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O país perde com a aprovação da PEC dos Precatórios

A PEC n° 23 ainda apresenta mudanças negativas para o desenvolvimento do país

por Maurício Rands em 07/12/21 16:51

O substitutivo do relator Fernando Bezerra para a PEC nº 23 melhorou um pouco a versão da Câmara. Mas ainda é muito ruim por três razões. É inconstitucional. Prejudica a economia. E tem consequências políticas nefastas. Como adiante veremos. O texto final está acessível aqui. As principais mudanças foram: (i) vinculação do espaço fiscal de R$ 106 bilhões, aberto com o subteto para o pagamento de precatórios, ao Auxílio Brasil, à saúde, à previdência e à assistência social; (ii) caráter permanente do Auxílio Brasil de R$ 400, mediante a introdução de um parágrafo ao art. 6º da CF assegurando a “todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social” o direito a “uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda”; (iii) retirada do teto de gastos dos precatórios de ações relativas ao Fundef, com pagamentos obrigatórios em três parcelas; e, (iv) priorização de pagamento de precatórios de natureza alimentícia, de requisições de pequeno valor – RPV (até 60 SM – R$ 66 mil), de créditos de pessoas com 60 ou mais anos de idade, e de portadores de deficiências.

O subteto definido no novo art. 107-A do ADCT significa que, na prática, vão ser parcelados os créditos devidos pela Fazenda Pública depois do trânsito em julgado das ações. Isso equivale a um calote parcial até 2026. Ocorre que os adiamentos e mudanças de índices de correção dos precatórios foram considerados inconstitucionais pelo STF em outras tentativas de calote, como advertiu a OAB em parecer técnico. Exemplo dessa posição do STF foi o julgamento da EC nº 62, que previa moratória do pagamento dos precatórios. Naquela ocasião, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da EC nº 62 por violação de cláusulas pétreas da CF: estado de direito (CF, art. 1º, caput), separação dos poderes (CF, art. 2º), isonomia (CF, art. 5º), garantia do acesso à justiça e efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), direito adquirido e coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Outra inconstitucionalidade da PEC é a mudança do índice de correção dos precatórios. A opção pela Selic, feita no art. 3º, colide com a definição do STF pelo IPCA-E mais 6% ao ano na ADI 4357.

Além dessas inconstitucionalidades, a PEC é ruim para a economia. Traz mais incerteza jurídica a um país que não é atrativo para investimentos por causa de seu ordenamento bizantino e burocrático. Agora até mesmo as decisões que transitaram em julgado depois de muitos anos terão seus pagamentos parcelados. Na direção oposta à necessária melhoria do ambiente para os negócios e a atividade econômica. Além disso, a PEC estoura o teto de gastos, essa âncora fiscal que diminui expectativas inflacionárias. O que é grave porque a inflação está de volta. São sinais muito negativos que não ajudam à construção do ambiente de confiança de que o país precisa.

Politicamente, os 61 votos favoráveis, contra apenas 10 contrários, levantam algumas indagações sobre os posicionamentos dos partidos de oposição. Todos os senadores do PT votaram a favor da PEC dos Precatórios. Posição oposta à dos deputados do partido na Câmara. PDT, Rede, Cidadania e Podemos votaram pela rejeição. Os oposicionistas que votaram a favor da PEC parecem conscientes de seus aspectos negativos. Como expressou o senador Jacques Wagner na sessão do dia 02/12: “Evidentemente, nós, que somos cumpridores de acordo, vamos encaminhar o voto ‘sim’, mas eu faço questão de registrar isto: nós estamos cometendo um crime contra a credibilidade do país”. Esse voto a favor da PEC teria sido justificado pelas chantagens do governo. Se a oposição não a aprovasse, o presidente diria que os vulneráveis ficariam sem os R$ 400 por culpa da oposição. Ou editaria decreto de calamidade para pagar o auxílio destrambelhando o teto de gastos, em manobra que apavoraria o mercado financeiro. Essas duas chantagens não foram aceitas pelo PT e demais partidos de esquerda na Câmara. Nem por parte da oposição no Senado (PDT, Cidadania, Rede). Mas é tão difícil entender que os R$ 400 poderiam ser viabilizados com cortes de outras despesas como as emendas do relator, as transferências especiais (“emendas pix”) e outras? Não será que, ao resguardar as emendas que poderiam custear o Auxílio Brasil, essas maiorias no Senado e na Câmara colocaram suas reeleições à frente do interesse do país? Os senadores da esquerda não deram um cheque em branco ao presidente para abrir o cofre para a reeleição? Isso não aumenta suas chances de ida ao 2º turno junto com Lula? Essa seria uma opção (in)consciente diante da ameaça de um Moro mais difícil de ser batido em eventual 2º turno?


Quem é Maurício Rands?

Maurício Rands é advogado formado pela FDR da UFPE e PhD pela Universidade Oxford.

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