Levantamento d'AzMina identifica mulheres ativistas que sofrem ameaças, tentativas de assassinato e perdem a vida em conflitos no campo brasileiro.
por Joana Suarez, Revista AzMina em 21/07/22 14:37
“Mataram mais uma irmã. Mataram mais uma irmã. Mas ela ressuscitará. Ressuscitará. Ressuscitará. E o povo não esquecerá. Não esquecerá…”
A música era cantada em tom de protesto por mulheres quebradeiras de coco babaçu em Penalva, no interior do Maranhão, enquanto caminhavam sob o sol quente, em 8 de março deste ano, o Dia Internacional da Mulher. No cartaz que uma delas segurava, estava escrito ao lado do desenho de uma palmeira de coco babaçu: “Quanto vale uma vida?”
“O trator que matou dona Maria foi mandado e comandado por um grileiro de terra. Esse Estado precisa fazer Justiça para uma mulher preta ao menos uma vez”, dizia ao megafone uma das mulheres no protesto. “Onde morre uma quebradeira de coco morre todas nós.”
O Brasil é um lugar perigoso para mulheres que defendem o meio ambiente, seus territórios, seus direitos e suas comunidades. De 2015 até 2021, 24 foram mortas em áreas de conflitos no campo brasileiro. No mesmo período, 40 sofreram tentativa de assassinato. E cerca de 200 mulheres foram ameaçadas de morte. Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A CPT monitora os casos que são publicizados, ou que chegam até eles, para elaborar um relatório anual com os crimes e conflitos no campo. Mas não há um recorte de gênero, separando as mulheres em perigo, mortas ou ameaçadas. A Revista AzMina fez esse levantamento a partir dos dados de 2015 até o último relatório publicado em abril de 2022 (relativo a 2021). Coletamos os nomes femininos referentes às vítimas de assassinatos, tentativas de assassinatos e ameaças de morte.
Todos os meses, em média, registram-se três casos de ameaças, mortes ou tentativas de assassinato de mulheres ativistas de causas ambientais no país. E essas são apenas as que ficam conhecidas, muitas não são noticiadas. Longe dos grandes centros urbanos, elas arriscam suas vidas lutando por um pedaço de terra para trabalho, para ter comida em casa, para ter um futuro e manter a natureza viva.
Mulheres quilombolas do Maranhão protegem a floresta de palmeiras, recebendo em troca o fruto que é fonte de subsistência. Do coco, elas tiram a casca para fazer carvão, extraem o óleo de amêndoa, que gera sabão e outros produtos, e, com as folhas, fazem cestos e cobrem as casas. Aproveitam tudo que a natureza oferece.
Maria José Rodrigues Correa, 78 anos, morreu à luz do dia quebrando coco na mata, atividade que ela exerceu a vida inteira, mesmo depois de aposentada. No dia 12 de novembro de 2021, no Povoado de Boa Esperança, zona rural de Penalva (MA), um homem dirigia um trator de esteira no terreno de babaçus, derrubando as árvores, que caíam umas sobre as outras.
A quebradeira e o filho, José do Carmo Correa Junior, 38 anos, frequentavam a floresta de palmeiras há anos para a colheita do fruto. Naquela manhã, foram esmagados pelos babaçus, não tiveram tempo de correr para se salvarem. Seus corpos foram encontrados sem vida junto às árvores no chão.
Poucas semanas antes da morte da quebradeira de coco Maria José e seu filho, um fazendeiro havia aparecido dizendo que teria supostamente comprado aquelas terras e que iria desmatá-las para abrir pasto e cercar o local. A área, no entanto, faz parte da região onde 154 famílias quilombolas estão assentadas e pleiteiam a regularização das terras há mais de 20 anos.
Celiane Pinheiro, nascida entre as quebradeiras de Penalva, faz parte do sindicato da categoria e conhece bem essa luta. Os babaçuais são sua única fonte de renda e contam a história do seu povo. Maria Correa e a mãe de Celiane, Pedrolina Pinheiro dos Santos (Pedrinha), unidas a outras companheiras, iniciaram o movimento de resistência das quebradeiras de coco na comunidade Boa Esperança na década de 1990.
As palmeiras no Maranhão também são, em teoria, protegidas pela lei do Babaçu Livre, que impede a derrubada dessas espécies e dá acesso às trabalhadoras para retirar do fruto. Mas é com o próprio corpo na floresta que essas mulheres buscam fazer valer a letra do papel.
Celiane contou que sempre aparece um fazendeiro para se dizer dono das terras por lá. E isso vai só diminuindo a área dos quilombolas, ameaçando as trabalhadoras rurais e a atividade ligada ao babaçu. São cerca de 400 mil quebradeiras de coco em quatro estados – Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins -, conforme o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb). “Nós não brigamos por terra, mas por dignidade”, disse Celiane. Para ela, diante da forma como dona Maria morreu, as quebradeiras precisam lutar pela companheira e pelo direito de trabalhar sem medo.
A investigação em Penalva foi encerrada cinco meses depois das mortes – é um dos poucos casos de conflitos com vítimas no campo em que houve conclusão de inquérito. Apenas o motorista e o dono do trator devem responder por homicídio culposo, mas as quebradeiras de coco buscam que o fazendeiro seja também denunciado e que se apure a intenção de matar, bem como os conflitos agrários e ameaças na região.
Em 2021, foram 26 mulheres ameaçadas, duas mortes e quatro tentativas de assassinato. As que sofrem mais perigo são as posseiras, sem-terra, indígenas e quilombolas. Elas estão nas cinco regiões do país, em 18 estados, mas sobretudo no Norte e Nordeste – no Pará, Maranhão, Rondônia, Pernambuco, Bahia, Amazonas. E lideram suas comunidades. Nos relatórios da Comissão Pastoral da Terra, quase metade (42%) das mulheres foram identificadas como sendo lideranças (lembrando que muitas sequer se reconhecem assim).
Ao assumirem a linha de frente da defesa ambiental, elas perdem a liberdade individual pela defesa do coletivo. Sob ameaça, elas encaram a solidão: não vão a bares, festas, deixam de ter vida social para se manterem vivas. Quatro lideranças com quem conversamos nesta reportagem se separaram ou foram deixadas pelos companheiros.
“A gente renuncia aos amores; os homens não sabem lidar com mulheres como a gente”, disse Eliete Paraguassu, baiana que conheceremos mais adiante. A maranhense Antônia Cariongo também nos contou parte de sua jornada e falou sobre isso: “O cara diz: ou tu vai fazer movimento ou tu vai ficar em casa cuidando dos filhos. Se está no movimento, está separada.”
Claudelice Santos, 40 anos, está há mais de dez anos na defesa da floresta em pé na Amazônia, no sudeste do Pará. “Nunca consegui ter um companheiro, um namorado que entendesse minha dinâmica de vida, de luta. É uma solidão.” Em seguida, ela emendou que seria uma perda de tempo se dedicar a relacionamentos amorosos. “Eu não posso parar, se algo de ruim acontecer de novo, não vou me perdoar.” Ela se refere às mortes do irmão e da cunhada em 2011.
O casal de ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foi assassinado a tiros numa emboscada na zona rural de Nova Ipixuna (PA), quando retornavam de moto ao assentamento onde residiam. Eles faziam denúncias de desmatamento, grilagem de terras, trabalho escravo, e sempre foram ameaçados. Já tinham reportado a situação ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Ministério Público e à imprensa. Nada foi investigado antes do crime.
Para que os responsáveis fossem punidos, foi preciso muita briga na Justiça. “A impunidade é uma regra”, comenta Claudelice. No primeiro julgamento, o apontado como mandante José Rodrigues Moreira foi absolvido, mas a defesa do casal morto conseguiu anular e reverter a decisão em 2016. Hoje, dois pistoleiros estão presos, condenados a 42 e 45 anos de reclusão. Já o mandante, está foragido há seis anos, mesmo com uma condenação de 60 anos.
Após a fase do luto e da dor pela morte de Zé Cláudio e Maria, Claudelice decidiu que não iria deixar o medo lhe paralisar e continuaria em busca de Justiça. Herdou o trabalho e as batalhas do irmão e da cunhada, e também os riscos de morte. “Antes de assumir o legado deles, eu não tinha dimensão do quão grande e importante era essa luta, mas muito perigosa.” Moradora de um assentamento agroextrativista, ela é uma das mulheres que consta na lista do CPT como ameaçada na região Norte no ano de 2019.
Mas a ameaça de morte não tem data de validade, destaca Claudelice, “ela acontece e você tem que ficar alerta pra sempre”. Foi assim por vários anos com Zé Cláudio e Maria, entre períodos mais calmos e tensos, até que eles foram mortos.
O Instituto Zé Cláudio e Maria foi fundado em 2017 por Claudelice Santos e companheiras, em memória ao casal de ambientalistas e para seguir lutando por justiça, preservação ambiental e educação florestal.
Apesar de abdicarem dos relacionamentos, essas mulheres seguem chefes de família, lutando pelos filhos que são o maior motivo do medo que sentem diante das ameaças. Quando precisam deixar suas casas por segurança, não conseguem sair sozinhas. E a própria violência, no caso delas, é pensada para atingir os familiares.
Em 2019, colocaram um bilhete na caixa de correio da mãe de Claudelice dizendo que iriam matar o resto da família. Em 2020, perseguiram o carro dela, mas quem dirigia era a filha, que quase capotou o veículo e ligou para a mãe desesperada.
“Nunca é só um assassinato, não é só uma ameaça”, afirma Claudelice. Buscaram a filha e a mãe dela, uma idosa de 84 anos, “porque sabem que a mulher tem um vínculo muito forte com a família”, conta. Claudelice instalou sistemas de segurança na casa dela e da mãe. Ela acorda todos os dias às 4h e não consegue mais dormir.
“O bem viver não vai cair no nosso colo, vamos ter que lutar por isso, com apoio, sem apoio, não importa. Se a gente parar eles vencem”, diz . Todas as defensoras ouvidas para essa reportagem falam que doam suas vidas para a luta e precisam se manter de pé pela floresta.
Violências múltiplas e específicas sofridas por defensoras não estão no radar das estatísticas, dos governos, tampouco das políticas públicas. Em contextos de conflitos socioambientais e fundiários há também a ocorrência de estupros. O artigo “Os carrascos avançam” chama a atenção para isso no relatório da CPT de 2020, escrito por Tatiana Emilia Dias Gomes, professora de direito agrário na Universidade Federal da Bahia.
Além dos assassinatos e ameaças por conflitos, foram registrados 37 estupros em uma década (2011 a 2020), e entre as principais vítimas estão as mulheres quilombolas. “Violências sexuais constituem historicamente formas de controle patronal”, escreveu Tatiana.
Essas mulheres que defendem suas terras desafiam as engrenagens de um patriarcado patronal branco. “Cuidam da resistência e da existência, e, dessa maneira, afirmam seu papel no mundo”, marca trecho de um dos artigos publicados no Dossiê Vidas em Luta de 2020.
À essa ousadia de deixar o ambiente do lar para tomar as rédeas da vida e da luta política, muitos companheiros respondem com violência. Uma pesquisa do Instituto Igarapé com mulheres defensoras do meio ambiente identificou que os familiares representam quase um terço dos responsáveis pelas agressões físicas que elas sofreram.
O aumento da violência doméstica vinculado à atividade social desempenhada por elas foi o principal achado do levantamento intitulado Vitórias-Régias, publicado este ano. “Em função desse ativismo [da mulher], do protagonismo por conta do trabalho, elas sofrem violência dentro de casa”, avaliou a pesquisadora do Igarapé Renata Giannini.
Há ainda as ofensas indiretas que atingem mais as mulheres, como o estigma sofrido pela comunidade e a invisibilização do trabalho, principalmente quando se tem casais de ativistas e só se reconhece o homem como liderança e defensor. “Essa atuação cotidiana de defesa dos territórios as tornam defensoras, mas muitas não sabem”, afirma Renata. Os agressores buscam atingir o psicológico e o corpo da mulher. Muitas sofrem difamação, calúnia e ataques contra a honra.
A defesa ambiental é um modo de vida que se impõe para muitas, sem espaço para submissão. Mulheres marisqueiras, quando estão em atividade nos mares e mangues, catando aratu e outros mariscos, passam a integrar aquele ambiente, em harmonia com todos os outros seres. Com seus corpos metade submersos, elas caminham dentro d’água em busca do alimento, o qual depois vão limpar, tratar, cozinhar e vender. O trabalho não para, começa cedo e se estende o dia inteiro, exigindo esforço físico e coragem.
O documentário Mulheres das Águas, de 2021, mostra a rotina de algumas dessas marisqueiras e pescadoras, espalhadas em partes diferentes do país, envolvidas na luta pela preservação das águas. A quilombola Eliete Paraguassu, 42 anos, é uma das entrevistadas na Ilha da Maré, área de mata e mangue em Salvador (BA). A região tem 21 poços de exploração de petróleo e vazamentos recorrentes que impactam o manguezal, poluindo e inviabilizando a saúde e a vida no entorno.
Eliete está sempre à frente das denúncias e dos protestos contra a destruição do seu território. Consequentemente, é muito exposta e atacada. Ela conta que seus “rivais” cooptam gente dentro da própria comunidade para desarmá-la. Assim, o conflito do território passa também a ser dentro do povo que vive nele, não entre os que exploram e os explorados.
Diante dos danos causados a um importante manguezal de sua região, Eliete iniciou um movimento para denunciar a situação no Dia Mundial das Águas. Acabou sofrendo um processo judicial de R$ 50 mil que está em tramitação. Por contra de outra ação, Eliete também está proibida de fazer qualquer tipo de mobilização no seu território ou pagará uma multa de R$ 10 mil – ela e a comunidade que ali vive há anos em torno da pesca. Valores irrazoáveis, já que as contas de sua casa são pagas no sufoco com o benefício social do governo e a catação de marisco.
São 24 anos de luta contra o capital que dizima a vida no mangue, mas nos últimos tempos Eliete tem finalmente visto sua voz ecoar para fora do Brasil. Hoje, ela acredita que está viva graças à rede internacional de apoio às defensoras do meio ambiente.
Na tarde em que conversamos por telefone, em maio de 2022, Eliete comentou que um carro tinha tentado lhe atropelar no dia anterior. Ela está na lista da Comissão Pastoral da Terra de mulheres ameaçadas de morte. Em julho de 2021, após invadirem o quintal de sua casa para bater nela e na família, ela buscou apoio de organizações da sociedade civil para se proteger e precisou deixar a comunidade. Ficou fora por três meses.
“É a pior coisa do mundo quando cai a ficha que você pode ser assassinada a qualquer momento porque está em busca de uma qualidade de vida melhor para o seu povo”. A fala é de Antônia Cariongo, 42 anos, quilombola maranhense que, desde 2011, atua fazendo levantamentos para pedir regularização de terras e denunciando conflitos com fazendeiros.
No país onde defensores do bem comum são mortos e ameaçados pelo bem privado, o ameaçador de Antônia fez a intimidação sem se constranger com o celular que lhe filmava. Ela narra o que o ‘dono do café’ lhe avisou em 2020:
— Eu já sei quem é que tá ajudando vocês, que veio para cá com essa história de quilombola, é uma tal de Antônia Cariongo, eu sei onde ela mora, eu sei quantos filhos ela tem, quem foi a parteira que trouxe ela ao mundo, mas ela não perde por esperar, eu já estou providenciando, e ela vai aprender a respeitar.
“Eu era a negrinha que tinha desobedecido o homem branco e iam me tirar de circulação”, interpretou Antônia. Na semana seguinte, ela foi surpreendida por dois motoqueiros rondando a casa dela. É como se o ameaçador tivesse a convicção de que a liderança vai abandonar a militância se estiver amedrontada. “Eu não deixei o movimento, mas a minha vida mudou completamente, meu psicológico se acabou”.
Foi aí que ela procurou o Estado que teria o dever de lhe proteger. Antônia entrou para o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Ela é acompanhada por meio de telefone e das câmeras instaladas em sua residência.
A entrada no programa traz alguma sensação de segurança, diz Antônia, que também fez uma denúncia na Justiça contra seu ameaçador. No entanto, nada disso alimenta os filhos dela nem soluciona os conflitos.
O programa consiste em acionar órgãos do Sistema de Justiça e tem a possibilidade de fornecimento de equipamentos de proteção individual e pequenas reformas no imóvel do defensor para melhorar a segurança. Em casos mais graves, o protegido pode ser afastado do território de conflito.
A proteção fica refém da capacidade de articulação e da vontade política do Executivo. O Decreto nº 9.937, de 2019, menciona que a cooperação entre os atores se dá de forma voluntária. A ideia era que o PPDDH funcionasse em cada um dos estados brasileiros com repasses do Governo Federal, mas tem apenas dez programas estaduais em execução.
O percentual de mulheres no programa é de 40%, 241 em um total de 548 protegidos, conforme o dado referente a abril de 2022, último fornecido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), responsável pela gestão do PPDDH. A maior parte pertencente a povos e comunidades tradicionais.
Mas ainda assim, não há uma perspectiva de gênero e raça no programa de proteção, não existe uma política que direcione o atendimento a partir de demandas específicas desse público. “Algumas mulheres já deixaram a militância por conta das ameaças, com medo de morrer, ser abandonada pelos maridos e não conseguir sustentar os filhos”, conta Antônia.
O Dossiê Vidas em Luta e o Relatório O Começo do Fim são publicações recentes que analisaram os vários problemas do programa de proteção. Os documentos identificam que, embora indispensável para aquelas que lutam por direitos humanos no Brasil, o PPDDH não cessa as ameaças quando o defensor ingressa nele, nem há responsabilização daqueles que as ameaçam.
Em entrevista para a Revista AzMina, o diretor de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos, Herbert Barros, admitiu que nem sempre há uma resposta rápida ou adequada dos órgãos acionados pelo programa na localidade do defensor. E, para que houvesse de fato a priorização de alguns casos, Hebert acredita que o programa precisaria ser constituído na forma de lei.
O recurso financeiro do programa é “um dos pontos sensíveis à continuidade”, aponta a organização Terra de Direitos, indicando que burocracias e demoras no repasse de verbas para execução “fragilizam e comprometem a efetivação nos estados”. O orçamento do PPDDH variava entre R$ 4 e 6 milhões ano a ano, até 2018, quando teve um salto para R$ 15 milhões. No ano seguinte voltou para R$ 6 milhões, ficando em R$ 8,5 milhões em 2021.
O diretor do PPDDH explica que o assassinato da vereadora Marielle Franco no princípio de 2018 fez com que o governo conseguisse elevar o valor do programa naquele ano. Segundo Hebert, o padrão atual necessário de orçamento para o PPDDH é na casa dos R$ 9 milhões, “valor suficiente para manter os compromissos que temos hoje e negociar com outros lugares.”
O programa não é proativo na busca dos defensores ameaçados, ele atende apenas as demandas que chegam. O governo também não possui dados oficiais sobre ativistas ameaçados e usa levantamentos da Comissão da Pastoral da Terra, que é um órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para o diretor do programa, o volume de demandas que recebem não aumentou nos últimos anos, contrariando os números crescentes de disputas por terra.
Herbert diz que a equipe do PPDDH tem trabalhado para recuperar a credibilidade do programa diante de falas do presidente contra ativistas e defensores dos direitos humanos. Mulheres quilombolas, indígenas e sem-terra ouvem de seus ameaçadores, que vão de fazendeiros a mineradoras, que “a lei não protege ninguém de bala, e que a Justiça não os atinge”.
As mulheres ouvidas pela reportagem afirmam que a sobrevivência delas e de quem defende o meio ambiente depende do fim dos conflitos no campo. Para isso, tem que ser feita a regulamentação dos territórios, homologações e demarcações, processos e documentos que definam a quem pertencem as terras.
O chefe maior do país, o atual presidente Jair Bolsonaro, deixou claro que não demarcaria um centímetro de terra indígena em seu governo, e está cumprindo a promessa. Ele comemorou que nenhuma área foi demarcada na sua gestão.
O cenário hoje é de avanço do agronegócio, das monoculturas, dos pastos, do desmatamento, do garimpo ilegal e dos megaempreendimentos sobre as terras, ar e águas no Brasil. As lideranças sociais que tentam impedir a devastação ambiental seguem sendo ameaçadas de morte.
Claudelice, no Pará, vê o desmatamento no sudeste do estado e garimpeiros ilegais no oeste como maiores causas dos conflitos na região.
Antônia percebe como o Maranhão foi tomado pelas madeireiras e pelo agronegócio nos últimos anos. “Nosso estado tem cerca de 1.600 quilombos e nunca regularizou nenhum território”, diz sobre o que ela considera ser a razão do alto índice de pessoas ameaçadas de morte. “Vai ter grileiro invadindo, vai ter morte, os mandantes são os grandes financiadores da política, é uma coisa vergonhosa”, diz.
Quem denuncia, combate e coloca o corpo pela preservação dos territórios é brutalmente eliminado, como foram José Cláudio e Maria, em 2011, e Bruno Pereira e Dom Phillips em junho de 2022. Mais de 2.000 vítimas perdidas no país desde 1985 (ano em que se iniciou a publicação “Conflitos no Campo Brasil” pela CPT).
O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking global de assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos. E, em 2021, as mortes em consequência desses conflitos cresceram 1.100% em relação a 2020, conforme a CPT. Foram 109 mortes, sendo 101 na Terra Indígena Yanomami, entre elas as duas crianças, de 4 e 7 anos, sugadas por uma draga de exploração do garimpo ilegal em 2021.
*Reportagem originalmente publicada no site AzMina
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*Metodologia usada no levantamento: Entramos em todos relatórios de Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (de 2015 a 2021), que possuem tabelas referentes às vítimas de assassinatos, tentativas de assassinatos e ameaças de morte, com os nomes, localizações, datas e perfil das pessoas. Coletamos todos os dados com nomes de mulheres em cada uma das tabelas.
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