Na fronteira com o Brasil, “patrões” enviam barcos para recrutar indígenas brasileiros que vivem nas comunidades à beira do rio
por Avener Prado - da agência Pública, Ciro Barros em 15/07/22 16:39
O mototaxista Genaro apontou a moto vermelha no horizonte de uma comunidade indígena nos arredores de Benjamin Constant (AM). O clima ali era calmo, alheio ao alvoroço da vizinha Atalaia do Norte (AM), que naqueles dias ainda vivia a tensão das buscas pelos então desaparecidos Bruno Pereira e Dom Phillips. Genaro vestia uma calça jeans, um boné para aliviar o sol do meio-dia de verão amazônico e uma camiseta colorida de tecido sintético em tons azulados. Indígena Tikuna, ele concordou em encontrar a reportagem da Agência Pública para contar um drama pessoal: a história do filho preso por narcotráfico na Colômbia. O sobrenome de Genaro foi suprimido para preservar a identidade do filho.
Cláudio* foi detido em 9 de abril deste ano na cidade de Puerto Nariño, cidade à beira do rio Amazonas, no lado colombiano, em um trecho em que o rio marca a fronteira da Colômbia com o Peru. A Pública obteve os documentos colombianos que comprovam a prisão do jovem por posse de cocaína — ele atualmente é investigado por tráfico. Após uma audiência de custódia no dia seguinte, o jovem foi levado à prisão na vizinha Leticia, a capital da província colombiana do Amazonas, que faz fronteira com a brasileira Tabatinga. As duas são chamadas de “cidades irmãs” por formarem quase que uma única área urbana encravada na tríplice fronteira entre Peru, Brasil e Colômbia (região conhecida como Trapézio Amazônico).
Antes de ser preso, Cláudio se dedicava a um trabalho cada vez mais comum nas comunidades indígenas da região, tanto no lado brasileiro como nos países vizinhos: a colheita de folhas de coca nos chamados “roçados” do lado peruano para a produção de cocaína. Indígenas, pesquisadores e servidores públicos que acompanham o tema disseram à Pública que os indígenas são recrutados pelos “patrões”, os fazendeiros de coca peruanos, nas comunidades onde vivem.
O Peru está a poucas horas de barco das comunidades indígenas de Benjamin Constant e de outros municípios do Alto Solimões. De acordo com os relatos ouvidos pela reportagem, os barcos são enviados pelos patrões na época da colheita de coca para recrutar a mão de obra nas comunidades à beira do rio Solimões. Muitos vão para o município peruano de Islandia, que fica na mesma margem do rio Javari (ou Yavarí, como é chamado no Peru) de Benjamin Constant.
Os indígenas, sobretudo os jovens, são atraídos pelo prometido pagamento em cidades que quase não têm oportunidades de emprego. Os nove municípios do Alto Solimões são marcados pela desigualdade social elevada e baixo desenvolvimento humano, segundo os indicadores do IBGE e do índice de Gini. Das nove cidades, apenas Tabatinga está acima da faixa de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou muito baixo, segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Outro traço local marcante é a concentração de população indígena.
O Alto Solimões possui a maior densidade populacional indígena do país, segundo o último censo do IBGE. São cerca de 65 mil indígenas vivendo na zona urbana dos municípios, de acordo com os dados reunidos pelo Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia (Nesam), formado por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Quando se inclui a população residente nas terras indígenas situadas nas áreas rurais dos municípios, o número chega a cerca de 123 mil indígenas de pelo menos 13 grupos étnicos em 35 territórios demarcados e em diferentes estágios do processo de demarcação.
Genaro conta que o filho estava fazendo um curso técnico em enfermagem quando foi convidado por outra jovem indígena, colega de comunidade, a trabalhar nos cultivos peruanos.
“Uma menina chamou ele pra ir pra lá [para os cultivos]. Ficou primeiro um mês lá, aí chegaram sem nada. Depois voltou de novo, aí ficou mais três meses e nunca chegavam. Aí a mãe dele ficou preocupada, eu também. Aí passou mais uma semana e um colega dele falou com a gente que ele estava preso. A gente ficou assustado, a gente não trabalha com isso de droga. Aí perguntei pro menino: ‘Por que ele tá preso?’ [O menino respondeu:] ‘Por causa de droga’”, relembra o mototaxista Tikuna, com uma fala pausada, parando às vezes para olhar para o horizonte.
Genaro ouviu que o filho foi abordado portando cocaína em um “pec pec”, um barco pequeno e de motor lento, junto com outros trabalhadores do cultivo peruano. As circunstâncias da prisão de Cláudio não estão totalmente esclarecidas pelas autoridades colombianas. Uma das hipóteses que circulam entre outros trabalhadores dos cultivos na comunidade é que ele estava atuando como “mula”, nome dado às pessoas que atuam como atravessadores de drogas. É comum, segundo essas fontes, que alguns trabalhadores passem do cultivo à atividade de mula. Para Genaro, porém, importam mais as condições do filho na prisão. Segundo ele, Cláudio foi até hospitalizado em Leticia devido a agressões sofridas na cadeia. “Três dias ele ficou no hospital de Leticia”, diz. Antes de ser transferido ao presídio da cidade, Cláudio estava com outros três brasileiros não indígenas de Tabatinga em uma cela na delegacia de Leticia. A avó de um deles era quem repassava as notícias a Genaro.
Pai de outros três filhos, ele sofre para pagar os mantimentos enviados ao filho em outro país, não tem recursos para contratar advogados e pouco sabe sobre o andamento do processo na Justiça colombiana. “Mototáxi, você sabe. Todo o dinheiro vai só com peça de moto”, diz, reclamando dos buracos das ruas de Benjamin Constant. A última vez que falou com o filho, disse que ele pediu material de artesanato. “Ele quer começar a trabalhar”, disse Genaro à Pública. “Eu fico sem dormir o tempo todo. Pensando… A família fica sofrendo muito”, reflete de modo reticente, pausado.
A reportagem da Pública ouviu, sob a condição de anonimato, outros dois indígenas do Alto Solimões que trabalham em cultivos no Peru há décadas. Apesar de os roçados existirem na fronteira há muito tempo, eles contam que o recrutamento vem se intensificando nos últimos anos — percepção compartilhada por outras pessoas das comunidades e pelas lideranças. “Aqui é muito simples. Estamos na tríplice fronteira. Não tem fiscalização, não tem segurança na fronteira, não tem. As pessoas chegam aqui pelo rio Javari, a maioria são os peruanos que vêm de lá. Chegam com drogas, com armas e ninguém revista”, afirma o cacique Isaque Almeida Bastos, liderança da comunidade Filadélfia, em Benjamin Constant (AM), desde 2019. “É ruim porque acaba trazendo esse prejuízo da perdição dos jovens”, avalia, referindo-se ao trabalho nos roçados de coca. O cacique lamenta que o trabalho nos cultivos de coca esteja se tornando, na avaliação dele, mais presente para a juventude.
Alguns dados disponíveis sugerem que a percepção está correta. Segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), somente entre 2015 e 2017 houve um aumento de 24% nas áreas de cultivo de folhas de coca no Peru, que passaram de 40,3 mil hectares para 49,9 mil hectares. O aumento ocorreu com maior intensidade na região de Bajo Amazonas, na província de Loreto, onde está localizada a fronteira com a Colômbia e o Brasil. Os cultivos de coca nessa região aumentaram 41%, superando a média nacional, entre 2016 e 2017, e a área plantada foi de 1.292 hectares para 1.823 hectares. A principal rota de destino da coca produzida na região é o rio Amazonas, passando por Leticia e indo em direção ao Brasil. Além do Amazonas, os rios peruanos Ucayali e Yavarí também são canais de escoamento não só da droga produzida na fronteira, mas também em outras partes do país, de acordo com o documento do UNODC.
A cocaína produzida no Bajo Amazonas (e no Peru de maneira geral) não se destina em sua maioria ao consumo interno peruano, que é um dos mais baixos da América Latina e representa menos da metade do brasileiro em termos da taxa de consumo pela população, segundo dados de 2019 da Comissão Interamericana para o Controle de Drogas (Cicad). Além de abastecer o imenso mercado consumidor do Brasil, o segundo maior do mundo de acordo com estudo da Unifesp, a droga tem como um de seus principais destinos a Europa. A própria UNODC aponta que o Brasil já é a “principal via de transporte de cocaína para a Europa”.
Os rios que atravessam o Trapézio Amazônico deságuam em áreas portuárias cada vez mais importantes na logística de exportação de drogas na Amazônia, como a região metropolitana de Manaus e a cidade de Santarém. “O Peru hoje é o grande produtor de cocaína na tríplice fronteira”, afirma o chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal (PF) no Amazonas, o delegado Victor Mota. “A maior parte da cocaína que entrava no Brasil era de origem boliviana antes e agora é de origem peruana. A gente verifica isso nos dados da Polícia Federal, de cocaína apreendida no Brasil. A maior parte da cocaína tem origem no Peru nos últimos quatro, cinco anos”, afirma o doutor em geografia e pesquisador da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Aiala Colares Couto.
“De uns anos pra cá, tem muito mais roçado na fronteira”, afirma José*, um indígena Tikuna também residente em uma das comunidades visitadas pela Pública. Ele fala com a experiência de quem há 13 anos se dedica aos trabalhos nos roçados de coca, segundo ele, o melhor trabalho que conseguiu até hoje. O primeiro contato se deu quando tinha 18 anos. Hoje, José tem 31. Ele conta que havia abandonado os estudos na época de seu primeiro contato e não tinha opções de trabalho. Resolveu entrar em um dos barcos peruanos que atracaram em sua comunidade e passar sua primeira temporada nos roçados.
José diz que estranhou os seguranças armados, que ele viu às dezenas em algumas das fazendas, mas destaca que as condições de trabalho foram as melhores que já encontrou. “Aqui não tem trabalho. Lá, eu ganho pelo menos R$ 60 a diária. Os patrões dão alojamento, alimentação, dão tudo. Quando você termina [o trabalho em] uma roça, você pode ir para outra, e aí vai ganhando mais. Lá no Peru mesmo eles chamam. Se você quiser ir embora, é só falar que eles levam”, relata.
Ele diz que o máximo que já ganhou na cidade foi descarregando barcos em um dos portos locais, o que lhe rendia R$ 400 mensais. Recolhendo folhas de coca nas roças para ajudar a fazer a pasta base nos laboratórios das fazendas, já ganhou R$ 4 mil em uma semana. Na ocasião, José conta que levou outros indígenas à fazenda e recebeu uma remuneração extra por cada trabalhador. Diz que, apesar da presença ostensiva dos sicários dos patrões, sempre com armas longas como fuzis e metralhadoras, nunca testemunhou nenhuma situação de violência. Mas conta que já ouviu falar de trabalhadores mortos por tentarem roubar pasta base das fazendas e sobre invasões armadas de fazendas por traficantes rivais. Apesar de ser sua maior fonte de renda, José diz que não consegue viver só do que ganha nos cultivos. “Eu tenho que fazer um monte de bico por aí. De pedreiro, de um monte de coisa.”
Juan* é um Tikuna peruano que cruzou a fronteira para o Brasil quando se apaixonou por uma indígena Tikuna brasileira 27 anos atrás. Ele contou à reportagem da Pública que trabalhou pela primeira vez nos cultivos de coca ainda criança, aos 10 anos, quando ainda vivia no Peru. Já na casa dos 40, acumula mais de três décadas de experiência nos cultivos de coca e levou os filhos para a atividade.
“Lá é tranquilo, bom para trabalhar. Não é perigoso. É só você trabalhar e ir embora”, diz em um português ainda com muito sotaque. Diz que, em geral, recebe os mesmos R$ 60 por dia trabalhando nos cultivos, que ganha R$ 1,50 por quilo de folha e consegue juntar até 40 quilos em um dia bom de trabalho. As folhas são entregues aos outros funcionários dos patrões, que trabalham com a pasta base, em laboratórios no meio da mata. O máximo que já ganhou, emendando trabalhos nos roçados, foi R$ 5 mil. Ele diz que já ouviu muitas histórias de trabalhadores brasileiros assassinados por roubarem os patrões. “Eles preferem os indígenas porque eles não roubam”, afirma.
A Pública foi à PF em Tabatinga tentar repercutir com as autoridades o assédio do narcotráfico nas comunidades indígenas no Alto Solimões. Com o efetivo mobilizado pela investigação do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, só havia um delegado na sede da PF, Wesley Urzêda, que acabara de retornar das diligências em Atalaia do Norte. Ele disse à reportagem que não poderia entrar em detalhes sobre a questão específica do trabalho indígena nos cultivos por serem “informações sensíveis”, mas que há denúncias que chegam sobre o tema, muitas vezes sem “muitos elementos” e que não justificariam diligências.
Urzêda falou sobre o desafio da PF de policiar a área do Trapézio Amazônico, onde a droga é escoada pela maior bacia hidrográfica do mundo, sobretudo na cheia dos rios, quando os “furos” (cursos d’água menores) criam uma imensidão de rotas para os barcos do tráfico. “Os países vizinhos ao Brasil produzem a cocaína que é vendida no mundo. Uma grande parte dela é escoada por meios fluviais. A fiscalização da PF ocorre em pontos específicos, frequentemente ocorrem as apreensões”, disse à reportagem.
Servidores da Funai ouvidos pela Pública sob anonimato por temerem represálias internas no órgão disseram ter conhecimento do assédio do narcotráfico às áreas indígenas. “Quando tem alguma denúncia, ela é encaminhada para a [Polícia] Federal. Mas a Funai não tem poder de polícia, não tem gente… Geralmente, ela só encaminha para a PF, o MPF [Ministério Público Federal]”, diz um servidor. “A PF também são poucos servidores. Essa questão indígena eles nunca se ativeram muito, deixam rolar. Sempre mudam os delegados também. Mas desde que eu cheguei tem muito essa questão. Muitos indígenas são usados como ‘mulas’ do tráfico, muitos vão para os cultivos. E vem aumentando bastante o problema do narcotráfico, com a chegada das facções. Isso tem rolado muito. É um problema nos três países da fronteira”, afirma.
Era uma noite de sábado a comunidade indígena Umuriaçu II, nos arredores de Tabatinga, estava em festa pelos 50 anos de fundação da Missão da Ordem Cruzada, Católica, Apostólica e Evangélica (mais conhecida como Irmandade Santa Cruz) quando a reportagem da Pública chegou. Seguindo pela estrada de terra, surge uma casinha amarela, a base da Segurança Comunitária Indígena da comunidade. Quando o táxi se aproxima, é possível ver um grupo de indígenas fardados. A Segurança Comunitária Indígena é uma organização criada pelos indígenas de Umuriaçu II para suprir a demanda por segurança. “Aqui não tem Polícia Militar, Polícia Federal, Funai. A gente ficou cansado. A gente mesmo resolveu fazer a nossa segurança”, conta o segundo coordenador da segurança comunitária, Cristóvão Pinto.
Os guardas indígenas vestem camisetas verde-escuras, calças e coturnos pretos. Alguns portam cassetetes pretos de madeira maciça. Quase todos possuem lanternas e ostentam no fardamento a onça-d’água, o animal símbolo da Segurança Comunitária Indígena. A base da segurança possui uma cela, e os indígenas mostraram à Pública seus registros de ocorrência — os casos mais recentes eram de violência doméstica, furtos e uso de drogas. A guarda indígena se sustenta com contribuições da comunidade e os membros fazem o serviço de patrulhamento voluntariamente. De forma periódica, principalmente de quinta a domingo, a guarda indígena anda pela comunidade em rondas para garantir a segurança local. Quando encontram algo, eles avisam a Polícia Militar pelo rádio e, por vezes, detêm os suspeitos na base. A reportagem acompanhou uma das rondas in loco, com um grupo de cerca de 20 guardas.
A Segurança Comunitária Indígena é uma reencarnação da Polícia Indígena do Alto Solimões (Piasol), instituição criada nos anos 2000, para defender territórios indígenas do Alto Solimões. Há registros de atuação da Piasol em ao menos nove comunidades indígenas da região. Segundo as lideranças da comunidade e os membros da guarda indígena, ela foi criada em resposta ao cansaço com o jogo de empurra das autoridades: o vai e vem de denúncias dos indígenas entre órgãos do Estado e a falta de ações concretas para garantir a segurança no território pela Funai e pelas polícias Federal e Militar. “Durante anos, nós pedimos uma base da Polícia Federal ou da Polícia Militar aqui dentro. Nunca tivemos resposta”, relata o vice-cacique e ex-vereador por Tabatinga Manoel Nery. A polícia indígena foi alvo de inquéritos da PF, que a acusou em 2009 de abrigar uma milícia privada, e acabou desativada por determinação do MPF em 2011.
Após ser recriada, em 2017, os indígenas passaram a atuar em parceria com a Polícia Militar, mas contam que encontraram, após a refundação, um cenário diferente em relação à violência. Cristóvão Pinto diz que no início da guarda a preocupação maior eram as brigas entre os jovens das comunidades Umuriaçu I e II. “Esse problema terminou. Agora o problema é a droga”, relata, referindo-se tanto ao consumo de drogas quanto ao aliciamento da juventude pelo narcotráfico. “Tem pessoal daqui mesmo que vende droga. Chegam denúncias pra gente de jovens que compram droga em Tabatinga e vendem para outros jovens daqui”, diz. Ele puxa pela memória ocorrências de apreensões com dezenas de papelotes de cocaína dentro da comunidade.
“A gente sabe que tem gente da cidade [Tabatinga] que manda eles venderem aqui dentro”, diz o cacique Rokeson Cruz. Ele e os membros da guarda afirmam que foram ameaçados após apreenderem fuzis e metralhadoras na casa de um morador da comunidade em 2017, ano de recriação da guarda indígena.
Também foi em 2017 que o Amazonas viveu o massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), quando 56 pessoas morreram após uma rebelião no presídio de Manaus. Uma das motivações do massacre seria a disputa entre a Família do Norte (FDN) e o PCC pelo narcotráfico no Trapézio Amazônico. Há uma disputa entre as facções criminosas do país pelo controle da passagem de drogas na fronteira que fez aumentar significativamente a violência na região. Entre 2019 e 2021, os homicídios aumentaram 1.600% em Tabatinga, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas. Enquanto a Pública esteve na região, Afonso Celso Caldas de Lima, o “Celsinho da Compensa”, foi executado em um restaurante em Leticia. Celsinho foi denunciado na Operação La Muralla, da PF, como um dos responsáveis pelo escoamento de drogas da FDN na tríplice fronteira.
Nas comunidades indígenas visitadas pela Pública, é comum ver pichações nas paredes com referências a facções criminosas com presença local como o Comando Vermelho e Os Crias. Há indícios de que, além dos cultivos, já existam indígenas faccionados no Brasil e nos outros países da fronteira, segundo fontes ligadas à área de segurança ouvidos pela reportagem, mas ainda não há clareza sobre que papéis ocupam na hierarquia do crime organizado.
O professor da UEA e coordenador do Nesam, Pedro Rapozo, aponta o contraste entre a desorganização do Estado e a articulação das organizações criminosas. “Você vê uma ausência de fiscalização e monitoramento nessas áreas, que deixam esses territórios vulneráveis. Na medida em que há essa ausência do Estado, você vê, por outro lado, organizações de agentes ilegais que manejam redes de contato e comunicação inclusive com os próprios indígenas, agenciando e aliciando parte das famílias e populações que não têm uma outra perspectiva e que são desassistidas pelo governo”, avalia. “Não se trata simplesmente de criminalizar essas pessoas que estão envolvidas nas redes do narcotráfico e dos mercados ilegais. A questão é muito maior que isso: está na ausência de oportunidades e de políticas governamentais que possam assistir e possibilitar geração de renda para a sociedade local”, pontua.
Rapozo aponta a contradição do que vem chamando, em seus trabalhos, de “ausência presente” do Estado. “Aqui você tem Polícia Federal, Ministério Público, Funai, Forças Armadas, mas a capilaridade dessas instituições não é tão efetiva. Elas não chegam até onde deveriam chegar”, critica.
O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center
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