Cultura

Crise no Amazonas

Falta de oxigênio em Manaus configura desordem política e disputa comercial

Colapso é consequência de embates entre governantes e autoridades e de oligopólio nacional na produção de oxigênio medicinal

por Vitor Hugo Gonçalves em 15/01/21 15:27

Sistema de saúde do Amazonas vive caos diante do avanço da Covid-19 no estado e falta de ações contra o vírus
Amazonas vive caos e vê mortes crescerem diante do avanço da Covid-19 no estado e falta de ações contra o vírus.
(Foto: Chico Barata)

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, durante transmissão ao vivo por uma rede social, admitiu na última quinta-feira (14) que há um “colapso” no sistema de saúde de Manaus, que sofre com a falta de oxigênio para atender pacientes infectados pela Covid-19. Nos últimos sete dias, a média móvel de mortes do estado amazonense cresceu 183% – no total, a região registra mais de 5,8 mil óbitos em razão da doença.

Diante da carência do gás vital, a Força Aérea Brasileira (FAB) enviou, durante a madrugada de hoje (15), uma aeronave do tipo C-130 Hércules com 6 cilindros de oxigênio líquido, totalizando 9.300kg de carga.

Entretanto, para o médico sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto, a quantidade expedida “não resolve o problema, apenas minora”. Para ele, o desastre prenunciado em Manaus é consequência, para além do aumento exponencial no número de casos, da desordem proveniente da administração pública, regional e federal.

Ao Almoço do MyNews desta sexta-feira (15), Vecina Neto delineou o catastrófico cenário amazônico como resultado de infundadas disputas políticas, tendo em vista que “o governador do Amazonas, que não conversava com o prefeito de Manaus, determinou o lockout [fechamento do comércio], mas voltou atrás na decisão depois de ser pressionado pelo poder econômico da cidade. A consequência dessa volta foi a explosão no número de casos”, explicou.

O encontro entre pessoas, fator crucial para a disseminação do vírus, foi fomentado direta e indiretamente nos últimos meses, devido, principalmente, ao relaxamento das medidas de contenção e à queda no número de casos. No início de 2020, em Manaus, enterrava-se diariamente de 30 a 35 pessoas. No ápice da crise sanitária, a soma subiu para 160. Antes de ontem (13), o dado mais mórbido: 198 pessoas mortas. “Em Manaus não se discute hospital de campanha, se discute necrotério de campanha”, como bem elucidou o doutor.

“Isso é responsabilidade do Executivo e é responsabilidade Federal também. Lembro que Bolsonaro queria interferir nessa capacidade de governadores e prefeitos, mas o Supremo Tribunal o vetou. Ele poderia ter feito muito mais desastres se ele estivesse lá, obrigando os médicos de Manaus a utilizarem o inócuo kit contra a doença, bobagens que ele acredita como um bruxo crê em magia”, completou.

Inalando dinheiro

A escassez de oxigênio compreende dois aspectos atualmente deteriorados no Brasil: a gerência de patrimônios e insumos públicos e o setor econômico privado.  

Experiente na gestão governamental da Saúde, Vecina Neto conta que, naturalmente, ninguém poderia prever um crescimento local de 8 vezes no consumo normal do gás. “Em um hospital, o oxigênio, isoladamente, é o item mais caro, isso em qualquer hospital do mundo, pois demanda armazenamento adequado e ressuprimento contínuo – na verdade, quem controla o nível de estoque é a própria fornecedora”, esclareceu.

Sistema de saúde em Manaus vive caos diante do avanço da Covid-19 no Amazonas
Sistema de saúde em Manaus vive caos diante do avanço da Covid-19 no Amazonas.
(Foto: Chico Barata)

No Brasil, o mercado do elemento é regido por um oligopólio de “3 ou 4 empresas, que regulam o preço do jeito que bem entendem. Então, parte da responsabilidade, é da fornecedora. No caso de Manaus, a White Martins”.

A disputa comercial, no entanto, extrapola as alas hospitalares, interferindo até mesmo em instituições do poder público. De acordo com o ex-presidente da Anvisa, o atual percentual mínimo de pureza do oxigênio determinado pela agência foi estabelecido após uma exigência conjunta dessas companhias que detêm o controle da maior parcela do mercado.

Conforme o relato do especialista, “essas empresas que controlam a venda de oxigênio no Brasil pediram [à Anvisa] a criação do oxigênio medicinal para retirar do mercado os produtores de oxigênio industrial, que possuem um grau de pureza próximo, mas não é o grau que elas têm, de 98% ou 99%. Retiraram a concorrência usando a mão da Anvisa” […] “Eu não estava mais lá quando isso aconteceu, pois eu não aceitava essa condição”, completou.

Na tarde de quinta, mediante o colapso estabelecido, a entidade sanitária autorizou, de maneira excepcional, a distribuição de oxigênio com menor pureza (95%) em Manaus. Para o médico, “não há nenhum problema na questão. Usinas locais produzem oxigênio com 96% de pureza, o que já é suficiente, mas há um grande boicote a elas”.

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