Para compreender o comportamento do resultado primário da União é preciso, paralelamente, entender os eventos atípicos que circundam a economia do país
por Vilma Pinto em 14/04/21 11:09
A economia vivenciou uma das mais duradouras e intensas recessões da história brasileira, de acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da Fundação Getulio Vargas (CODACE). Esta recessão iniciou em meados de 2014 e terminou ao final de 2016. Em 2020, o país entrou novamente em recessão, devido à pandemia da covid-19.
Também em 2014, e após 16 anos de sucessivo superávit, o resultado primário do governo central apresentou déficit primário de 0,4% do PIB, mas permanece deficitário até hoje. A necessidade de ampliação de gastos para combater a pandemia agravou a situação fiscal e a perspectiva de recuperação futura ainda é incerta.
Entender o comportamento do resultado primário da União tem se tornado tarefa muito difícil. Isso porque o resultado do governo está repleto de eventos atípicos e não recorrentes, que afetam o primário, só que de forma mais pontual. Assim, para uma melhor avaliação da política fiscal, é importante olhar também para o resultado primário descontado os eventos atípicos.
Pela ótica do primário recorrente, o déficit fiscal se inicia antes mesmo da recessão datada pelo CODACE, ou seja, em 2013. Essa diferença entre o resultado observado e o recorrente ocorreu pois em 2013 o governo federal criou um programa especial de regularização fiscal (REFIS), que gerou uma receita extraordinária de R$ 20,4 bilhões em apenas um mês. Neste mesmo ano, também houve concessões no valor de R$ 22,1 bilhões. Dessa forma, ao olhar o resultado efetivo do governo em 2013, era possível observar um superávit de 1,4% do PIB, mas ao descontar essas receitas que aconteceram de forma pontual, o resultado foi de déficit de 0,1%.
Tal como 2013, os anos seguintes foram marcados por muitas operações atípicas que alteravam pontualmente a dinâmica das contas fiscais.
Dando um zoom nas receitas primárias, observa-se que a dinâmica das receitas realizadas é muito diferente daquela em que se desconta os efeitos não recorrentes.
Pelo indicador das receitas recorrentes, podemos notar que desde a crise do subprimes de 2008/09, as receitas líquidas de transferências para entes subnacionais perderam dinamismo. Em 2017 a receita foi equivalente a 19% do PIB e a trajetória declinante só cessou em 2016, mesmo período em que foi datado o fim da recessão econômica de 2014/16. Neste ano, a receita líquida recorrente da União apresentou resultado de 16,3% do PIB. Desde então, a receita recorrente primária segue oscilando em torno de 16,5% do PIB, encerrando 2020 em 16,4% do PIB.
Se por um lado, a perda de dinamismo das receitas pode ser atribuída ao impacto da atividade econômica sobre as receitas tributárias, por outro, há fatores adicionais que podem ter contribuído para o desempenho observado.
Nesse aspecto, destaca-se a evolução dos benefícios fiscais, que em 2007 foi estimado em 3,3% do PIB e para 2021 foi projetado em 4% do PIB. Também merece destaque as compensações tributárias, que bateram recorde nos últimos anos e tiveram forte concentração em créditos decorrentes de ações judiciais.
Pela evolução das receitas efetivamente realizadas, a análise é diferente. Há uma elevação pontual em 2010 – muito influenciada pelo leilão da cessão onerosa do pré-sal – e depois certa estabilidade até 2013. Houve uma redução de nível em 2014 e se manteve estável até 2018, quando voltou a subir em 2019.
Com a pandemia da covid-19, o resultado primário efetivo (receitas menos despesas) foi de déficit de 10% do PIB, mas quando descontamos os efeitos atípicos, esse resultado melhora substancialmente para déficit de 2,9%. Este último é o resultado que deve ser observado para acompanhar o desempenho da política fiscal.
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