Decisão foi acordada em reunião nesta sexta-feira, após o ministro ter suspendido a vacinação em adolescentes sem consultar a Câmara Técnica da pasta
por Sara Goldschmidt em 20/09/21 22:42
O “climão” em torno da suspensão da vacinação contra a covid-19 em adolescentes continua. Nesta sexta-feira (17), membros da Câmara Técnica do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde se reuniram em Brasília, e ameaçaram uma renúncia coletiva caso o ministro Marcelo Queiroga não venha a público para se retratar sobre a decisão da suspensão, anunciada durante entrevista coletiva na quinta-feira e sem consultar anteriormente os técnicos da pasta. O grupo ainda exige que Queiroga volte atrás na sua decisão. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
Segundo o Ministério da Saúde, a interrupção da vacinação para a faixa etária de 12 a 17 anos sem comorbidades foi motivada pela morte de uma adolescente de 16 anos em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo (SP), após ela ter tomado a vacina da Pfizer. No entanto, tanto no momento da suspensão da imunização quanto após a conclusão dos estudos pela Secretaria de Estado da Saúde, nesta sexta-feira (17), não houve comprovação científica da relação entre a vacina e a morte da jovem. Concluiu-se que ela era portadora de doença autoimune e grave.
Ainda na quarta-feira (15), em nota e antes da entrevista coletiva de Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde afirmou que “os benefícios da vacinação em adolescentes sem comorbidades ainda não estão claramente definidos”. A Anvisa contestou, e manteve a indicação do imunizante para a faixa etária de 12 a 17 anos. “Até o momento, os achados apontam para a manutenção da relação benefício versus o risco para todas as vacinas, ou seja, os benefícios da vacinação excedem significativamente os seus potenciais riscos”, disse a Agência.
Mesmo assim, na quinta-feira (16), Queiroga pediu que os adolescentes que já tomaram a primeira dose, não tomem a segunda. Todas as decisões, lembrando, foram tomadas sem consultar o órgão técnico do Ministério da Saúde. À Folha, o ministro afirmou que técnicos do PNI não foram ouvidos porque o órgão não é deliberativo. “É um órgão assessor”, disse ele.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que fazem parte da Câmara Técnica do PNI, se manifestaram no mesmo dia, em nota conjunta. Os órgãos afirmaram que o Ministério da Saúde, “ao implementar unilateralmente decisões sem respaldo técnico e científico, coloca-se em risco a principal ação de controle da pandemia”. E ainda: “Conass e Conasems reafirmam sua confiança na Anvisa e nas principais agências sanitárias regulatórias do mundo, que afirmam a segurança e eficiência da vacina comirnaty, da Pfizer, para crianças com 12 anos de idade ou mais.”
Além do Conass e do Conasems, a Câmara Técnica do Programa Nacional de Imunização é formada por professores, especialistas e representantes de sociedades de classe, e é responsável por subsidiar tecnicamente o ministério em suas decisões. A justificativa dos membros do grupo para a renúncia coletiva é de que não tem sentido eles fazerem parte de um órgão que não é consultado, tendo seus nomes associados a decisões que não puderam opinar. A posição dos presentes quanto à renúncia foi unânime.
Rosane Leite de Melo, secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19 do Ministério da Saúde, representou a pasta na reunião desta sexta-feira, e ficou de levar as reinvindicações do grupo à Queiroga.
Ao jornal Estadão, o Ministério da Saúde afirmou que vai esperar a “conclusão oficial da investigação do caso [da jovem]” pela Secretaria de Saúde de São Paulo e que, até o momento, “a orientação para vacinação apenas em adolescentes com comorbidades se mantém”.
Durante a live semanal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na quinta-feira (16), Marcelo Queiroga disse que o chefe do Executivo o orientou a suspender a vacinação em adolescentes. “O que o Ministério da Saúde fez? Na nota técnica 40 da Secovid, retirou os adolescentes sem comorbidades. O senhor tem conversado comigo sobre esse tema e nós fizemos uma revisão detalhada no banco de dados do DataSUS”, explicou o ministro.
Já Bolsonaro disse que não impôs nada ao ministro da Saúde, mas que levou algo que era de seu conhecimento. E que a Anvisa recomenda a vacinação de adolescentes, não obriga. O presidente afirmou ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) é contrária à vacinação de adolescentes, quando, na verdade, a entidade apenas recomenda a priorização dos grupos mais vulneráveis.
Na sexta-feira (16), ao jornal Folha de São Paulo, Queiroga ressaltou que não seguiu ordens do presidente, que “Bolsonaro não mandou nada. O presidente não interfere nisso daí”, afirmou. Segundo o ministro, o presidente apenas recebe informações que repassa a ele. “Bolsonaro é o presidente da República. Conversamos várias vezes por dia. E ele sabe de alguma coisa e me diz ‘Queiroga, veja isso aí”, disse o ministro.
Contrários à orientação do Ministério da Saúde, pelo menos 13 estados, mais o Distrito Federal, decidiram manter a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades. De acordo com levantamento realizado pelo jornal O Globo, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e o Distrito Federal planejam continuar com a imunização. A decisão, porém, pode esbarrar no fim do estoque de vacinas em parte desses estados.
Paraíba, Tocantins, Mato Grosso, Paraná e Alagoas, dizem que seguirão as decisões do governo federal. O Amazonas ainda está decidindo como irá proceder, e o Rio de Janeiro não detalhou sua decisão. Em nota, o governo do Rio Grande do Norte esclareceu ao Globo que vai manter a continuidade das aplicações, porém aguarda um posicionamento da Anvisa, caso ocorram “eventuais mudanças” em relação à autorização de aplicação de vacinas nessa faixa etária.
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