Economia

DESIGUALDADE SOCIAL

Inflação faz brasileiro se alimentar menos

Pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade Presbiteriana Mackenzie analisou o efeito da inflação no poder de compra do salário mínimo entre 2011 e 2021

por Liliane Cristina Segura em 23/11/21 16:26

O tema inflação voltou a aparecer nos noticiários e nos debates dos brasileiros. Com o constante aumento nos preços de todos os produtos e, principalmente, dos alimentos, o que se coloca à mesa e a qualidade destes produtos tem preocupado a população. Antes de explorarmos os efeitos da inflação nos alimentos é interessante entendermos o que significa o termo inflação.

Segundo o Banco Central do Brasil (BCB) “inflação é o aumento dos preços de bens e serviços”, ainda segundo o BCB “ela implica diminuição do poder de compra da moeda”. Em suma, quando existe inflação, o poder de compra da moeda diminui e, consequentemente, se adquire menos com o mesmo montante de dinheiro. O órgão governamental explica que o indicador oficial da inflação é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Infelizmente, esses termos estão muito longe da realidade vivida pela maior parte dos brasileiros. Estes brasileiros, que todos os dias precisam honrar com suas contas, comprar alimentos, pagar o aluguel e, cada vez mais, percebem que o salário não é capaz de cumprir com tantas obrigações, que estão subindo de preço mês a mês (isso quando esses brasileiros recebem salários).

Uma pesquisa feita pelos professores de Ciências Contábeis da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) analisou os efeitos dos aumentos de preços (inflação) de alguns alimentos básicos in natura (commodities agrícolas) no poder de compra do salário-mínimo do Brasil. Os alimentos selecionados para este estudo foram os alimentos básicos que têm seu valor divulgado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) que é parte do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo (USP).

O Cepea divulga dos valores das commodities agrícolas desde 1986. No entanto, para essa análise, consideramos os valores de janeiro de 2011 até outubro de 2021. Para cada um dos alimentos foram feitas duas análises gráficas: a primeira análise foi a variação histórica do preço e a segunda análise foi a porcentagem que este item representa sobre valor do salário-mínimo do ano. Assim, é possível verificar a influência da inflação no poder de compra desses produtos.

O primeiro alimento selecionado foi arroz em casca, que é base alimentar do Brasil. Observe que entre os anos de 2011 e 2020 o aumento do salário mínimo era acima ou igual à variação ocorrida no preço do arroz.

inflação saca do arroz em casca
Variação de preços da saca do arroz em casca em comparação com o salário mínimo/Imagem: Divulgação/Universidade Presbiteriana Mackenzie

Por anos, o arroz mantém seu valor abaixo de R$ 50 a saca de 50 quilos. Entretanto, observa-se que, após maio de 2020 os preços passaram a subir rapidamente ultrapassando os R$ 100 a saca em setembro, outubro e novembro de 2020. Nos meses seguintes, o preço foi ajustado, mas continua acima dos R$ 70 a saca. Observa-se também que até maio de 2020, a saca de arroz representava menos que 5% do salário-mínimo. Em outubro de 2021, a saca representa quase 7% do salário. Isso evidencia a perda real do poder de compra do salário-mínimo em 2021.

Em outros dois casos, foram avaliados o café arábica e o trigo, produtos esses que são parte do tradicional café da manhã com o pão francês dos brasileiros. Neste gráfico, observa-se que a variação do poder de compra era bem maior do que a variação do café e do trigo ao longo dos anos pesquisados.

Os consumidores devem ter percebido o aumento do café nos últimos meses. Essa percepção não é somente uma observação pontual. Veja no gráfico a velocidade com que houve a perda do poder de compra em relação ao aumento do preço do café.

Nunca foi tão caro tomar café. A saca de 60 quilos passou dos R$ 1.000 em outubro de 2021, ou seja, um brasileiro que recebe um salário-mínimo não é capaz de comprar uma saca de café com seu salário mensal.

O café não tem muitas oscilações nos preços ao longo dos anos, mas após março de 2019 a saca cresceu de preço quase 3 vezes até outubro de 2021, o que não foi acompanhado pelo reajuste do salário, demonstrando assim uma grande perda do poder de compra do trabalhador.

Grandes aumentos também foram observados no caso do trigo. Como toda commodity, ela possui uma variação sazonal ao longo do tempo. No entanto, a partir de 2019, observa-se o que o preço do trigo não tem oscilações, mas aumentos constantes.

Já o pão (feito de trigo) que completa o café, tem grandes oscilações históricas no preço da tonelada. O Brasil não é autossuficiente na produção da commodity, então fica dependente de cotações internacionais. Assim como café, após 2019 os preços não pararam de subir e desde março de 2020 e o brasileiro que recebe um salário-mínimo não consegue comprar uma tonelada de trigo.

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A pesquisa também analisou os alimentos de proteína animal, que são um dos principais componentes do prato principal do brasileiro. Nesta pesquisa, observou-se os preços do frango congelado, o suíno vivo e o boi gordo. Os alimentos derivados de aves e suínos sempre foram mais acessíveis aos brasileiros e sua renda. A carne bovina, historicamente possui grandes variações e representam grande parte da renda de um trabalhador que recebe o salário-mínimo.

No caso do frango congelado, este sempre foi acessível e representou uma pequena parte do salário-mínimo. No entanto, é possível também observar que houve uma variação considerável nos últimos dois anos.

O preço do quilo frango nunca foi significativo sobre o salário-mínimo, em janeiro de 2011 os R$ 2,96 por quilo representavam 0,54% dos salários. Esse indicador de preço do frango em referência ao salário manteve-se no patamar até setembro de 2020. Após esse período, o salário não subiu na mesma proporção do quilo do frango, que subiu mais de 35%. Dessa forma, a participação na renda do trabalhador também aumentou.

No caso dos suínos, o preço do quilo segue a mesma tendência do quilo do frango. O gráfico de preços tem um pico em outubro e novembro de 2020, pois os custos de alimentação dos porcos cresceram muito, sendo que o milho e a soja dobraram de preço nesses meses, causando o aumento dos preços deste tipo de carne.

Já o Boi Gordo, que é o valor de bovinos machos, com 16 arrobas líquidas ou mais de carcaça e idade máxima de 42 meses, teve seu valor triplicado quando comparado o valor de janeiro de 2011 até agosto de 2021. No mesmo período, o salário-mínimo dobrou no mesmo período. Após abril de 2020 o preço do Boi Gordo entrou em uma tendência de alta. A pandemia, a demanda dos países quanto ao fornecimento de carne, a dificuldade de transporte e de acesso aos produtos fez com que o preço da carne aumentasse significativamente.

Os números da pesquisa mostram que o brasileiro está gastando mais para comprar seus alimentos. Itens básicos, que vão do básico do café da manhã, ao prato principal do almoço e até o jantar, demonstram variações muito além do poder de compra do brasileiro. É fácil observar que os salários não estão sendo reajustados na mesma proporção e velocidade dos aumentos dos preços dos alimentos.

Além disso, inúmeros fatores explicam esse aumento nos alimentos: crise econômica, falta de reformas importantes, o desencadeamento da pandemia, reações do meio ambiente aos constantes desmatamentos, crise hídrica, variação cambial, problemas de infraestrutura do país e aumento na demanda mundial.

O resultado de todos esses fatores já é visto nas ruas, nas famílias de baixa renda e nos desalentados, que pouco ou nada têm para se alimentar. Com os alimentos mais caros e a renda em queda, mais e mais brasileiros podem ter o risco de não conseguir ter o mínimo de alimento nos próximos meses.


Quem são Liliane Cristina Segura e Murillo Torelli Pinto?

Liliane Cristina Segura é coordenadora do curso de Ciências Contábeis da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Murillo Torelli Pinto é professor de Contabilidade Financeira e Tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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