Relatório da FENAJ aponta 376 casos de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação em 2022
por Juliano Domingues em 30/01/23 16:32
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Violência contra jornalistas serve como uma espécie de termômetro para medir a temperatura de democracias: quando maior o número de ocorrências, mais grave a enfermidade. Embora a febre ainda esteja alta no caso do Brasil, a boa notícia é que há indícios de que ela começa a baixar.
Dois relatórios divulgados recentemente permitem alimentar essa expectativa: o documento “Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil 2022”, produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); e o “Índice Chapultepec 2022 de Liberdade de Expressão e de Imprensa”, da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP). Em ambos, observa-se o que pode ser um início de mudança de cenário.
O relatório da FENAJ aponta 376 casos de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação em 2022, de intimidações a assassinato, passando por impedimento do exercício profissional e ataques cibernéticos. O número ainda é alto, mas foram 54 casos a menos em comparação com 2021, quando se chegou ao recorde de 430 episódios. A queda de 12,56% se deve, principalmente, a uma redução nas categorias Descredibilização da imprensa e Censura.
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Ainda assim, Descredibilização da imprensa é a categoria que soma a maior quantidade de ocorrências, com 23,14% dos casos. Há uma razão para isso: na era das chamadas “narrativas alternativas”, disseminar descrédito, desconfiança e ódio em relação à imprensa e a veículos de comunicação é etapa fundamental no processo de disputa por poder político. Quando os números são observados por tipo de mídia, o alvo predileto dos agressores foi a TV (entre repórteres e repórteres cinematográficos), com 41,03% dos registros.
Ao mesmo tempo em que ataca a chamada “mídia tradicional”, essa estratégia recorre às redes sociais digitais como plataforma para fluxos de propagação de desinformação e de ódio contra profissionais do jornalismo. Não por acaso, a categoria Ameaças/Hostilizações/Intimidações é a segunda com maior número de ocorrências, responsável por 20,48% dos episódios. O número de casos de agressões diretas a jornalistas apresentou um aumento em todas as regiões do país. Esse ranking é liderado pelo Centro-Oeste (34,03%), seguido pelo Sudeste (28,47%), Norte (13,2%), Nordeste (12,15%) e Sul (12,15%).
A localização geográfica do Distrito Federal explica esse percentual da região Centro-Oeste. Isso porque em Brasília foi registrado o maior número de casos (30,57%), o que também torna um tanto óbvia a lista dos principais agressores. Ela é encabeçada pelo à época presidente da República, Jair Bolsonaro, responsável por 27,66% dos casos, com Manifestantes bolsonaristas em segundo lugar, com 21,27%.
Outro indicador de melhora, ainda que discreta, do cenário brasileiro é o mais recente relatório do Índice Chapultepec de Liberdade de Expressão e de Imprensa. Em uma lista de 22 países liderada pelo Canadá, o Brasil caiu da 19ª, em 2021, para a 15ª posição, em 2022. Assim, o país passou da classificação “alta restrição” para “restrição parcial” à liberdade de expressão e de imprensa, com índice 44,26, em uma escala de 0 (sem liberdade de expressão) a 100 (liberdade de expressão plena). O nosso vizinho mais bem localizado no ranking é o Uruguai, em 3º, com 78,9.
E aqui vai uma breve informação sobre a metodologia adotada. O Índice Chapultepec procura mensurar a influência sobre a liberdade de expressão exercida por três esferas – Legislativo, Judiciário e Executivo -, bem como sua relação com quatro dimensões – dimensão A, “Cidadania Informada e Livre Expressão”; dimensão B, “Exercício de Jornalismo”; dimensão C, “Violência e Impunidade”; e dimensão D, “Controle de mídia”. Há, ainda, uma classificação segundo os tipos de influência desfavorável à liberdade de expressão, numa escala de 0 a 10: influência leve (0,1 a 2,5), influência moderada (2,51 a 5), influência forte (5,01 a 7,5) e influência muito forte (7,51 a 10).
Fim dos parênteses sobre metodologia, vamos aos números. No caso do Brasil, o Poder Executivo se destacou em 2022 como o que mais influencia negativamente a liberdade de expressão, com 5,28, o que significa forte influência. Em seguida, vem o Judiciário, com 4,3, influência moderada, e, por fim, o Legislativo, também classificado como influência moderada, com 4,04.
Em relação às dimensões, destaca-se negativamente a dimensão C, “Violência e impunidade”, com nota 12 em uma escala de 0 (sem liberdade de expressão) a 42 (plena liberdade de expressão). Na dimensão A, “Cidadãos informados e liberdade de expressão”, tem-se 8,1, numa escala de 0 (sem liberdade de expressão) a 23 (plena liberdade de expressão). A título de comparação, o Uruguai atingiu 25,2 na dimensão C e 21,6 na dimensão A.
Na dimensão B, “Exercício do Jornalismo”, numa escala de 0 (ninguém livre) a 10 (plena liberdade de expressão), nota 6,6. Por fim, na dimensão D, “Controle da mídia”, o tem-se 17,6, numa escala de 0 (sem liberdade de expressão) a 25 (plena liberdade de expressão). Ainda comparativamente, o Uruguai ficou com 9,1 na dimensão B e 23 na D.
Os dados de violência contra a liberdade de imprensa e de expressão, que se materializa em ataques a jornalistas, comunicadores e empresas de mídia, situam-se no contexto mais amplo de projetos de poder que pressupõem minar e subverter o jogo democrático. Ambos os relatórios ilustram em números o resultado dessa estratégia, adotada por grupos políticos de viés autoritário de modo mais intenso nos últimos anos. Mas como a história é feita de fluxos e contrafluxos, é possível inferir do atual cenário que há uma mudança em curso, embora ainda discreta.
PS: os relatórios completos podem ser encontrados em www.fenaj.org.br e em www.indicedechapultepec.com.
Juliano Domingues, jornalista, é coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
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