A tecnologia, como bem sabemos, é uma ferramenta, e seu uso pode ser positivo ou negativo, a depender de quem a usa e de como a usam
Em 05/12/24 15:19
por Coluna do Prando
Rodrigo Augusto Prando é Mestre e Doutor em Sociologia, Professor universitário e pesquisador. Conselheiro do Instituto Não Aceito Corrupção, membro da Comissão Permanente de Estudos de Políticas e Mídias Sociais do Instituto dos Advogados de São Paulo e voluntário do Movimento Escoteiro.Textos essenciais de serem lidos para acompanhar e refletir sobre os movimentos da sociedade e do Poder.
'Brain rot' pode ser definida como a 'deterioração mental' pelo consumo excessivo de conteúdo pouco desafiador, em especial nas redes sociais | Foto: Pixabay
Todos os anos a prestigiosa Universidade de Oxford escolhe a palavra do ano, refletindo tendências linguísticas, sociais e culturais. Em 2024, a palavra escolhida foi “brain rot“, que pode ser traduzida como “cérebro apodrecido” ou “atrofia cerebral”.
O Dicionário de Oxford define “brain rot“como a “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (principalmente conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador”. Ainda segundo o referido dicionário, o termo foi usado pela primeira vez pelo escritor Henry David Thoreau na obra Walden, ou A vida nos bosques, de 1854.
Leia mais: Fake news, golpe e magnicídio: o enredo do bolsonarismo
No livro, Thoreau descreve uma sociedade em crescente complexidade e sua decisão de se mudar para a propriedade de um amigo, às margens do lago Walden, onde viveu em uma cabana, construindo móveis, cultivando plantas e preparando sua própria comida. Teve, nesta experiência, descobertas espirituais. Para os dicionaristas de Oxford, ao usar o termo “brain rot“, Thoreau assevera a tendência da sociedade da época em desvalorizar ideias complexas em favor das mais simples. De Thoreau muitos conhecem a obra A desobediência civil e, agora, vale acrescentar à lista Walden, ou A vida nos bosques.
A palavra do ano chegou pela mídia e, paradoxalmente, por meio das redes sociais. Esse cérebro deteriorado e a busca do trivial e de ideias simples em detrimento de conteúdo mais sofisticado e complexo traz à tona outros três livros que, de uma forma ou de outra, podem ser conectados a essa discussão: O cérebro no mundo digital, de Maryanne Wolf; Eu sei o que você anda lendo … como os algoritmos vêm mudando a nossa leitura, escrita e pensamento, de June Lessa Freire; e, o mais recente, A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, de John Haidt. Penso que, ao menos estes três livros, possam ajudar a melhor compreender o que se passou, na última década, com nosso cérebro.
Leia mais: Assassinatos e o gabinete do golpe
A tecnologia, como bem sabemos, é uma ferramenta, e seu uso pode ser positivo ou negativo, a depender de quem a usa e de como a usam. Pois bem, as redes sociais são, assim, meios fundamentais para aproximar indivíduos e grupos, conectando pessoas separadas por enormes distâncias ou posições sociais; permitem acesso à informações incomensuráveis e consolidação de conhecimentos em todas as áreas do saber humano e podem, especialmente no campo político, mobilizar energias para o campo democrático e republicano.
Por outro lado, podem, também, servir de plataforma para o discurso de ódio, para as fake news, teorias da conspiração, pós-verdades, negacionismo e ataques aos alicerces dos valores democráticos. O cérebro, bastante plástico, principalmente nos anos iniciais das crianças, estão sendo moldados não mais num mundo – como aduz Haidt – do livre brincar e sim num mundo hiperconectado, do smartphone. Nossa sociabilidade, portanto, depende de um cérebro social e este vai perdendo conexões reais de interação entre as pessoas para “encontros” frios, distantes e para a cultura da velocidade, do imediatismo e superficialidade.
Quem, nos dias que correm, educam seus filhos ou são professores, tem indícios de que isso – o cérebro deteriorado – está presente nas crianças e jovens de forma avassaladora. Cabe investir em relacionamentos presenciais e saudáveis, muita leitura (de livros) e uso comedido das redes sociais. O cérebro pode apodrecer, mas, também, pode tornar-se ativo, crítico e generoso de acordo com nossas experiências.
Comentários ( 0 )
ComentarEntre no grupo e fique por dentro das noticias!
Grupo do WhatsApp
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.
ACEITAR