa e Lenin Moreno, o criador acabou voltando-se contra a criatura.
Hoje, Evo e seu sucessor, Luis Arce, mal podem falar entre si, tamanha é a animosidade, e ameaçam rachar o MAS (Movimento ao Socialismo), partido fundado por Evo, composto por sindicalistas e gente “de abajo”.
Agora, Evo lança seu desafio ao grupo de Arce, justamente quando este voltou de dar um excelente discurso nas Nações Unidas, em Nova York. A rusga entre ambos pode durar meses agora. O tema é que a Bolívia, país pobre e com muitas carências, carece mais de um consenso para seu próximo governo do que uma disputa palaciana e que auto-fagocite seu partido mais popular em muitos anos.
Evo tem muito apreço pelo poder, mas não entende que sua onipresença e tramóias para concorrer à Presidência quando já esgotaram suas possibilidades são atos muito prejudiciais para a Bolívia.
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