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COLUNA DO PRANDO

Na Paulista, o mesmo Bolsonaro, mas dois discursos distintos

Justiça não é vingança. Todos, indistintamente, têm direito à ampla defesa e ao contraditório

Em 27/02/24 12:38
por Coluna do Prando

Rodrigo Augusto Prando é Mestre e Doutor em Sociologia, Professor universitário e pesquisador.  Conselheiro do Instituto Não Aceito Corrupção, membro da Comissão Permanente de Estudos de Políticas e Mídias Sociais do Instituto dos Advogados de São Paulo e voluntário do Movimento Escoteiro.Textos essenciais de serem lidos para acompanhar e refletir sobre os movimentos da sociedade e do Poder.

No dia 25/02/24, a Avenida Paulista foi palco de uma imensa manifestação em apoio ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. A Paulista, assim chamada com intimidade pelos paulistanos, é, quase sempre, palco de manifestações, a favor ou contra políticos ou governos e, portanto, a ocupação de seu espaço significa, geralmente, demonstração de força ou de capital político. Bolsonaro é, portanto, um líder político que congrega um enorme apoio popular, com carisma e apoio no campo dos valores sociais que se coloca como representante.

Cabe, aqui, contudo, rememorar o discurso de Bolsonaro em 07/09/21 na mesma Paulista. Na ocasião, o discurso foi duro, com ataques diversos e ameaças evidentes. Direcionado ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, Bolsonaro afirmou: “temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair”. Continuou: “dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha”. E, ainda: “qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Além de Moraes, Bolsonaro atacou a segurança e legitimidade do processo eleitoral, especialmente, no que tange às urnas eletrônicas.

Rapidamente, o mundo político e jurídico começou, no mesmo dia, a analisar o discurso presidencial e suas consequências. Lembro-me de meu telefone tocando com os jornalistas querendo saber se haveria golpe ou ruptura institucional. Em verdade, foi realizada uma grande operação para distensionar o ambiente e reparar os excessos retóricos no bojo do bolsonarismo. Michel Temer, ex-presidente, foi chamado às pressas e foi intermediário de uma carta endereçada a Alexandre de Moraes na qual Bolsonaro buscava desculpar-se e retroceder em seu presidencialismo de confrontação. A pergunta, no caso, é a seguinte: o que aconteceu quando –  no exercício do mandato presidencial, como comandante em chefe das Forças Armadas e com as ruas repletas de bolsonaristas – Bolsonaro ameaçou as instituições e o Ministro Moraes? Resposta: nada. As investigações e inquéritos continuaram no âmbito jurídico e Bolsonaro atuando no campo político em busca de sua reeleição. Ademais, em 2022, Bolsonaro foi o primeiro presidente não reeleito desde a aprovação do estatuto da reeleição, sendo derrotado por Lula e, logo depois, foi condenado na Justiça Eleitoral à inelegibilidade.

Agora, em 2024, há um Bolsonaro que, embora ainda tenha força e capital político, não se encontra mais no poder. A manifestação de 25/02/24 é superlativa, mas o discurso, dessa vez, foi bem ameno e em tom calculado, já que tanto Bolsonaro como Silas Malafaia foram assessorados juridicamente. Foi Malafaia quem fez, retoricamente, o tom subir em relação, novamente, ao Ministro Moraes, ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral. Bolsonaro, por sua vez, reclamou de perseguição, negou a tentativa de golpe (pela qual é investigado) e pediu anistia aos que foram julgados e presos nos atos de 8 de janeiro de 2023. Em suas palavras, Bolsonaro afirmou: “O que busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado. É buscar uma maneira de nós vivermos em paz, não continuarmos sobressaltados”. Na sequência, afirmou, acerca dos presos pelo 08/01/23: “Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação, nós já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora, nós pedimos a todos os 513 deputados, 81 senadores, um projeto de anistia, para que seja feita justiça no nosso Brasil”. No que tange às acusações de participar da articulação de um golpe, o ex-presidente asseverou que: “Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. É trazer classes políticas para seu lado, empresariais, isso que é golpe. Nada disso foi feito no Brasil”.

No dia 25/02/24, Bolsonaro mostrou força política, lotando a Paulista, e, ao mesmo tempo, sua fragilidade e um líder acuado. Nos idos de 2021, no auge de seu poder, Bolsonaro ameaçou, recuou e voltou aos ataques até o período eleitoral. Politicamente, Bolsonaro nunca desmobilizou sua base de apoio, nas redes e nas ruas, desde 2018 quando foi eleito. Bolsonaro é o único ex-presidente que, após o fim de seu mandato e de sua derrota, não submergiu. Continua ativo, mobilizando sua militância e com apoios na sociedade e em parte considerável da classe política. Outra vez, uma questão: qual a consequência, neste caso, de um discurso ameno e apaziguador, para o futuro de Bolsonaro na dimensão jurídica? Provavelmente, as instituições – no caso o STF, justiça eleitoral, polícia federal – continuarão seguindo com as investigações.

Que se enfatize que o ex-presidente é, no momento, investigado. Sua situação política é ruim (não reeleito e inelegível) e sua situação jurídica se deteriora conforme é divulgado o mosaico montado nos inquéritos em curso. Há, na política e na justiça (no Direito), temporalidades e lógicas distintas. Desde Montesquieu, o pressuposto da separação e exercício harmonioso entre os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é o norte que, num Estado Democrático de Direito, deve ser seguido. Justiça não é vingança. Todos, indistintamente, têm direito à ampla defesa e ao contraditório. E todos são, numa república, iguais perante a lei. Nem mais e nem menos: iguais.

O Brasil não está apenas polarizado e sim “calcificado”, conforme aduziram Felipe Nunes e Thomas Traumann, em seu livro “Biografia do abismo”. Não reconhecer isso e não reconhecer a força da liderança carismática de Bolsonaro e de Lula é não compreender a realidade política do país, é não entender que, na política, há a busca, manutenção e, quando possível, a ampliação do poder conquistado.

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