O distanciamento forçado revelou novas possibilidades para o mundo dos negócios
por Francisco Saboya em 23/02/21 08:17
A locação de espaços corporativos não vive lá os seus melhores momentos, como se conclui da leitura de matéria recente do Estadão e outras fontes. Houve um aumento da vacância ao longo de 2020, e uma taxa de 13% que caminhava para 10% no começo do ano terminou em torno de 17% (SP) e 24% (RJ). Para imóveis na faixa A, chegou a 40%. Ocorre que não se trata de um fenômeno de mercado clássico, relacionado apenas à oferta e demanda por área e que varia conforme o ritmo de crescimento da economia. Parece ser algo mais estrutural, que, entre outros fatores, está de alguma forma associado a um modelo de real estate voltado para atração de startups, empreendimentos de tecnologia e outros serviços modernos e mais sofisticados – segmentos que sabidamente crescem a taxas muito maiores do que a média da economia. Tanto que elas continuam contratando no meio da crise e nem assim preenchem todas as vagas disponíveis.
A novidade aí é que a pandemia atravessou o samba, e aquela imagem idealizada de ambientes sofisticados em grandes lajes para algumas atividades, e alegres e coloridos, com jovens descolados jogando ping-pong, para outras, revelou-se inviável diante da crise. Os jovens empreendedores e trabalhadores criativos continuam descolados e adorando jogar ping-pong no meio do trabalho. O que não se sustenta mais é o mito desses ambientes como indispensáveis para a organização da produção na economia do conhecimento. Google, o modelo e farol desse tipo de arquitetura, está em home office. Twitter deixou a escolha para os funcionários.
O distanciamento forçado revelou novas possibilidades para o mundo dos negócios. Vai dar trabalho para a justiça do trabalho dar conta dessa nova realidade, mas o fato é que a maioria das empresas do setor de tecnologia (nos EUA, 84%) tem revelado disposição de seguir com modelos híbridos de funcionamento e com relações de trabalho mais flexíveis. E mais: cerca de 60% dos empregados aprovaram essa forma de trabalho. Habilidades técnicas e um bom inglês ampliam o seu mercado em escala global, e mesmo aqueles que não falam outra língua aumentam as suas oportunidades no próprio país. Boas perspectivas para o trabalhador, sem dúvida. Porém ruins para as empresas menos estruturadas, pois terão mais dificuldade em reter seus talentos; péssimas para as cidades menos competitivas, que vêm com muito esforço estruturando polos de tecnologia e terão agora que assistir a uma segunda onda de fuga de cérebros (na primeira, o corpo ia junto); e desastrosas para quem vivia da locação de área para abrigar esses empreendimentos.
Em mais um movimento de desmaterialização da economia por meio do digital, nos mudamos pras nuvens. É lá o principal lugar de trabalho hoje em dia. Um processo que já vinha sendo habilitado por plataformas de trabalho remoto, mas adotado apenas esporadicamente, foi acelerado neste ano que passou e agora virou regra. Mas essa conexão com o cyberespaço não prescinde de um local físico, onde deve ser instalada a estrutura mínima de trabalho para atuar nas nuvens. Essa base física agora está distribuída entre espaços empresariais mais enxutos e as casas dos trabalhadores convertidas em escritórios improvisados. Essa triangulação nuvem-escritório-casa é a expressão concreta do hibridismo de que tanto se fala. A experiência do trabalho remoto reinseriu as casas nas engrenagens do sistema produtivo, como nas velhas artesanias pré-industriais. Casas agora são parte de um novo modelo de organização do trabalho. E se esse arranjo viabilizar novas oportunidades para o mundo dos negócios, o que é tendência vira norma.
Diante disso, para quem estruturou seus negócios no modelo tradicional de locação de área para as atividades da economia digital, é hora de dar um cavalo de pau. Focar no essencial. Uma sugestão é repensar os espaços como ambientes de formulação presencial, experimentação e aprimoramento de novas estratégias e modelos de negócios. Os novos escritórios devem capturar aquela fração do trabalho criativo que não sobrevive à distância, na abstração das nuvens. A troca de ideias, o desenho de projetos estratégicos, as fricções criativas, a validação do novo, o olho-no-olho que gera cumplicidades, a simples presença do outro que humaniza, a conversa à toa. Essa é uma proposta de valor superior. Se insistirem em prover aquilo que os aplicativos de cloud meeting já fazem, a chance de dar errado é gigantesca.
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